
Com investimento de 7,1 bilhões de euros, construção do túnel Fehmarnbelt entre Dinamarca e Alemanha impressionou autoridades do Brasil (Maurício Martins)
Enquanto a construção do maior túnel imerso do mundo ocupa uma área de 1,5 milhão de metros quadrados (m²) ou mais de 200 campos de futebol, na Dinamarca, a futura ligação seca entre Santos e Guarujá ainda não tem espaço definido para abrigar o canteiro de obras. Embora em escala menor, o túnel brasileiro utilizará a mesma metodologia construtiva aplicada na Europa.
O túnel Fehmarnbelt, que ligará a Dinamarca à Alemanha, começou a ser erguido em 2020 e deve ser finalizado em 2029. Do lado dinamarquês, os trabalhos avançam sobre um extenso terreno em Rødbyhavn, onde é realizada a produção de 79 gigantescos elementos de concreto — com mais de 70 mil toneladas cada — que serão imersos futuramente para formar a ligação de 18 quilômetros sob o Mar Báltico. A operação é conduzida pela estatal Femern, criada exclusivamente para executar e gerenciar a obra.
No Brasil, a situação é outra. O túnel Santos-Guarujá, com 1,5 km de extensão (sendo 870 metros submersos), ainda não tem área reservada para a construção dos módulos. Segundo nota da Secretaria Estadual de Parcerias em Investimentos (SPI) para A Tribuna, “a definição do local do canteiro de obras será de responsabilidade da futura concessionária, a ser contratada após o leilão previsto para 1º de agosto”.

Maior parte do trabalho de construção do túnel europeu se dará na Dinamarca, mas também haverá serviços em solo alemão (Maurício Martins)
Entre dúvidas e aprendizados
A ausência de definição sobre o local do canteiro de obras alerta as autoridades locais, que fizeram uma viagem técnica à Europa para acompanhar de perto os modelos de engenharia utilizados em projetos semelhantes. A missão visitou as obras do túnel Fehmarnbelt e a ponte-túnel de Øresund, que conecta Copenhague a Malmö, na Suécia. O objetivo foi observar os desafios da execução e os impactos urbanísticos e operacionais.
“Como vamos fazer o canteiro lá na Baixada Santista, esse é justamente um dos principais motivos dessa viagem: olhar a desembocadura, a entrada, o portão do túnel para a implantação na área urbana, toda movimentação de equipamentos”, afirmou o prefeito de Santos, Rogério Santos (Republicanos), que integrou a comitiva brasileira. “Tudo isso vai ser planejado. Existem já terrenos levantados pelos governos do Estado e Federal. Mas realmente é uma situação bastante complexa”.
O deputado federal Paulo Alexandre Barbosa (PSDB) reforça que a obra exige um canteiro expressivo: “São os desafios da obra. Os módulos são fabricados fora da água e depois imersos. O segredo para que essa obra aconteça é a união de todos os atores envolvidos: governos Federal, Estadual, Judiciário e prefeituras”.
Para o superintendente de Desenvolvimento de Infraestrutura da Autoridade Portuária de Santos (APS), Luiz Felipe Tonelli Távora, conhecer a obra dinamarquesa foi essencial.
“A metodologia construtiva é muito semelhante à que será usada na nossa região. É uma obra muito organizada, com etapas consolidadas e módulos muito bem definidos. A obra ainda está na parte seca na Dinamarca e a parte mais desafiadora é a área molhada, porque tem a questão do transporte das peças, que são pesadas. Vamos ter que utilizar a mesma tecnologia em Santos”.
Missão técnica
A viagem à Europa foi organizada pelas frentes parlamentares da Ligação Seca Santos-Guarujá e de Portos e Aeroportos da Câmara dos Deputados, com apoio do Instituto Brasileiro de Infraestrutura (IBI).
A comitiva brasileira, com mais de 40 lideranças, também visitou a ponte-túnel de Øresund, que conecta a Dinamarca à Suécia com uma combinação de ponte estaiada, ilha artificial e túnel submerso.

