
Após complicações no parto, Denyse perdeu o útero e a filha está em estado vegetativo em hospital de Santos ( Foto: Vanessa Rodrigues/AT - Arquivo Pessoal )
“Ouvi que o meu útero era fraco”, esse é o relato de Denyse Alves Gouveia Ribeiro, de 26 anos, cuja filha nasceu morta e precisou ser reanimada. A mãe ainda perdeu o útero, as trompas e os ovários após o parto realizado no Complexo Hospitalar dos Estivadores, em Santos. Mas esse não é o único caso de complicação em parto e/ou gestação na unidade de saúde municipal santista. Procurada por Denyse, A Tribuna começou a apurar a história dela e teve acesso a mais relatos - inclusive registrados em boletins de ocorrência - de mulheres com tristes histórias de gravidez relacionadas ao Hospital dos Estivadores. Esta é a primeira matéria com os casos levantados por A Tribuna, como você verá nos próximos dias.
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Voltemos ao relato. Helena Vitória Gouveia Ribeiro praticamente morreu durante o trabalho de parto, enquanto a equipe médica realizava uma extração "a vácuo". Após 14 minutos morta e uma cesariana de emergência, ela voltou à vida. Entretanto, a menina, que está internada há sete meses, vai carregar sequelas e o diagnóstico de que viverá "em estado vegetativo".
Em entrevista para A Tribuna na noite desta quarta-feira (29), Denyse abriu o seu coração e relembrou os momentos do sonho que se frustrou.
Histórico
Após uma gestação tranquila, com 41 semanas e dois dias (9 meses), acompanhados em pré-natal pelo Sistema Único de Saúde (SUS), Denyse deu entrada no Hospital dos Estivadores na manhã do dia 4 de maio. Ela ainda não estava em trabalho de parto, mas, devido à fase gestacional avançada, foi até a maternidade. “Um dia antes, eu tinha feito um ultrassom, estava tudo normal com ela. Estava perfeita. Não tinha nada”.
Naquele mesmo dia, Denyse foi internada para induzir o parto, entretanto a indução começou apenas no dia seguinte, em 5 de maio. “Eu não tinha dilatação, eu não tinha contração, eu não sentia nada”, conta.
A indução durou todo o dia 5 e até a manhã do dia 6, quando aumentaram a dose de ocitocina e Denyse começou a ter dilatação, entrando em trabalho de parto. “Eu estava com sete centímetros de dilatação e fui para a sala de parto. (...) A bolsa estourou e totalizaram os 10 centímetros de dilatação necessários para o parto. (...) Eu comecei a fazer muita força, eu fiquei na banqueta, fiquei de quatro apoios, de pé. Eu fiquei de todas as posições possíveis fazendo força (para trazer Helena ao mundo)”, lembra.
Denyse acrescenta que tinha um plano de parto (documento que deixa registradas as vontades da gestante para o momento) e também havia contratado uma equipe para filmar. Segundo ela, o plano não foi seguido e nem teve os registros que solicitou.
Pelo plano de parto, o parto poderia ser de médio risco, pois Denyse já tinha passado por uma cesariana antes. Outros desejos, como música, também estavam descritos no plano. Denyse ainda conta que deixou fazer a episiotomia (corte no períneo para facilitar o parto vaginal) como opção em caso de necessidade e isso também não foi seguido. No documento, ainda havia a opção de cesariana, caso o parto natural não evoluísse.
Após três horas seguidas fazendo força para trazer a filha ao mundo, Denyse já não suportava a dor e não tinha mais forças. A menina chegou a "coroar" e ficar com a cabeça encaixada na vagina, entretanto não passou desse ponto e o parto não evoluiu.
“Eu tinha um plano de parto que não foi seguido. Nele, havia a opção cesárea e analgesia. E eu pedi tanto um quanto o outro, os dois foram negados”, explica.
Denyse ainda lembra que gritava de dor e que chegou a bater a cabeça na maca. Além disso, outras gestantes perceberam seu sofrimento e pediram intervenção médica, que não ocorreu.
Vácuo
Após horas tentando trazer a filha ao mundo via parto vaginal, um médico ofereceu o "parto a vácuo". Denyse explica que não tinha essa opção no plano de parto e que no pré-natal não explicaram o que isso significava. Porém, no auge da dor, aceitou.
*O vácuo é quando o médico coloca uma ventosa na cabeça do bebê para puxá-lo e auxiliar a mãe no parto natural
“Fui para uma sala do centro cirúrgico, deram uma anestesia local para conseguir fazer o vácuo. Era um médico puxando o vácuo, eu fazendo força e uma pessoa empurrando a minha barriga”, lembra.
Segundo Denyse, foram três tentativas. Ela ainda lembra o barulho do vácuo entrando e saindo dela. Na segunda tentativa, saiu sangue. Na terceira vez, o seu útero rompeu e a filha morreu. “Ela teve uma parada cardiorrespiratória ainda na barriga”.
Cesariana
Denyse, então, foi levada para uma cesariana de emergência. “Quando me abriram, eu estava com uma hemorragia muito intensa e a minha filha estava morta”, lembra.
Denyse diz que não tinha noção do que estava acontecendo e que a irmã, que a acompanhava, olhava assustada. Ela também não sabia que a filha tinha nascido morta e começou a se preocupar quando não ouviu o choro da bebê. “Eu perguntava: ‘Gente, cadê a minha filha?’ E ninguém me falava nada. Eu fui me dar conta da gravidade quando escutei dizerem para ligar para a Unidade de Terapia Intensiva (UTI). Quando ouvi isso, eu me dei conta de que algo tinha dado errado”.
A bebê, que nasceu sem vida, foi reanimada por 14 minutos. “Depois, o médico anestesista veio até mim, do meu lado, e falou assim: ‘Olha, algo deu errado. Você perdeu os ovários, o útero e as trompas”, conta.
O médico ainda disse que a bebê não tinha expectativa de vida e que poderia morrer a qualquer momento. “Eu não tive nenhum contato com a minha filha. Ela nasceu sem vida. Eu perdi meu útero, quase morri também. Mas eu não vi minha filha, eu não escutei um choro, não tive um toque...”, comenta, emocionada.
Após o parto, Denyse também foi para a UTI, onde ficou internada por dois dias. E, só depois, conseguiu ver a filha pela primeira vez.
A justificativa que deram é a de que teria ocorrido uma fatalidade e que seu útero era fraco. “Foi isso que eu escutei, que meu útero era frágil e que poderia ter acontecido na minha casa. (...) Então, no final de tudo, eu ainda escutei que a culpa era do meu corpo. É isso que eu ouvi no hospital”.

