Vitor Castro diz que empresas aos poucos estão se adaptando aos direitos LGBTI+

Advogado e membro do Comitê Gestor do Fórum de Empresas e Direitos LGBTI+ foi entrevistado por A Tribuna

Por: Arminda Augusto  -  20/06/21  -  19:12
  Advogado diz que quando há equipe diversa na organização, a tendência é uma percepção maior sobre o tema na sociedade
Advogado diz que quando há equipe diversa na organização, a tendência é uma percepção maior sobre o tema na sociedade   Foto: Divulgação

Um movimento ainda silencioso começa a crescer dentro do universo corporativo: o das empresas que se associam às causas da diversidade e levam para dentro da corporação uma política de RH que contrata, inclui e valoriza colaboradores de todos os perfis. Foi com o objetivo de debater essas questões, trocar e absorver boas práticas da diversidade que nasceu, em 2013, o Fórum de Empresas e Direitos LGBTI+, atualmente com 113 empresas associadas. “Queremos empresas engajadas com a causa, que queiram fazer a diferença”, diz Vítor Castro, do Comitê Gestor do Fórum, que enxerga avanços nesse movimento, mas muitos obstáculos a vencer.


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A partir do momento em que uma empresa assina a Carta de Adesão ao Fórum e aos seus 10 compromissos, ela se compromete em realizar ações e focar esforços para elevar o nível de respeito dentro da sociedade em prol de pessoas LGBTI+. O objetivo do Fórum é contribuir não somente para um ambiente corporativo mais respeitoso, seguro e saudável mas, também, mobilizar a alta liderança das empresas a favor de um diálogo que tenha impacto positivo em toda a sociedade.


Por que criar um fórum de empresas com a causa LGBTI+?


Nós precisávamos de um espaço para que pudéssemos discutir como avançar com a pauta de direitos humanos LGBTI+. A promoção de direitos LGBTI+ é uma pauta de direitos humanos e que muitas vezes fica relegada. O percentual da população que assim se identifica ainda é pequeno. Sabemos que, muitas vezes, as causas dos grupos minorizados acabam não tendo eco se não há um espaço seguro e de discussão relevante. Eu chamo de grupos minorizados porque nem sempre grupos minorizados são grupos minoritários.


Entre os dez compromissos das empresas associadas ao fórum, está “sensibilizar e educar para os direitos LGBTI+”. Como se faz isso dentro de um universo corporativo?


Essa é a pergunta fundamental, a essência da discussão dentro do fórum e das empresas signatárias. As empresas que se associam ao fórum já têm uma discussão dentro da sua alta liderança, e essa é a condição para podermos fazer essa sensibilização e educação. Elas já entendem que, sem avançar nessa pauta, vão acabar ficando para trás.


E como é que se faz essa discussão?


Primeiro, tem que ter a conscientização firme da alta liderança, presidente, CEO, quem está na alta gestão da empresa. Além disso, precisamos ter o treinamento dos gestores. Um dos maiores problemas que vemos nas empresas está justamente nos gestores, que não estavam preparados para trabalhar com essa pauta e, então, não sabiam o que fazer, como agir e de que forma tornar o ambiente mais acolhedor. E assim você começa a demonstrar que algumas atitudes que eram tomadas no passado e ninguém via problema, agora começam a afastar os colaboradores.


Por exemplo...


Já vimos vários casos, por exemplo, de pessoas que não eram convidados para almoçar com os demais colegas. E por quê? Porque tinham se declarado já para alguns colegas, ou porque têm trejeitos, enfim, acabavam sendo discriminados, e também não se sentem confortáveis, acolhidos. Essas pessoas acabam ficando isoladas dentro da organização corporativa. Em outros casos mais graves, as pessoas sofrem tanto com isso a ponto de não poderem revelar sua orientação sexual e, então, deixar de incluir um parceiro ou parceira no plano de saúde.


Ou seja, direitos LGBTI+, já reconhecidos pela Justiça, acabam não sendo usados pelo fato de as pessoas não se sentirem confortáveis em revelar sua orientação dentro da empresa?


Exatamente. Existem leis que são muito bonitas mas, na prática, não são efetivadas por diversas outras circunstâncias.


Existe alguma pauta de grande relevância parada no Congresso Nacional à espera de apreciação?


Eu digo o seguinte: não há nenhuma que esteja avançando. Temos diversos projetos de lei que foram apresentados, de reconhecimento de direitos. O próprio casamento homoafetivo não avança. Temos apenas o reconhecimento do Supremo, mas não avança em termos de legislação. Não tivemos, nos últimos 30 anos, nenhuma pauta avançando no Congresso, apenas no STF. Mais recentemente, houve a questão da doação de sangue por parte de homossexuais.


Havia resistência.