Previsão é que trabalhos do Fehmarnbelt estejam concluídos em 2029 (Maurício Martins)
Compromisso
A viagem também serviu para reforçar o compromisso político com o avanço da obra.“A gente começa a sonhar com as coisas acontecendo de fato”, disse o deputado federal Paulo Alexandre Barbosa (PSDB). “Temos que aprender com quem está na nossa frente. Nosso túnel será menor, mas é fundamental que a gente aprenda com os exemplos para evitar contratempos”.
Confiante após a visita, o prefeito Rogério Santos (Republicanos) acredita que o túnel é uma realidade. “É o primeiro túnel imerso do Brasil. Tinha que ser em Santos, que dá tantos exemplos. Não é fácil, mas é o maior investimento do PAC, vai gerar muito emprego e melhorar a vida das pessoas”.
O vice-governador de São Paulo, Felício Ramuth (PSD), reiterou que o projeto está bem encaminhado: “A previsão é que o leilão ocorra em 1º de agosto, com assinatura dos contratos até o fim do ano. Em cinco anos, o túnel estará pronto”, disse. “O Estado está na direção certa escolhendo essa tecnologia de túnel”. Segundo ele, a obra pode envolver até 9 mil trabalhadores, com mão de obra especializada e geral. “São quase R$ 6 bilhões de investimentos. Já temos grupos interessados e, a partir de agosto, teremos o cronograma exato para transformar esse sonho em realidade.”

Lado alemão do túnel: comitiva viu desafios do serviço desenvolvido (Maurício Martins)
Estrutura pode impulsionar o desenvolvimento regional
Mais do que uma obra de engenharia, o futuro túnel Santos-Guarujá pode ajudar no desenvolvimento econômico, integração urbana e transformação regional. Essa é a percepção de especialistas e autoridades que participaram da missão técnica às obras do túnel Fehmarnbelt, entre Dinamarca e Alemanha, e à ponte-túnel Øresund, que liga a Dinamarca à Suécia.
O presidente do Instituto Brasileiro de Infraestrutura (IBI), Mário Povia, ressalta que o Brasil vai adotar a mesma metodologia do túnel europeu. “Aqui são 18 quilômetros, lá será em torno de um. Em termos de tecnologia, é fantástico o que vimos. O modelo de canteiro, a eficiência, tudo isso devemos aproveitar”.
Segundo ele, o principal desafio brasileiro será logístico. “A gente não pode parar o Porto. Trocar o pneu com o carro andando talvez seja a principal diferença em relação à Europa. Mas a visita permitiu que gestores das três esferas pudessem ver de perto como uma obra dessas é conduzida”.
Além do impacto direto na mobilidade, o túnel tem potencial para catalisar novas vocações econômicas. Pedro Henrique Jocondo Guerra, chefe de gabinete do vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB) e presidente do Conselho Fiscal do BNDES, destaca que projetos como esse impulsionam o turismo, o comércio, a inovação e o empreendedorismo.
“Eles (na Europa) são referência na integração dos modais. Santos está sendo pioneira no Brasil com essa tecnologia da ligação seca. O túnel pode atrair empresas, movimentar estudantes, fomentar investimentos e gerar um ambiente mais dinâmico e conectado”, afirmou.
Alta tecnologia
Na avaliação de Marcelo Sammarco, vice-presidente do IBI, o impacto da obra vai além da mobilidade: “O túnel é um projeto de alta tecnologia que revolucionar a logística local (Alemanha-Dinamarca) e pode ser aproveitado no Brasil. E ponte entre Dinamarca e Suécia integra passageiros e cargas de forma eficiente. Essa experiência pode ser aproveitada em diversos projetos no Brasil”.
Para o empresário Sávio Leal, diretor da Terracom, a visita técnica serviu para entender a complexidade do empreendimento e os desafios da manutenção. “Não é só executar a obra, depois é preciso acompanhar. Foi uma oportunidade de ver como funciona na prática”.
O túnel terá 1,5 km de extensão, três faixas por sentido (uma adaptável ao VLT), ciclovia e passagem de pedestres. Com investimento previsto de R$ 6 bilhões, a concessão de 30 anos prevê a geração de 9 mil empregos e a substituição do atual sistema de balsas, responsável pelo deslocamento diário de mais de 35 mil pessoas entre Santos e Guarujá.
A ligação seca é aguardada há décadas e pode ser o ponto de partida para uma nova fase de crescimento sustentável e inteligente na Baixada Santista.