
"Até ontem tinha gente em Santos dizendo que o Porto tinha capacidade. Pegue o jornal e veja quem era, porque esses caras são os culpados”, afirma Patricio Junior (Vanessa Rodrigues/AT)
Patricio Junior é diretor de investimentos da Terminal Investment Limited (TiL), uma das maiores operadoras de terminais de contêineres do mundo. A empresa, que pertence à MSC e a fundos de investimentos internacionais, tem sede em Genebra, na Suíça, onde ele mora atualmente. No País, a TiL controla o terminal Portonave, em Santa Catarina, e tem participação na Brasil Terminal Portuário (BTP), em Santos, e no terminal MultiRio, no Porto do Rio de Janeiro. Aos 63 anos de idade e há mais de 40 anos no setor portuário, Patricio Junior se tornou uma das maiores lideranças da área. Oficial de Marinha Mercante e com a firmeza de quem já comandou navios e diversas empresas no Brasil e no exterior, ele faz críticas à falta de investimentos necessários à infraestrutura brasileira e ao atraso para se aumentar a capacidade dos portos, principalmente o de Santos, maior do Brasil. Leia a seguir a entrevista que Patricio Junior deu para A Tribuna na semana passada, quando esteve no Brasil.
Como você compara a infraestrutura do setor portuário no Brasil em relação ao resto do mundo?
Cada país tem um jeito e um momento de olhar o negócio. Até o ano passado a gente não tinha terminal no México, aí compramos um em Altamira. Fizemos também uma proposta para a Hutchison, que tem quatro terminais lá. Pessoas do governo mexicano pediram para investirmos mais ainda no México. É a visão de ter o dinheiro estrangeiro cada vez mais aplicado em infraestrutura, porque não existe país desenvolvido, com economia forte, sem infraestrutura. O Brasil está passando por um momento meio complicado, de necessidade de infraestrutura, vontade de investidores para investir, mas, por visões de negócios diferentes, possibilidades de investimento têm sido retardadas.
Mas não foi sempre assim? A tomada de decisão política no Brasil costuma ser demorada...
Mas estamos crescendo cada vez mais, a população aumentou. Sempre se demorou para tomar alguma decisão, a parte política é um pouco mais complicada, mas a gente foi crescendo. O Brasil é um país grande, com economia forte. Há diferença entre onde a gente está e onde poderíamos estar. Como se evita isso? Com planejamento.
Poderia dar um exemplo da falta de planejamento?
Tem quatro, cinco anos que eu venho falando sobre a falta de capacidade em Santos. Hoje é uma realidade, mas não era. Se a gente tivesse dado uma olhada melhor para o futuro, não estaríamos passando por esse problema. Agora o governo decidiu fazer a licitação do terminal STS10, o Tecon Santos 10. Vai sair daqui a uns três anos. A licitação é em dezembro, para ser anunciado o vencedor em fevereiro de 2026. Um SKS, um guindaste de grande porte (para operar no terminal), demora dois anos para ser entregue, fevereiro de 2028. Só que em três anos, vai crescer mais de 10%, 15% (o volume de cargas). Se hoje a gente já roda na ineficiência, porque está tudo cheio, estaremos em uma situação pior. Então, esse novo terminal, ainda que seja para 3 milhões de TEU (unidade de medida de um contêiner padrão), vai ficar praticamente cheio. Os outros, que estarão com 100% (da capacidade ocupada), vão ter que baixar para 80% para ter eficiência, o que vai encher esse novo.
Qual é a solução para o Porto de Santos?
É começar hoje a discutir o próximo (terminal). Aí você planeja com antecedência. Eu posso te dizer, porque a gente já deu uma olhada, que são várias as possibilidades de investimentos em Santos. Tem alguns projetos que estão sendo anunciados, muita coisa que tem que ser trabalhada. São projetos que vão sair entre cinco e dez anos se a gente começar a levar isso a sério hoje. Porque 40% da indústria brasileira é em São Paulo. Isso tudo venho falando há anos. Se o governo não fizer um projeto para levar a industrialização para o Norte e Nordeste, que têm uma capacidade grande, a gente vai ter sempre um gargalo, um problema sério. Temos que forçar o Brasil a planejar.
E como fazer isso?