Sim, havia um certo tabu, que vinha da época mais grave do HIV, quando não se conseguia fazer controle disso. Temos, então, algumas legislações que não avaliam o cenário atual e continuam sendo discriminatórias. O próprio reconhecimento da homotransfobia como crime se deu em 2019 pelo Supremo, a partir de pressão da sociedade civil, e só aconteceu porque houve o entendimento de que o Congresso estava sendo omisso. O Supremo textualmente disse que o Congresso se omitiu por mais de 30 anos nesse tema. É como se o Supremo estivesse dizendo: enquanto o Congresso não legislar, é preciso dar alguma proteção para esses grupos minorizados.


Como são os treinamentos dentro das empresas?


Um dos principais treinamentos é o de viés inconsciente. Todo mundo tem algum tipo de viés, embora nem todos consigam reconhecer. Questões culturais que vêm de berço, da família... é preciso se desapegar desses vieses e compreender a sociedade de forma mais autônoma e justa.


Em termos de legislação e até de consciência corporativa, quais países estão mais avançados?


Temos alguns países que estão trabalhando essa questão há mais tempo e, portanto, mais adiante nessa discussão. No Reino Unido, onde estou morando, há o equality act, que garante direitos relevantes, como casamento e adoção, mas também faz com que a gente tenha uma discussão mais ampla sobre outros grupos minorizados. Tratamos, por exemplo, sobre a diferença de salário entre homens e mulheres. Aqui, é obrigatório fazer divulgação anual de média salarial de homens e mulheres.


Mas na Europa ainda existem países bem atrasados nessa discussão, não?


Com certeza. Por exemplo, na Hungria, na última semana foi aprovada legislação que proíbe publicidade LGBTI+, similar à existente na Rússia. Qualquer manifestação nesse sentido pode ser considerada incentivo a esse mundo LGBTI+ e passível de punição.


Qual das ‘letras’ do LGBTI sofre mais preconceito ou discriminação no mundo corporativo?


Cada letra da sigla é importante e tem as suas barreiras, algumas mais do que outras. Talvez por ter mais abertura no mercado e ser mais aceito na sociedade, homens gays brancos têm mais privilégios quando comparados aos demais da sigla. Quando falamos em bissexuais, há outra barreira, que é a da invisibilidade. Há uma dificuldade em reconhecer as pessoas como bissexuais e compreendê-las, mas ainda assim ocorre uma certa aceitação. Com as pessoas trans não é assim. A expectativa média de vida de pessoas trans é de 35 anos.


Por qual motivo?


Por violência direta, casos de transfobia, e pelas condições de vida. Muitas vezes são pessoas marginalizadas, expulsas de casa e que acabam indo para a prostituição porque não encontram emprego. É um número absurdamente alto de pessoas trans nessa situação. Então, não conseguem acesso ao SUS, não têm documentos, acesso a tratamento. E também não têm a empatia da sociedade. Então, a população trans acaba sendo esquecida, recebe menos oportunidades de emprego.


O Fórum recebe relato de situações em que a empresa barrou na hora de contratar por questões de gênero?


Sim, com certeza isso acontece, mas não com as empresas aderentes ao Fórum, porque essas barreiras já foram superadas. Temos avançado muito com isso. O ideal seria fazer as entrevistas às cegas, em que não se sabe nada sobre o candidato, apenas sobre sua qualificação. Mas existe essa barreira, sim, e acho que para profissionais trans ela é muito maior. Não é nem barreira, é um muro mesmo, alto e pontiagudo.


Há boas notícias para serem dadas?


Algumas empresas são impulsionadas pela questão financeira, mas temos, por parte da sociedade, uma pressão cada vez maior para que elas estejam cada vez mais com processos inclusivos e diversos. Então, se não há diversidade e inclusão dentro do seu negócio, você tende a não funcionar tão bem. Acho que essa é uma conscientização que as lideranças têm percebido. E ocorre outra coisa: quando você tem, dentro da organização, uma equipe diversa, a tendência é que haja uma percepção maior sobre a diversidade da própria sociedade. Isso é bom para as empresas conversarem com todo tipo de público consumidor.


Você diria que essa pauta inclusiva tem avançado dentro das empresas?


Sim, temos conseguido avançar. Várias empresas têm criado grupos de afinidade específica, que acabam discutindo quais metas de curto, médio e longo prazos podem ser alcançadas. A de curto prazo, por exemplo, é fazer com que as pessoas se sintam confortáveis no seu ambiente de trabalho, que fiquem à vontade para ‘sair do armário’, por exemplo. Pessoas confortáveis no ambiente de trabalho rendem mais. Outra meta comum é de contratação de pessoas LGBTI+. Muitas têm contratado profissionais trans, e isso é um avanço. Temos parceria, inclusive, com uma plataforma bem bacana, a transempregos.com.br, criada por mulheres trans. São empresas engajadas com a causa, que querem fazer a diferença. Queremos que usem os dez compromissos como plano de ação e que as lideranças estejam interessadas nessa causa. Não temos competição, mas união de esforços.


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