Donald Trump declara guerra comercial aos chineses; Planeta sentirá o baque

Agronegócio brasileiro esfrega as mãos, apostando em mais vendas, mas FMI diz que economia do planeta pode entrar em recessão

Por: Marcelo Santos & Da Redação &  -  11/08/19  -  19:47
  Foto: Ludovic Marin / AFP

No ano passado, a China exportou US$ 539 bilhões aos Estados Unidos, importando apenas US$ 120 bilhões. Essa diferença colossal, de US$ 419 bilhões, é o combustível que levou o presidente americano Donald Trump a declarar guerra comercial aos chineses.  


Simultaneamente, no Brasil, muitos, em especial do setor do agronegócio, esfregaram as mãos: “vamos vender mais soja e carne” com os americanos fora da concorrência. Porém, o Brasil, cedo ou tarde, perderá com essa briga estúpida. 


Um sinal disso é a previsão do Fundo Monetário Internacional (FMI) de que a China terá um crescimento 0,8% menor do que se pensava nos próximos 12 meses. Consequência das tarifas de 10% que Trump aplicará sofre os chineses a partir do próximo dia 1. 


Com essa medida, todas as exportações chinesas aos Estados Unidos – os US$ 539 bilhões – pagarão mais para entrar em território americano. Um produto que antes custava US$ 100, após o carimbo alfandegário, subirá para US$ 110.  


Neste ano, a previsão de crescimento para a China é de 6%. Um brasileiro desavisado, impressionado pelo percentual. pensa: “com um crescimento desse, vamos vender muito”.  


Porém, na economia é preciso observar o tempo. A aflição da China é de que esses 6% são a metade do que o país crescia há uma década, a 12%. Portanto, enquanto mercado consumidor, perdeu-se uma China inteira de hoje em dez anos.  


Novas chinas 


O século 19 foi britânico e o 20 foi americano, mas o 21 é asiático, não só chinês. Assim como a China, outros candidatos a gigantes crescem rapidamente, como Indonésia, Vietnã, Índia e até Bangladesh.  


São mercados potencialmente atraentes para o Brasil, mas também concorrentes, assim como todo o resto do mundo que vende para a China.  


O problema é que, assim como EUA e China guerreiam tarifas (a China retalia, mas com força menor, porque importa menos), outros países ficam tentados a fazer o mesmo para proteger seus mercados. Ferramenta eleitoral dos populistas autodenominados “antissistema”, que vão do Brasil à Hungria e Polônia, da Itália às Filipinas.  


Portanto, com a disseminação de economias que se protegem com tarifas, todos venderão menos. Consequentemente, esses países vão gerar menos empregos internamente, o consumo se interrompe e todos perdem.  


Cartada de pequim 


Na semana passada, os mercados balançaram – resultado da expectativa de que poderá haver recessão mundial ou pelo menos menor crescimento. 


O estopim foi a decisão da China de deixar o yuan, cair para US$ 7 – isso barateia as exportações após tarifação americana. Uma jogada para forçar negociação, não para derrubá-los. 


Na mesma semana passada, houve a queda mais forte na segunda-feira, recuperação nos dias seguintes, e recuo de novo na sexta-feira, após Trump falar que não está pronto para um acordo com a China, sinal de novos choques pela frente. A economia mundial pode não suportar tanta tensão.  


Rugido chinês  


A China sabe e pode rugir contra os americanos. O país é o grande comprador dos títulos dos EUA. Na prática, financia a dívida gigantesca de Washington ao mesmo tempo em que adquire o papel de menor risco de calote do mundo. 


A China, vingativa, pode vender esses títulos, desvalorizando-os, como lembrou o colunista Celso Ming. Porém, os papéis que continuarão em mãos chinesas perderão valor, encolhendo o próprio caixa de Pequim.  


Por outro lado, Trump, ao sobretaxar os chineses, que ganham o mundo por serem baratos, punirá o consumidor americano com produtos mais caros, causando inflação, retraindo as compras americanas do mundo todo. O planeta sentirá o baque – não só as duas potências. 


Brasil sentirá baque: mas quando? 


O real impacto da guerra comercial ainda está no campo das apostas, mas em relação ao Brasil já há consenso entre economistas: o País se beneficia em um primeiro momento, mas sofrerá como qualquer outro na ocasião seguinte.  


A decisão da China da semana passada de suspender compras da produção agrícola americana obviamente beneficia o Brasil – o grande adversário dos EUA nesses mercados.  


Além disso, a China passa por um sério problema sem relação à guerra comercial. O país já sacrificou 5 milhões de porcos doentes, medida para combater a doença que contaminou a produção local e que estimula as vendas do Brasil.  


Porém, concentrando-se no caso brasileiro, se a China cresce menos, o governo comunista reduz o ritmo da migração dos camponeses para as cidades. O país ainda tem algumas centenas de milhões vivendo no campo e que, na zona urbana, se tornam mão de obra barata quase inesgotável. Simultaneamente, consomem bens industrializados e proteína animal.  


Se o consumo de alimentos industrializados e de carne não avança, os preços desses produtos não têm como subir no mercado mundial. 


No final das contas, as cotações da soja, do milho e da carne não se valorizam. Assim como o do minério de ferro, porque as cidades crescerão menos.  


Se a China consome menos, o Chile (cobre), a Austrália (carne e alimentos), os EUA (alimentos e máquinas), a Alemanha (máquinas) e até a Itália (moda e turismo) também perdem. Se Chile, Austrália, EUA, Alemanha e a Itália vendem menos, comprarão pouco do Brasil. Ninguém estará protegido.  


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