Crianças milagreiras têm menos visitas no Cemitério Areia Branca em Santos

Visitação tradicional às campas de Onofre Gonçalves, Dulcinéia de Souza e Condília Santos começa a cair no esquecimento

Por: Ana Beatriz Manso e Igor Castro*  -  02/11/22  -  08:48
Atualizado em 07/11/22 - 16:18
Campas de Onofre Gonçalves, Dulcinéia de Souza e Condília Santos ficam no Cemitério Areia Branca
Campas de Onofre Gonçalves, Dulcinéia de Souza e Condília Santos ficam no Cemitério Areia Branca   Foto: Ana Beatriz Manso/Unisantos

Durante anos, no Cemitério da Areia Branca, em Santos, as campas de Onofre Gonçalves, Dulcinéia de Souza e Condília Maria Rosa Santos, três crianças consideradas milagreiras, atraíram inúmeros fiéis. Hoje, essa tradição começa a cair no esquecimento. “Elas não recebem muitas visitas, como antigamente. Os idosos estão levando sua devoção para o túmulo, e não passando para os mais novos. É uma mudança de geração”, afirma Bento da Silva Filho, coordenador dos Cemitérios de Santos.


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A visitação às campas do menino Onofre e das meninas Dulcinéia e Condília, que ocorre em geral às segundas-feiras e no Dia de Finados, já vinha em baixa e diminuiu ainda mais, por conta da pandemia. “Os frequentadores eram os idosos, e por conta do risco de saúde, não puderam mais vir com tanta frequência”. Para o coordenador, essa é também uma questão geracional. “Os jovens não se interessam em ir aos cemitérios”.


Milagre de Onofre

Vânia Mota Vieira acredita que, há sete anos, o menino Onofre operou um milagre. O bebê de uma amiga dela estava com pneumonia. Os médicos passaram medicação, mas não havia dinheiro para custear o tratamento.


Ela foi até o Areia Branca e pediu para Onofre curar a criança. Dois dias após o pedido, o bebê estava bem, segundo ela. “Foi um milagre, porque ele estava ruim, com uma febre que não cedia”, conta. Depois disso, ela foi até o cemitério e deixou um carrinho, além de doces, velas e agradecimentos. “De lá para cá, ele nunca mais ficou doente, nem com gripe. Sei que foi o menino Onofre que ajudou na cura”.


Falta de registros

Existem poucos registros das crianças, mas Bento encontrou algumas informações em um depósito no Cemitério da Areia Branca. Onofre Gonçalves, por exemplo, nasceu em 21 de novembro de 1950 e morreu em 24 de abril de 1956, vítima de meningite, na Santa Casa.


Condília Maria Rosa Santos nasceu no São Jorge, também na Zona Noroeste, e morreu em 11 de setembro de 1961, com 7 anos. De acordo com a crença, ela teria previsto que morreria no prazo de três dias. Já sobre Dulcinéia de Souza, o que se sabe é que ela morreu em 1971. Assim como Onofre, as duas meninas possuem campas perpétuas na Areia Branca.


A falta de registros, misturada às histórias que passam de boca em boca, criou uma mística em torno das crianças. Não se sabe ao certo como elas foram consideradas milagreiras, mas Bento acredita que, por terem morrido com pouca idade, são vistas como anjinhos, ou seja, teriam uma ligação mais próxima com Deus. “Quando o primeiro milagre aconteceu, as crianças ganharam esse título de milagreiras”.


Visitação tradicional às campas de Onofre Gonçalves, Dulcinéia de Souza e Condília Santos começa a cair no esquecimento
Visitação tradicional às campas de Onofre Gonçalves, Dulcinéia de Souza e Condília Santos começa a cair no esquecimento   Foto: Matheus Tagé/AT

O coordenador quer ir em busca de registros para recuperar a história das três crianças, que está se perdendo. Ele planeja colocar um totem na frente das campas para que o público tenha acesso à história dos milagreiros.


Assim como ele, Sizinio Barbosa, 52 anos, que trabalha como sepultador há cinco anos no Areia Branca, também tem a preocupação de manter a história viva. Conversando com funcionários mais antigos do cemitério e pesquisando na internet, também constatou a escassez de registros sobre as três crianças. Que, aliás, anda lado a lado com a quantidade de visitantes.


“É justamente nessa época (de Finados) que a gente escuta mais perguntas sobre as crianças. Então, muita gente visita só pra ver do que se trata, e não por ter alguma devoção”. E acrescenta: “Antigamente, as pessoas buscavam primeiro o santo, e depois tentavam achar um médico, quando tinham algum problema de saúde. Hoje é o contrário”.


Pagadores de promessa

Apesar da visitação ter diminuído, Sizinio Barbosa conta que há quem cumpra promessas feitas às crianças. Há alguns anos, uma mulher levou à campa do menino Onofre um caderno que guardava desde a primeira série. A mãe dela prometeu que, se a filha passasse de ano, levaria um livro em agradecimento. Depois de várias décadas, a promessa foi, finalmente, cumprida.


Beatificação

A história das crianças milagreiras do Areia Branca ganhou atualidade com a recente beatificação da cearense Benigna da Silva, morta aos 13 anos, a facadas, em 1941, após reagir a uma tentativa de violência sexual. Para a Igreja Católica, ela é considerada um mártir, que fez um sacrifício em nome de Deus. Um integrante da Ordem Franciscana Secular da Baixada Santista, que preferiu não se identificar, descarta um processo semelhante envolvendo as três crianças.


Ele explica que, para a beatificação acontecer, é necessário um processo bastante rigoroso, baseado em fatos documentados. “Precisa de uma investigação muito apurada sobre a vida do candidato, que comprove suas práticas”, explica. Ele diz que as ações atribuídas aos milagreiros não são ratificadas pela Igreja por falta de comprovação. Os feitos seriam mais “crendices populares”, segundo ele, sem respaldo documental.


(*) Reportagem feita como parte do projeto Laboratório de Notícias A Tribuna - UniSantos, sob supervisão do professor Eduardo Cavalcante e do diretor de Conteúdo do Grupo Tribuna, Alexandre Lopes.


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