Há um ano, começava o pesadelo da Covid-19 no Brasil: 'Vivemos hoje o pior momento'

Após 365 dias, situação é séria e pode se agravar, avaliam especialistas

Por: Nathália de Alcantara  -  26/02/21  -  09:28
O avanço da doença no Interior e no Litoral foi em um ritmo quatro vezes superior a da Capital
O avanço da doença no Interior e no Litoral foi em um ritmo quatro vezes superior a da Capital   Foto: Matheus Tagé/AT

Há exatamente um ano, um homem de 61 anos, morador de São Paulo, teve a confirmação que todo o País temia: recém-chegado de uma viagem à Itália, ele era o primeiro registro de covid-19 no Brasil. Era o começo da luta contra a pandemia de coronavírus para os brasileiros.


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Em 365 dias de convivência com o vírus que mudou a maneira de viver e ver o mundo, as pessoas se afastaram (e se despediram) de quem amam, se isolaram dentro de casa e tiveram de reorganizar as contas diante do orçamento menor.


“A máscara escondeu o sorriso tão tradicional do povo brasileiro. A alegria, agora, é vista pelos olhos. Foram diversos desafios e em muitos setores. Quem venceu a doença ou nem chegou a pegá-la é um sobrevivente, um vencedor”, desabafa o infectologista Eduardo Santos.


O ex-ministro da Saúde Arthur Chioro enfatiza ser importante imunizar as pessoas o mais rápido possível. “A falta de rapidez na vacinação traz consequências humanitárias, sanitárias, econômicas e sociais intensas. O que mais me choca é que, se tivéssemos feito a lição de casa, poderíamos minimizar esses efeitos”.


Chioro, que também é médico sanitarista, doutor em Saúde Coletiva, professor universitário e pesquisador, avalia a situação atual como um “desastre”.


“A falta de vacinas vai matando mais gente. O Brasil, infelizmente, está ficando para o fim da fila na capacidade de resolver a pandemia de covid-19. Hoje, somos 2,7% da população mundial e mais de 10% do número de casos”.


Quem concorda com ele é o doutor em infectologia e professor universitário Marcos Caseiro, que teme uma disseminação de novas cepas na região, mais casos confirmados, aumento no número de mortes, leitos lotados, caos na Saúde e lockdown.


“A gente tem erros históricos e não aprendemos com tudo o que aconteceu na China, na Europa, nos Estados Unidos. Tudo pode piorar de maneira drástica e rapidamente com a chegada da cepa amazonense sendo transmitida”.


Para ele, o maior problema é que a maioria das pessoas não se contaminou e nem está imunizada ainda. "Não estamos fora de risco de viver uma situação grave. Muitos turistas vêm para a região com frequência. Vivemos hoje o pior momento em termos de mortalidade, ocupação de leitos e casos”.


Preocupações


Para o infectologista Ricardo Hayden, o Estado tem condições de fazer muito mais e é uma pena que não faça por conta da falta de vacinas disponíveis.


“Só posso lamentar que não vacinamos mais, pois quanto mais rápido se vacina, mais rápido se anda na rua com segurança. Voltam os empregos, o pagamento de impostos e a roda gira”.


O infectologista do Hospital Albert Einstein, Jacyr Pasternak, pede que, apesar do cansaço de conviver tanto tempo com a doença, sejam mantidos o uso de máscara e álcool em gel, além do distanciamento social.


“Vai demorar muito até que essa situação se resolva, mas não tem o que fazer além de tomar todos os cuidados”.


O diretor da Sociedade Paulista de Infectologia, Evaldo Stanislau, acredita que as pessoas mudaram nesse último ano. Mas, infelizmente, não para melhor.


“A ciência é a grande vencedora. Em menos de um ano, temos várias vacinas sendo utilizadas. Mas houve a falta de empatia e o egoísmo por parte das pessoas. A sociedade está completamente indiferente à morte dos mais de mil brasileiros por dia. E ela nem tem vergonha disso”.


