Desemprego, indiferença e necessidade nos semáforos da Baixada Santista

Pessoas disputam a caridade alheia e convivem com o desprezo e medo de alguns motoristas

Por: Daniel Rodrigues e Mariana Pinho*  -  16/11/22  -  13:01
Lucas Pereira vende paçocas em um dos cruzamentos mais movimentados de Santos
Lucas Pereira vende paçocas em um dos cruzamentos mais movimentados de Santos   Foto: Daniel Rodrigues

“Trabalhar no semáforo não é fácil, não é pra qualquer um. É muito desprezo”. O desabafo é de Lucas Felipe Pereira, de 28 anos. Ele trabalha desde 2014 vendendo paçoca no cruzamento das avenidas Washington Luís e Francisco Glicério, em Santos. “Eu acabei indo pra rua por causa do desemprego. Há quase dez anos não sei o que é carteira assinada”, afirma.


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Assim como outras pessoas nas mesmas condições, Pereira já é uma presença permanente nos semáforos mais movimentados da Cidade. As histórias são semelhantes. Por causa de problemas que tiveram com a família ou com drogas e pela falta de oportunidades, o trabalho precário, vendendo doces e limpando para-brisas, ou simplesmente pedindo alguns trocados, representa uma saída possível.


O sacrifício, nesses casos, costuma ser inevitável. Lucas Pereira conta que é “como se fosse uma guerra”. Trabalha de segunda a sexta-feira, das 7 às 19 horas, embaixo de sol ou chuva. “Não paro para almoçar, e olhe lá se eu tomar água. É uma correria diária. Trabalho quase todo dia. Só sábado e domingo que não, porque o movimento fica fraco, e não dá para vender nada”.


Pereira trabalhava na construção de um pedágio, em Pará de Minas, no interior mineiro. “Convivi com as drogas. Desempregado, cabeça cheia, vivia brigando com minha mãe e familiares”. Em Santos, “não queria ficar fuçando o lixo”, e por isso preferiu vender doce em semáforo.


O lucro é de cerca de R$ 30,00 em cada caixa de paçoca que vende. No entanto, ele se sente desrespeitado, muitas vezes. “As pessoas fecham o vidro quando fecha o sinal, com medo de serem assaltadas. Elas acabam te discriminando, generalizando. O País tá violento, e as pessoas ficam com medo. Ninguém te respeita”. Pereira diz que também tem quem o ajude com doações de cesta básica e roupas, além de caixinhas, mesmo sem comprar nada.


Vindo de Campinas (SP), o pintor Alex Felix de Souza, de 25 anos, chegou a Santos para tentar uma nova vida. “Tive uns problemas de família. Fui menosprezado. Eles só me procuram quando querem. Vim tentar minha sorte aqui”.


Depois de cerca de três dias e quatro noites de viagem — a pé, segundo ele —, com algumas roupas e poucos objetos, Souza começou a pedir moedas nos semáforos para poder se alimentar, enquanto tentava recomeçar a vida na Cidade. Aqui, a recepção nem sempre é boa. “Dá até para faturar um pouco, mas muita gente fecha o vidro na nossa cara, nos despreza. Mas algumas pessoas ainda têm um bom coração e ajudam”, conta Souza.


Sobrevivência

O ambulante Felipe Miranda de Sá tem 23 anos e trabalha em semáforos desde os 17. Ele também é garçom em eventos.


“Trabalho de segunda a sábado, e até domingo, agora, porque no final de ano tenho que fazer dinheiro”, diz ele. “Geralmente, chego às 9 da manhã no farol e vou embora às 18”.


Miranda diz que não faz menos de R$ 190,00 em um dia bom. “Mas eu faço esse valor, também, porque sou bem conhecido pela região da praia. Então, tenho bastante freguesia”, conta.


Ele também diz que, várias vezes, foi surpreendido com gestos de solidariedade. “Sempre ganho cesta básica, uma caixinha boa aqui e ali. Já ganhei um bom dinheiro no Pix também. Há aquelas pessoas ignorantes de sempre, mas eu nem ligo. Ainda desejo um ótimo dia”.


Felipe Miranda trabalha todos os dias da semana no período de fim de ano
Felipe Miranda trabalha todos os dias da semana no período de fim de ano   Foto: Daniel Rodrigues

Projeto social

O ex-motorista de ônibus Reginaldo Albuquerque Bispo, de 42 anos, pede doações nos semáforos para ajudar em seu projeto social, que consiste em levar marmita a quem mora na rua, condição que ele próprio declara já ter enfrentado. Em troca, dá sacolas de lixo para carros.


“Eu sei do sofrimento. Então, quis fazer um projeto para ajudar essas pessoas”, afirma.


O projeto, que se chama Resgatando Vidas, foi criado em 2018 e conta com dez voluntários.


Os integrantes se dividem em grupos, em que uma parte faz a comida e a outra pede doações nos semáforos. Eles conseguem distribuir uma média de 100 marmitas durante a noite.


“Aceitamos qualquer valor, qualquer moeda. Já ajuda nas entregas das marmitas”, relata Bispo, que fica todos os dias nos semáforos e só vai embora quando as sacolas acabam.


*Reportagem feita como parte do projeto Laboratório de Notícias A Tribuna - UniSantos, sob supervisão do professor Eduardo Cavalcanti e do diretor de Conteúdo do Grupo Tribuna, Alexandre Lopes


Reginaldo Bispo mantém um projeto social com as contribuições que consegue nos semáforos
Reginaldo Bispo mantém um projeto social com as contribuições que consegue nos semáforos   Foto: Mariana Pinho

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