Queda na remuneração e alta dos custos tornam difícil ser motorista de aplicativo na região

Condutores da 99 e Uber veem aumentar custos desde o começo da pandemia e trabalham cada vez mais para lucrar com a atividade

Por: Júnior Batista  -  24/01/21  -  15:05
  Foto: Vanessa Rodrigues/AT

Segmento que contribuiu para que desempregados e trabalhadores informais tivessem renda desde o começo da pandemia, o trabalho por aplicativos é alvo de críticas por parte de motoristas ouvidos pela Reportagem de ATribuna.com.br. O principal problema é queda na remuneração e alta dos custos.


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“A tarifa mínima (valor mais barato da corrida) caiu. Os gastos com o carro, a alta dos combustíveis e o aumento de motoristas nas ruas fez o trabalho não ser mais tão vantajoso. O motorista demora para perceber isso”, afirma o presidente da Associação dos Motoristas por Aplicativo da Baixada Santista (Amabs), Bruno Martins, de 41 anos.


Segundo ele, essa mudança deixa o trabalho mais difícil. A busca maior pelo transporte por aplicativo fez a oferta de motoristas subir e os preços caírem. “As tarifas dinâmicas (quando é cobrado um valor mais alto por haver mais demanda) estão ocorrendo com menos frequência. A gasolina subiu muito e os custos com o carro também”, diz.


De acordo com o Índice de Preços Ticket Log (IPTL), a gasolina teve alta de 17% de maio até a primeira quinzena de dezembro. A média foi de R$ 4,68 por litro na última quinzena de 2020.


Os preços dos combustíveis cresceram 8,9% no ano passado, em comparação com 2019, segundo o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), que considera também a queda do barril do petróleo a partir março até final do primeiro semestre.


Metas definidas


Motorista por aplicativo há quatro anos, Ighor Fontes, de 24 anos, dirige por dois aplicativos. Começou como uma segunda renda, em 2017. Hoje, é seu trabalho principal.


Sua carga horária é de cerca 60 horas semanais, com meta de R$ 300/dia. Deste valor, 30% são gastos com combustível. “As estratégias para ganhar mais vão muito do posicionamento (ir onde há mais corridas) e em relação aos horários. Existem horários em que o movimento é morto, como das 9 ao meio-dia e das 2 às 6 da manhã, durante a semana”, diz.


Segundo pesquisa do site Vagas.com.br, um dos maiores recrutadores on-line do País, com base nos currículos cadastrados no portal, a renda média dos motoristas varia de R$ 2 mil a R$ 3 mil por mês.


De acordo com motoristas ouvidos pela Reportagem, os ganhos podem chegar ao dobro desse valor dependendo da quantidade de horas e estratégias utilizadas para garantir a meta diária de remuneração.


Fontes faz cerca de 12 horas por dia, durante a semana, começando ao meio-dia e finalizando à meia-noite. Nos fins de semana, o foco é na madrugada, que paga melhor. “Otimizo minhas horas de trabalho levando água e duas marmitas, fazendo pausas curtas para as marmitas e evitando gastos na rua ou ir em casa para não perder tempo. Assim como, se possível, enquanto estou numa ducha rápida do carro aproveito para comer a marmita que eu mesmo faço em casa”, afirma ele.


O aluguel de carro, em sua opinião, não vale a pena. “Na pandemia os preços de aluguel subiram, mais precisamente nos últimos meses de 2020. Hoje, é cerca de R$ 2 mil mensais para locar, o que significa 100 horas de trabalho, livres de combustível, no mês, para pagar”, conclui.


São Paulo tem mais de 1 milhão de condutores


Os motoristas por aplicativo são mais de 1 milhão só no Estado de São Paulo, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que não tem um recorte regional.


Os dados são de 2019, antes da pandemia e já demonstravam uma tendência de crescimento. Em 2017, esse número era quase a metade: 578 mil no Estado.


A Companhia de Engenharia de Tráfego de Santos (CET-Santos) disse que não tem o número de motoristas por aplicativo na Cidade, “pois a atividade não é regulamentada”.


Esses trabalhadores ganham, em média, R$ 25 por hora, segundo a Associação dos Motoristas por Aplicativos da Baixada Santista (Amabs) e os próprios condutores.


O economista Fernando Chagas diz que a pandemia e, agora, a segunda onda de contaminações causaram saturação nesse mercado, buscado em grande parte pelos trabalhadores informais que perderam o emprego.


“Com o fim do auxílio emergencial e o número de desempregados batendo em 16 milhões neste primeiro trimestre, a tendência é de aumento na busca por postos de trabalho. Nesse contexto, esse trabalho corre para o aplicativo para garantir um mínimo de sustento”, diz.


O número de motoristas por aplicativo cresceu ao menos 8% na pandemia, em comparação com 2019, na região. Os dados são da 99 App. Dos motoristas da empresa que estão na faixa entre 19 e 30 anos, 86% são homens; Já entre 43 e 66 anos, as mulheres são 52%.


Empreenda rápido


O consultor de negócios do Sebrae SP, Diego Smorigo, diz que a profissionalização dos motoristas, com criação de CNPJ, é incentivada. Ele afirma que essa profissionalização, que acontece através do Programa Empreenda Rápido, tem ajudado esses trabalhadores a conseguir outros serviços, além da educação.