Helena Vitória está há quase sete meses internada após complicações no parto ( Foto: Arquivo Pessoal )
Paternidade
O pai de Helena, companheiro de Denyse, Gabriel Silva Ribeiro, de 28 anos, conta que na hora do parto estava esperando na recepção. “A minha cunhada desceu desesperada, não conseguia falar. Aí, eu tive que ir ver o que estava acontecendo. Quando eu subi, a bebezinha já estava indo para a UTI e a Denyse estava meio que em coma, não estava respondendo, ela estava sedada”, lembra.
Desde que a filha nasceu, eles têm passado por momentos difíceis. “Tenho que associar trabalho, hospital... É cansativo. Todos os dias são como uma segunda-feira. Tudo mudou completamente”.
Justiça
Denyse só teve forças para buscar suporte legal após seis meses do nascimento de Helena, e o boletim de ocorrência foi registrado no 4º Distrito Policial de Santos, no dia 17 de novembro, com auxílio do advogado criminalista Douglas Blum.
“No começo, eu não conseguia ter essa força. Eu me preparei, para então começar a luta, porque eu olho pra Helena e a vejo no casulo. Eu não posso estar no casulo, eu tenho que ser a borboleta do lado de fora. Então, hoje, eu consigo deixar a minha dor de lado, para me erguer e falar para ela todos os dias que vou lutar por justiça”, diz.
À reportagem de A Tribuna, o advogado disse que não pode afirmar que o caso foi de negligência médica ou violência obstétrica, mas que tudo será investigado. “As expectativas são de que a gente verifique exatamente o que aconteceu de maneira lógica e provada”, explica Blum.
Caso as investigações comprovem negligência ou violência, a luta é para que todos os envolvidos sejam responsabilizados para que outras mães não passem o que Denyse passou.

Família e advogado buscam esclarecimento sobre o ocorrido com Helena ( Foto: Avanoliveira_fotografia )
Posicionamento
Em nota, a assessoria do Instituto Oswaldo Cruz, responsável pela gestão do Hospital dos Estivadores, informou que "o complexo hospitalar é uma maternidade municipal, referência para gestações de alto risco e que o atendimento realizado pela equipe de médicos e enfermeiras obstetras e neonatologistas ocorreu durante todo o período em que a paciente se encontrou internada e seguiu as melhores práticas assistenciais e de segurança do paciente e da medicina baseada em evidência".
O instituto ainda disse que foram utilizados todos os recursos disponíveis, como a analgesia do parto, para abordagem do quadro clínico. E que "as cesáreas realizadas na instituição seguem as indicações técnicas (médicas), que consideram o risco do procedimento e as patologias envolvidas a cada caso, ou as indicações em respeito às regulamentações pertinentes".
“A família segue acolhida com os recursos hospitalares disponíveis para os cuidados à bebê e, de acordo com o perfil da instituição, em associação aos recursos do Sistema Único de Saúde e centrais de regulação municipal e estadual, assim como recebendo suporte de toda a equipe multiprofissional, incluindo todas as informações e esclarecimentos solicitados e necessários”.

Hospital diz que está dando todo suporte à família ( Foto: Vanessa Rodrigues/AT )
A Tribuna também acionou a Prefeitura de Santos, que informou que a Secretaria de Saúde, por meio da Seção de Contratos de Gestão, realizará a apuração dos fatos junto ao hospital e acompanhará o caso.
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