Mário Jorge de Oliveira: Recall belicoso

De tempos em tempos, o mundo passa por uma espécie de auto reverse, mergulha em crises que se imaginavam superadas, recria problemas com nova roupagem e desperta histerias coletivas

Por: Mário Jorge de Oliveira  -  04/02/19  -  20:06

De tempos em tempos, o mundo passa por uma espécie de auto reverse, mergulha em crises que se imaginavam superadas, recria problemas com nova roupagem e desperta histerias coletivas. A história da humanidade é um recall de conflitos já debulhados por estudiosos, embora assimilados pelos povos como algo natural. Mas voltam com intensidade nas alturas, sintonizados com os avanços tecnológicos.


Guerras foram travadas ao longo dos séculos, com os consequentes efeitos para a civilização. Só para lembrar um desses fenômenos, quando a Paz de Vestfália colocou um fim à Guerra dos Trinta Anos no coração da Europa, em 1648, introduziu-se o conceito de soberania entre as nações, episódio que o professor de História do Curso de Relações Internacionais da USP, Peter Delmant, traduziu de forma simples e objetiva: os países, muitos que se achavam hegemônicos, foram à mesa de negociações para, enfim, assimilar o princípio do “viva e deixe viver”.


Com o passar do tempo, o looping global perdeu seu verniz meramente religioso – católicos X protestantes – e adquiriu contornos geográficos e comerciais, alimentado por disputas territoriais, de fundo econômico, como a Primeira Grande Guerra, e ideológicos, com a Segunda Guerra, sob o nazifascismo. Deu no que deu, mas não acabou. E lá vem a Guerra Fria, com blocos distintos, disputando zonas de influência entre capitalistas e socialistas.


Planeta em transe, armas sofisticadas, guerrilhas, demonstrações de força. Mas o ocaso da União Soviética e o aparente fim do bloco que liderava esvaziaram a mórbida excitação dos senhores da guerra, de ambos os lados, que buscavam no confronto não declarado uma forma de cultivar poder e alguns milhões de dólares em tenebrosas transações.


Menos ideológicos, os conflitos passaram para o terreno do fanatismo religioso. Agora, sem o viés de nação contra nação. Os agrupamentos fundamentalistas globalizaram os confrontos, ultrapassaram as fronteiras e atordoaram as superpotências. Ativos, porém silenciosos por um tempo, despertaram no pós-intervencionismo dos xerifes globais – vide Iraque, Afeganistão, Líbia e Síria. E a ONU? Continua no mesmo lugar, com suas advertências e ressalvas, nem sempre acatadas, dependendo dos atores geopolíticos.


Mas o cenário internacional, recheado de surpresas, dá o mote para uma nova onda de entreveros de além-fronteiras. O caso da Venezuela é sintomático neste aspecto. País sem grande expressão na ordem mundial, a não ser por sua fabulosa reserva petrolífera, “conseguiu” as atenções do Hemisfério Norte, e, de novo, adicionar temperos que remontam à Guerra Fria. Não faltam ingredientes: fervor ideológico, localização estratégica e, claro, petróleo.  


Nicolás Maduro resiste, tem apoio explícito externo, como o da Rússia, e velado, vide a China, e um turbilhão de contrários, como os Estados Unidos e a União Europeia, sem  contar os vizinhos após a guinada à direita no continente. Enfim, é aguardar o desfecho. E esperar a mudança de eixo.


Dá para concluir que, seletiva que é, a opção das potências usa o termômetro dos dividendos. Não fosse isso, a eterna crise na Somália, no Sudão do Sul e no Iêmen já teria sido resolvida, sim, ao estilo dos que estão acostumados a dar as cartas. Por enquanto, lá, matam-se uns aos outros, invisíveis aos olhos do mundo.


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