O programa do Sebrae lançou, no fim do ano passado, uma série de conteúdos de qualificação profissional através do Whatsapp, gratuito, sem cobrar franquia de internet. São textos, vídeos e podcasts sobre empreendedorismo. “Isso ajuda esse motorista a pensar nele como negócio, investir em horários, fazer relação de custo benefício”, diz.


O economista da Escola de Administração de Empresas da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Renan Pieri, afirma que um dos motivos para a queda de renda dos motoristas é também reflexo da situação do País.


“Há muita oferta, o que só vai melhorar quando a economia avançar um pouco. O que está acontecendo com os aplicativos está acontecendo também em outras áreas (...), enquanto a economia não crescer, uma saída é a qualificação dessas pessoas, até para elas terem outras opções de renda”.


Respostas dos aplicativos


Em nota, a Uber diz que os motoristas tiveram recordes nos ganhos por hora de setembro a dezembro. A empresa afirma, ainda, que os ganhos variam bastante porque dependem do engajamento de cada um com a plataforma da Uber, mas, em média, no Brasil, no mesmo período, os motoristas parceiros do app tiveram rendimentos superiores aos de fisioterapeutas, intérpretes, marceneiros ou corretores de seguros, já descontando os gastos com gasolina e telefone. A Uber também afirmou que Santos foi escolhida pela Uber para participar do teste de um novo sistema de ganhos, onde o valor de cada viagem ainda inclui uma tarifa-base, que também varia conforme o movimento naquela região.


A 99 App afirmou que o volume de corridas retornou aos padrões de antes da pandemia desde novembro do ano passado. A empresa destacou novos programas, como o 99Entrega - categoria de entrega de itens - e o 99Poupa, categoria até 30% mais barata em locais e períodos de menor demanda. “Em relação às corridas referentes à cidade de Santos, a 99 destaca que os valores foram alterados em novembro de 2019. A mudança proporcionou aumento no ganho mínimo dos motoristas parceiros. Em relação à tabela de remuneração, é possível consultar informações referentes a todas as cidades no site da 99”, conclui a nota.


Sobre os aluguéis de carros, a Localiza afirmou que trabalha com um planejamento estruturado visando entender os fatores que influenciam sua operação, como demandas sazonais, períodos e locais específicos da retirada. A Movida disse que não tinha um porta-voz para comentar os aumentos nos preços dos aluguéis de carros.


Com aplicativos, Claudiana amplia cartela de clientes fixos
Com aplicativos, Claudiana amplia cartela de clientes fixos   Foto: Alexsander Ferraz/AT

Carga horária é pesada


Primeira mulher cadastrada na Uber, segundo ela, Claudiana Aparecida Silverio da Costa, de 54 anos, diz que os aplicativos se tornaram um meio de conectar seu trabalho às pessoas e conquistar mais clientes.


A ex-taxista, que chegou a ter uma empresa de transporte, diz que faz muitos trabalhos particulares de transporte, inclusive de cachorros para pet shops de Santos e São Vicente.


Sua carga horária é a mesma que a média dos motoristas ouvidos por A Tribuna, pelo menos 12 horas por dia. Ela começa às 5h, para às 10h, retorna às 13h, para novamente às 16h e volta às 18h. O término passa das 22h ou meia-noite.


Sua meta diária é em viagens: 20 por dia. “Tenho que trabalhar todos os dias e para manter meu padrão de vida, porque continuo com a corda no pescoço”.


Seus gastos diários são de R$ 200. Eles incluem as contas domésticas e o aluguel do carro de R$ 1,5 mil. “É esse valor porque eu alugo há mais de três anos”.


Para o motorista Gustavo Silva, de 27 anos, que começou a dirigir há mais de dois anos após ficar desempregado, está cada vez mais complicado dirigir pelos apps pelos custos. “Nos dias de semana são cerca de R$ 150 por dia. Nos fins de semana, chega a R$ 300. Em dias bons”, diz.


Ele reclamou dos locais de parada. “As obras na Ponta da Praia dificultaram o embarque e desembarque de passageiros que pegam as balsas”, reclama.


Segundo a Prefeitura, com exceção da Saldanha da Gama, em frente ao posto de combustíveis no sentido praia-centro, mesmo onde há placa de Proibido Estacionar, o rápido embarque e desembarque é permitido. “Na próxima semana a CET fará nova vistoria técnica na área, visando reestudar o local”.


Há um ano meio trabalhando como motorista de aplicativos, Davi Diniz, de 32 anos, percebe a falta de benefícios. "Se você for autônomo, paga INSS por fora ou vira MEI (micro empreendedor individual). Automaticamente, pagando as guias corretamente tem um respaldo, de seguro, auxílio médio, inss", afirma ele, que trabalha nos períodos noturnos, mesmo achando mais perigoso. "É mais vantajoso", defende.


Tempo parado


Há dois anos nos aplicativos, Celso dos Santos Morgado, de 58 anos, ficou quase três meses parado, entre março e abril. Trabalhando no mínimo 12 horas por dia, ele diz que os apps são uma vitrine para que ele possa fazer serviços por fora.


Ele não teve dificuldades com a rotina, mas confessa que é estressante. “É um trabalho diário, segunda a segunda. É cansativo, mas as contas não cansam”, diz.


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