Precisamos de planejamento de Estado. Aí, independentemente de Bolsonaro ou Lula, vai ter que ser seguido, porque é para o País. Então, falta de planejamento de Estado é o nosso maior problema. Hoje estão falando da terceira pista (da Rodovia dos Imigrantes) para Santos. Deveríamos estar falando da quarta e da quinta, porque a terceira já está lotada. Quando você acabar a terceira, daqui a três, quatro anos, vai ter alívio? Não vai ter. Até quando a gente vai continuar falando a mesma coisa e ninguém dá ouvido? Até ontem tinha meia dúzia de gente em Santos dizendo que o Porto tinha capacidade. Pegue o jornal e veja quem era, porque esses caras são os culpados. São os que estavam falando que não precisava e agora que está precisando. Agora mudou, né? Existem autoridades portuárias que estão declarando que tem excesso de dinheiro em caixa. Autoridade portuária não é para ter excesso de dinheiro em caixa, ela pega o dinheiro e investe. E se der mais dinheiro, investe de novo. Porque essa é a finalidade, não é gerar receita. Investe, porque nós estamos precisando de infraestrutura.
Como você analisa a questão concorrencial do Tecon Santos 10? Acha que o leilão deve ser aberto para todos ou deve ter restrições?
Se você perguntar para os exportadores se eles estão preocupados com verticalização, eles não sabem nem o que é isso. Eles querem que a carga chegue no tempo e com um bom preço. Não estão preocupados se é MSC, Maersk, CGM. Agora, você não tem nada disso se não tiver capacidade, porque cria uma ineficiência. Você não vai ter um preço baixo, porque a falta de espaço cria o preço maior. O que é interesse público? Preço baixo com eficiência ou preço alto com ineficiência? Alguém ganha nessa ineficiência e preços altos. O Brasil tem um dos melhores órgãos de competição do mundo, chamado Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica). Cabe a ele dizer (se deve ter restrição ou não), eu confio no órgão. Confio na Antaq (Agência Nacional de Transportes Aquaviários). Nós temos bons órgãos, temos que deixá-los trabalhar, cada um na sua função. Eu, enquanto investidor e brasileiro, quero que haja uma competição onde todos possam competir sem restrição. O brasileiro continua interferindo no mercado, não é assim que equilibra o mercado, não é assim que aumenta a competitividade. Se você abrir para 15, eles vão brigar até o final e o governo vai ganhar mais.

"Pagamos impostos para ter infraestrutura. Agora falta? O que essas pessoas andaram fazendo nos últimos cinco anos?", questiona Patricio Junior (Vanessa Rodrigues/AT)
Ainda em relação ao Tecon Santos 10, temos o problema dos acessos com a ampliação da movimentação. Os novos acessos precisam ser feitos pela empresa que ganhar a licitação ou pelo governo?
Nos últimos anos houve inauguração de vários terminais que demandam caminhões e nunca se falou isso. O problema sempre teve. Então, você vem criando terminais e não atualizando a infraestrutura. Agora, quem entra no terminal vai ser responsável por tudo de ruim que acontece? Um terminal desse vai movimentar até 5 mil caminhões no pico, estou falando daqui a 5 anos. Estou dando ao governo eleito ou ao próximo 5 anos para fazer alguma coisa. Estão projetando ter um terminal de passageiros do lado. Quem ganhar a concessão vai ter que pagar a construção. E quer que pague as vias? A gente está perdendo a noção. O terminal de contêineres é um negócio. Se você encarecer isso, quem é que vai pagar o preço? É você, sou eu, quando a gente for ao supermercado. Porque tudo é repassado. Pagamos impostos para ter infraestrutura. Agora falta? O que essas pessoas andaram fazendo nos últimos cinco anos?
Tramita na Câmara dos Deputados um projeto para a mudança do marco legal dos portos. O que pensa disso?
Sou investidor, tudo que puder fazer para atrair mais capital estrangeiro é bom. Mas temos que pensar no trabalhador também. Agora, trabalhador é você, sou eu, não é só um sindicato. Então, o interesse de todos tem que ser visto. Tem que ter uma mesa de negociação, porque cada um vai puxar para um lado. O projeto tem pontos bons e outros que precisam ser negociados. Acredito que a gente tem uma oportunidade de melhorar um sistema para que haja mais emprego e mais condições de investimento.
Mas o projeto de lei que começou a tramitar, é bom ou é ruim? Qual sua opinião?
Eu acho que tem coisas boas e ruins. Por exemplo? Eu acho bom a possibilidade de aumentar o tempo da concessão. Porque investimento em infraestrutura não é algo que você faz hoje e amanhã você está coletando dividendos. Você faz um investimento e, às vezes, demora de dez a 15 anos para ver a cor do dinheiro, sendo que daqui até lá você já está todo endividado. É um bom negócio? É, senão a gente não estaria nele. Mas existem coisas - que eu não vou te dizer quais são - que não são muito boas, mas podem ser para os outros. Mas eu já te falei uma coisa que é boa, e isso eu defendo, que quanto maior for o tempo, mais eu posso continuar a planejar e investir, pois nada é de graça.
Assuntos relacionados