O médico, que atua no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, alerta que os vacinados não devem se julgar protegidos.


“Estamos bem longe da vacinação efetiva e rápida. Nesse ritmo, sabe lá Deus quando isso acontecerá. Os Estados Unidos, que vacinam um milhão por dia, só terão imunizado gente suficiente no fim do ano. Outro ponto é que a pessoa pode ter a doença e a transmite para os demais”.


Sobreviventes


“Foram quase 2 meses para voltar a andar e esqueci o nome das coisas. Mais de um mês internado, fiquei intubado. Tive problema nos rins e fígado, as sequelas atingiram vesícula e respiração”.Jefferson Dias, 38 anos, coreógrafo e controlador de acesso, Centro, Cubatão


“Tive 50% de comprometimento nos pulmões. Hoje, não trabalho e acordo todos os dias com os dedos duros. Tomo remédio para a dor passar. Meu sogro e uma tia morreram”. Carlos Alschefsky, 59 anos, vendedor externo, Aparecida, Santos


“O pior foi a internação, com falta de ar e sem apetite. Foram os piores dias da minha vida. Tive muito medo. Pensei que não ia conseguir sair dessa. Focava o tempo todo em Deus e na minha família”.Daniel Francilino Lima de Oliveira, 27 anos, motoboy, Vila Nova Mirim, Praia Grande


“Peguei no começo de dezembro, após uns dias, meu pai também pegou. Ele não teve a mesma sorte: com 88 anos, morreu na véspera de Natal. Isso dói muito. As pessoas têm que se conscientizar”. André Luiz Fontalba Carrasco, 36 anos, radialista, Belas Artes, Peruíbe


“Peguei covid em dezembro, me cuidei em casa, mas transmiti para meu marido, meu pai, minha mãe e minha irmã. Isso me deixou mal, porque meu pai teve 70% do pulmão comprometido”. Amanda Costa Gomes, 30 anos, auxiliar administrativa, Jardim Progresso, Vicente de Carvalho, Guarujá


Medo e pedidos


Quem trabalha na linha de frente está preparado para lidar com a doença, mas nunca deixou de lado a preocupação com a própria família e também se emocionou com o caos dentro dos hospitais.


A diretora da Vigilância em Saúde de São Vicente, Luciana Schiavetti, lembra do primeiro contato com a doença. “Nós precisamos aprender o que fazer, de que forma e muito rápida. Isso tudo exigiu muito dos profissionais da saúde”.


Hoje, quase um ano após a primeira confirmação na Cidade, ela avalia que a situação está longe de ficar controlada. “É um enfrentamento que leva tempo e precisa da ajuda da população com o uso de máscaras, higienização e isolamento social”.


Ela conta ter visto muita gente andando sem máscara, principalmente no Centro de São Vicente. “A aglomeração está acontecendo. As pessoas estão indo em certos locais sem necessidade. Sinto que a sociedade se acomodou. É preciso se cuidar para não contaminar o próximo”.


Já o secretário-adjunto de Saúde de Santos, Dênis Valejo, garante que a Cidade está preparada para atender inclusive os municípios vizinhos, caso precisem de ajuda. “É uma doença muito instável, é um mundo novo que estamos vivendo, com altos e baixos que mudam rapidamente, de acordo com o comportamento das pessoas. Percebemos aumento nos casos sempre depois de feriados, finais de semana de sol ou no aumento de aglomerações”.


O secretário de Saúde de Guarujá, Vitor Hugo Canasiro, concorda que a covid-19 ainda assusta. “Precisamos que a população siga fazendo a sua parte, tomando os cuidados para não pegar e transmitir”.


Segundo o secretário, cada vida que se perde representa muito mais do que números. O impacto é direto na sociedade. “Cada morte é a despedida de um pai, de um filho, ou amigo. A prioridade de Guarujá seguirá sendo a saúde dos moradores”.


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