Liberação do porte de arma divide especialistas e vira polêmica nacional

Quem é a favor alega direito de se defender, mas contrários alertam para escalada da violência

Por: Eduardo Brandão  -  08/11/18  -  13:50
  Foto: Pixabay

Ter ou não ter uma arma de fogo? A sensação de segurança que um armamento promete oferecer voltou à discussão com a corrida eleitoral à sucessão presidencial. Uma das mais polêmicas bandeiras defendidas pelo presidente eleito Jair Bolsonaro (PSL), a flexibilização da lei para porte de arma no Brasil deve ser votada nos primeiros meses do próximo governo.


Apesar das regras restritivas, o número de novas licenças para pessoas físicas multiplicou por dez nos últimos anos – saltou de 3.029, em 2004, para 33.031, em 2017 –, assegura a Polícia Federal (PF).


O assunto ainda divide opiniões e é tema de debates. Defensores da medida afirmam que não se pode negar ao cidadão o direito de se defender por conta própria, em vista da escalada da violência. Já críticos da lei mais liberal quanto ao uso de arma de fogo asseguram que revólveres comprados legalmente abastecem o arsenal dos criminosos e são a causa de acidentes fatais.


Devido à complexidade da medida, a liberação do uso de arma de fogo não é unânime nem mesmo na cúpula do próximo Governo. Em entrevista coletiva na tarde de terça-feira, o futuro ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro, disse ver com preocupação a “flexibilização excessiva (que) pode ser utilizada para municiar organizações criminosas”.


Legal ou ilegal


Pelas regras atuais (veja infográfico), a comercialização de arma de fogo é permitida no País, mas com restrições. Os interessados devem ter mais de 25 anos e serem submetidos a exames psicológicos. Um projeto de lei em tramitação na Câmara Federal pretende revogar o Estatuto do Desarmamento e facilitar o acesso ao porte e à posse de arma de fogo.


Contudo, quem deseja ter revólver e tem condições financeiras, consegue obter a arma, seja em loja legalizada ou no mercado ilegal. “A compra para defesa pessoal vem crescendo absurdamente desde 2004”, afirma o diretor-executivo do Instituto Sou da Paz, Ivan Marques.


Favorável a regras menos rígidas, o pesquisador em segurança pública Fabrício Rebelo garante que são baixos os números de arma de fogo no Brasil. Ele exemplifica com o Uruguai, onde há uma arma para cada seis habitantes. O assunto é sensível e ganha eco em setores da sociedade que enxergam no direito de se armar – e a reagir à violência — uma possibilidade de “salvar vidas”.


Por aqui, contudo, faltam números confiáveis: o Exército cita cerca de meio milhão de armas nas mãos de civis, conforme levantamento feito no final do ano passado. A Polícia Federal afirma que a quantidade passa de 600 mil (segundo dados de janeiro passado). Rebelo garante que antes do estatuto do desarmamento, havia 9 milhões de armas no País.


Refém


Para o especialista em segurança e oficial da Polícia Militar da reserva, José Elias de Godoy, a atual legislação está defasada e precisa ser atualizada. “A liberação deve acompanhar critérios rigorosos. Não pode acontecer como no passado, que revólveres eram vendidos nos supermercados e em facilitadas prestações. Também não é possível ver a população refém da criminalidade sem poder se defender. É hora de revisar o estatuto do desarmamento, que ainda não surtiu efeito”.


Segundo ele, a regra mais dura aprovada em 2004 serviu apenas “para desarmar o cidadão de bem” e tornar a criminalidade mais violenta. “A sensação é que a população está desprotegida. Com a liberação da arma de fogo, o bandido vai pensar duas vezes antes de anunciar um assalto. Ele (o criminoso) não sabe se a vítima tem ou não arma”.


Como câncer


A violência urbana é considerada o terceiro principal problema do País para 20% da população, conforme recente pesquisa do Instituto Datafolha – atrás somente de saúde e do desemprego. O gerente de advocacy do Instituto Sou da Paz, Felippe Angeli, teme que a liberação da arma possa elevar o número de assassinatos, que em 2016 bateu o recorde histórico de 62,5 mil. “É uma tragédia anunciada. Esse sangue estará nas mãos do próximo governo”.


Angeli cita pesquisas científicas que relacionam aumento de violência com maior circulação de armas de fogo. “É a mesma correlação que o cigarro tem com o risco de câncer a quem fuma”.


A entidade também se preocupa com a elevação do número de acidentes domésticos. “Mesmo com as atuais regras, veja os casos de mortes de crianças que mexiam em armamento em suas casas. É certo que a arma de fogo não mata sozinha, é mais certo ainda que, sem ela, é muito mais difícil tirar a vida de alguém”.


Posse x porte


A lei diferencia, atualmente, a posse de arma do porte. Posse significa que o proprietário pode manter a arma apenas no interior da sua casa ou no seu local de trabalho, desde que seja o responsável legal pelo estabelecimento ou imóvel.


Já o porte é o documento, com validade de até cinco anos, que autoriza o cidadão a portar, transportar e trazer consigo uma arma de fogo, de forma discreta, fora das dependências de sua residência ou local de trabalho. É preciso demonstrar a necessidade do porte por exercício de atividade profissional de risco.


Só em 2019


A pedido do presidente eleito Jair Bolsonaro (PSL), o projeto de lei que revoga o Estatuto do Desarmamento e flexibiliza as regras para porte de arma no Brasil foi retirado da pauta na Câmara dos Deputados. A expectativa é que o texto seja aprimorado pela cúpula do próximo governo e a votação ocorra no primeiro semestre de 2019.


De acordo com o autor da proposta, o deputado federal Rogério Peninha (MDB-SC), o adiamento é positivo, pois a composição do novo Congresso será mais conservadora. Nas redes sociais, ele postou ser elevado o risco de a medida ser rejeitada caso seja levada a plenário até dezembro. “Se forçássemos a barra para votar este ano, haveria risco de a proposta ser rejeitada – e um trabalho de seis anos iria pelo ralo”.


O parlamentar afirmou que o assunto já foi discutido com o coordenador da Frente Parlamentar da Segurança Pública, deputado Alberto Fraga (DEM-DF). A expectativa era que o projeto fosse colocado em pauta na Câmara ainda esta semana.


Desde março do ano passado, parlamentares da chamada bancada da bala se articulam para incluir o texto na Ordem do Dia do plenário da Casa, apresentando sucessivos pedidos de urgência para apreciação da matéria.


O projeto, denominado Estatuto de Controle de Armas de Fogo, dá a qualquer cidadão que cumpra requisitos mínimos exigidos o direito de comprar e portar armas de fogo. Também reduz de 25 para 21 anos a idade mínima para comprar uma arma.


No caso do porte, concedido mediante licença pessoal, a validade poderá ser ampliada de três para cinco anos. Se aprovada na Câmara dos Deputados, a proposta precisa ser apreciada também no Senado.


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