Atraso em repasses da Nota Fiscal Paulista ameaça entidades beneficentes

Valores que seriam liberados no mês de outubro ainda não foram calculados, segundo Estado

Por: Eduardo Brandão  -  06/11/18  -  10:50
  Foto: Alexsander Ferraz/AT

As entidades beneficentes da Baixada Santista – e de todo o Estado – estão em alerta com o atraso na liberação dos créditos do programa Nota Fiscal Paulista. A restituição de parcela do Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) corresponde a até 20% da receita anual das organizações filantrópicas locais. Sem a fonte de recursos, responsáveis pelas unidades falam em dificuldades para quitar folha de pagamento, temem elevar dívidas e fechar as portas.


O problema afeta diretamente cerca de 4 mil entidades beneficentes do Estado, sendo 42 delas nas nove cidades da região. Os créditos gerados pela Nota Paulista para quem pede a inclusão do CPF na hora da compra são liberados em duas datas por ano: abril e outubro.


Entretanto, a liberação do pagamento está travada para que sejam computados os repasses do período. O dinheiro que deveria estar disponível em outubro é dos créditos gerados pelas compras feitas no segundo semestre do ano anterior.


“Era para os valores terem sido pagos a partir da primeira quinzena de outubro. E até agora, nada. Essa é a primeira vez que há atrasos (para entidades beneficentes)”, explica o presidente da Associação Comunidade de Mãos Dadas (ACMS), Eduardo Vianna Júnior.


“Estima-se que entre R$ 40 milhões a R$ 50 milhões em recursos para ações sociais estejam retidos (pela falha no programa). Algumas entidades falam em reduzir atividades ou fechar as portas se o pagamento não ocorrer”, continua.


Corda no pescoço


O atraso preocupa a quem já vive com a corda no pescoço. “Não tenho plano B. Se o repasse do Nota Fiscal Paulista não for liberado logo, não terei como pagar o 13º salário dos funcionários e vou ter que escolher quais as contas pagar”, desabafa a diretora-presidente da Casa Vó Benedita, Elizabeth Rovai de França. Conforme a prestação de contas do mês passado, a entidade acompanhou 214 famílias, sendo responsável 723 atendimentos nesse ano.


Elizabeth calcula ter a receber do programa estadual algo em torno de R$ 65 mil. “Esse valor já estava na nossa programação. Não somos as únicas a enfrentar esse problema, todas as entidades estão apavoradas, pois elas veem a cada dia as demandas aumentarem, basta ver nas ruas e nos semáforos. Já as fontes de recursos estão reduzindo”.


Em nota, a Secretaria Estadual da Fazenda informa que o sistema conta-corrente do programa Nota Fiscal Paulista permanece bloqueado para homologação da liberação dos créditos, como já acontece todos os anos. “Tão logo o processo seja finalizado, os valores serão disponibilizados aos consumidores e instituições filantrópicas”, finaliza o comunicado.


Mudanças à vista


Outra preocupação das entidades é a mudança no sistema de reembolso do programa. As organizações da região preveem queda de até 85% nessa fonte de receita com o fim das urnas no comércio para receber os cupons sem o Cadastro de Pessoas Físicas (CPF).


A partir de dezembro, as doações serão feitas somente por meio de aplicativo para celulares. A medida é anunciada desde o ano passado como forma de se evitar fraudes.


As entidades sustentem que o fim das urnas no comércio vai prejudicar as finanças em um momento de baixa arrecadação. Devido à crise econômica, elas sentem quedas no número fixo de colaboradores. “Muitas pessoas não sabem mexer no sistema, que também acaba com a doação (dos cupons) anônima”, diz Elizabeth.


Para evitar a paralisação dos serviços por falta de recursos, ela acredita que o governo paulista deveria excluir as instituições filantrópicas das novas regras do programa. As organizações pedem um tempo maior de transição entre os dois sistemas. A Secretaria da Fazenda não comentou o assunto.


Montante


Estudo feito por entidades assistenciais paulistas concluiu que, entre 2008 e 2016, R$ 655 milhões foram repassados do programa para organizações sociais. Esse montante foi responsável por 160 mil beneficiados e quase 5 milhões de atendimentos.


O levantamento indicou ainda que os recursos da Nota Fiscal Paulista “são especialmente valorizados” pelas organizações filantrópicas por permitirem maior flexibilidade de utilização.


IPVA


O bloqueio no sistema do Nota Fiscal Paulista pode impedir que os contribuintes físicos utilizem os créditos acumulados para abater do pagamento do IPVA. Pelas regras, o pedido para utilizar os valores depositados a fim de reduzir o custeio do tributo deve ser feito até outubro.


O motivo é que a liberação do pagamento está travada desde o início do mês passado. Sem informar data, a Secretaria Estadual da Fazenda fala que “o prazo para o envio dos créditos para quitação do IPVA será ampliado para que a população não seja prejudicada”.


Há 11 anos


O programa da Nota Fiscal Paulista foi criado em 2007, sendo responsável pela distribuição de mais de R$ 15 bilhões em créditos e prêmios de sorteios para consumidores. Por lei (nº 12.685), parte do imposto de compras feitas entre janeiro e junho seria liberado em outubro. Já as compras feitas entre julho e dezembro, o resgate fica programado para abril do ano seguinte.


A partir de 2015, o Governo Paulista passou a pagar os créditos com um ano de atraso. Em julho de 2017, foi reduzida de 30% para 20% a parcela do ICMS reservada à restituição de créditos. Nesse ano, a Secretaria da Fazenda anunciou que começaria a pagar os créditos mensalmente a partir do segundo semestre. Mas até agora isso não aconteceu.


Essa não é a primeira vez que contribuintes enfrentam atrasos no resgate dos créditos. No segundo semestre do ano passado, o saque pelos contribuintes físicos foi adiado para novembro.


Na ocasião, foram liberados quase R$ 690 milhões em créditos referentes as notas fiscais emitidas no segundo semestre de 2016.


Logo A Tribuna
Newsletter