Ministro do STJ usa coronavírus para justificar soltura de preso

Beneficiado responde a processo pelo crime de posse ilegal de munições e acessórios de arma de fogo de uso restrito, sendo reincidente

Por: Eduardo Velozo Fuccia  -  25/03/20  -  09:13
Advogado João Carlos de Jesus Nogueira
Advogado João Carlos de Jesus Nogueira   Foto: Divulgação

A pandemia do novo coronavírus foi mencionada pelo ministro Rogério Schietti Cruz, da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), para embasar decisão sua que determinou a soltura de um homem recolhido no sistema prisional paulista.


“A excepcionalidade momentânea impõe intervenções e atitudes mais ousadas das autoridades, inclusive do Poder Judiciário”, justificou. Segundo ele, salvo necessidade inevitável da prisão, o exame da sua manutenção “deve ser feito com outro olhar”.


O beneficiado responde a processo pelo crime de posse ilegal de munições e acessórios de arma de fogo de uso restrito, sendo reincidente específico, porque já foi condenado, em decisão definitiva, por violação ao Estatuto do Desarmamento.


O ministro decidiu na segunda-feira (23), ao apreciar habeas corpus com pedido liminar. Na mesma data, a Secretaria da Administração Penitenciária (SAP) de São Paulo confirmou o primeiro caso de Covid-19 no sistema prisional do estado.


O infectado trata-se de um funcionário do setor administrativo do Centro de Detenção Provisória (CDP) de Praia Grande. Ele não tem contato direto com os presos, segundo a SAP. Desde sábado (21), o servidor está em casa cumprindo quarentena e passa bem.


Flagrante


O comerciante Valdinei Queiroz foi preso em flagrante com base no Estatuto do Desarmamento, porque policiais civis apreenderam em sua residência, no dia 13 de dezembro de 2019, munições e acessórios de arma de fogo de uso restrito.


A casa fica em Ferraz de Vasconcelos, na Região Metropolitana de São Paulo. Munidos de mandado de busca e apreensão, policiais a revistaram durante investigação de homicídio e acharam o material ilícito, que resultou na prisão em flagrante de Valdinei.


Os agentes recolheram no imóvel duas réplicas de pistola, silenciador, granada de luz e som, partes de arma de fogo verdadeira, carregador de pistola e diversas munições dos calibres 9 milímetros, 7.62 e ponto 40. Elas servem para pistola, fuzil e submetralhadora.


Autuado por posse ilegal de munição e acessórios de uso restrito, o acusado teve a prisão em flagrante convertida em preventiva. Recolhido ao CDP de Suzano, cidade vizinha a Ferraz de Vasconcelos, Valdinei agora poderá responder à ação penal em liberdade.


Habeas corpus


Inicialmente, por meio da advogada Aline Gonçalves Gama, o comerciante impetrou habeas corpus ao Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP). Porém, a sua pretensão foi negada por unanimidade pela 5ª Câmara de Direito Criminal, no dia 13 de fevereiro.


Conforme o relator Damião Cogan, a prisão cautelar deve ser mantida “pela necessidade de garantia da ordem pública, profundamente afetada”. Também participaram do julgamento do habeas corpus os desembargadores Geraldo Wohlers e Tristão Ribeiro.


Valdinei constituiu outro advogado, João Carlos de Jesus Nogueira, que impetrou novo habeas corpus, com pedido liminar, desta vez, perante o STJ. Em decisão monocrática (individual), Rogério Schietti Cruz determinou a soltura do réu.


Para o ministro, a prisão não se mostra necessária, “em juízo de proporcionalidade”, por não haver violência ou grave ameaça no suposto crime, “bem como ante a crise mundial do coronavírus e, especialmente, a iminente gravidade do quadro nacional”.


Sob pena de ter a preventiva novamente decretada, o acusado está proibido de se ausentar da comarca sem prévia autorização judicial e deve se recolher em casa durante o período noturno, conforme Schietti lhe advertiu na liminar.


PCC ordenou 'enxurrada de pedidos', afirma promotor


Promotor Lincoln Gakiya
Promotor Lincoln Gakiya   Foto: Divulgação

Promotor do Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado (Gaeco) e das Execuções Criminais na Região Oeste do Estado, Lincoln Gakiya disse que o Primeiro Comando da Capital (PCC) emitiu um “salve” (ordem) para os seus membros promoverem uma “enxurrada de pedidos” valendo-se da pandemia da Covid-19.


“Não comentarei essa decisão específica do STJ, que tomo conhecimento agora. Mas decisões como esta estimulam o crime organizado a usar a tragédia do coronavírus para criar o caos. É um absurdo”, declarou o promotor. Ele também pondera que a liberdade dos presos, a pretexto de protegê-los, não garante que não sejam infectados.


Responsável pelas execuções criminais em 45 unidades prisionais, que abrigam cerca de 80 mil detentos, Gakyia informou que, devido à pandemia, os presos reivindicam “toda sorte de benefícios”, como livramento condicional, progressão de regime, prisão domiciliar e liberdade provisória.


'Preservar vidas é a prioridade de todos', diz criminalista


“Não se trata de uma questão regional ou meramente brasileira, estamos diante de uma pandemia mundial sem precedentes. Neste contexto, preservar vidas passa a ser a prioridade de todos e um dever de qualquer autoridade, especialmente as judiciárias”, opinou o advogado criminalista James Walker Júnior.


Presidente da Associação Nacional da Advocacia Criminal (Anacrim), James Walker acrescentou que a decisão do ministro Rogério Schietti Cruz não significa “impunidade”, porque passada a pandemia pode-se, inclusive, restabelecer prisões que, neste momento, foram substituídas por domiciliares ou até revogadas.


“O que não se pode restabelecer é a vida dos que ficam expostos e vulneráveis em um sistema prisional que já foi declarado inconstitucional pela Suprema Corte, justamente por seu estado de insalubridade e superlotação. Alguns setores da sociedade, mais conservadores e punitivistas, desprezam a vida alheia” concluiu o criminalista.


Advogado criminalista James Walker Júnior opinou sobre o caso
Advogado criminalista James Walker Júnior opinou sobre o caso   Foto: Divulgação

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