Ex-atacante do Santos e da Seleção Brasileira, Edu chega aos 70 anos e relembra ascensão meteórica

Apesar de ter colecionado títulos pelo Santos e de ser tricampeão com a Seleção, em 1970, Edu não se conforma em ter sido preterido por Zagallo naquele Mundial

Por: Régis Querino  -  16/09/19  -  20:06
Atualizado em 16/09/19 - 20:17
Edu está sempre na Vila ou distribuindo sorrisos e autógrafos por aí, aos santistas de várias idades
Edu está sempre na Vila ou distribuindo sorrisos e autógrafos por aí, aos santistas de várias idades   Foto: Irandy Ribas/AT

Foram 20 anos jogando futebol. Treze deles no Santos, onde chegou aos 15 anos. Aos 16, Jonas Eduardo Américo, o Edu, foi convocado para a sua primeira Copa do Mundo, em 1966. Não entrou em campo, mas é até hoje o brasileiro mais jovem a ter sido chamado para um Mundial. 


Apesar de ter colecionado títulos pelo Santos e de ser tricampeão com a Seleção, em 1970, Edu não se conforma em ter sido preterido por Zagallo, a quem não pronuncia o nome, naquela Copa.


Quem o viu jogar, garante: Edu foi um dos maiores atacantes do Santos e do Brasil. Carismático e bom de papo, este jauense, que completou 70 anos em agosto, não saiu mais da Cidade. Está sempre na Vila Belmiro ou distribuindo sorrisos e autógrafos por aí, aos santistas de várias gerações. 


Você é, até hoje, o brasileiro mais jovem convocado para uma Copa. Como vê esse feito?


É um negócio tão fantástico que até hoje a ficha não caiu, porque eu cheguei aqui (no Santos) com 15 anos, peguei aquele time fantástico, a maioria campeão mundial, não só pelo Santos, mas pela Seleção, e com 16 fui pra Copa do Mundo. Foi sensacional. 


O que vem à memória quando pensa nisso? 


Me colocaram no quarto junto com o Djalma Santos, que tinha idade pra ser meu pai. Essa imagem eu tenho até hoje. Eu acordava e ficava olhando para ele. Aí ele acordava: ‘o que houve?’ Não, eu dizia, perdi o sono, mas já volto a dormir (risos). Ele era meu ídolo, quatro anos antes, em 1962, eles foram bicampeões na Copa do Chile. E quatro anos depois eu estava ao lado dele, do Garrincha. Isso na terra dos Beatles!


Vocês tiveram algum contato com os Beatles?


Fomos conhecer o estúdio deles, para mim foi o máximo. Mas não chegamos a vê-los, eles estavam nos Estados Unidos. 


Você não jogou, mas como foi a experiência? 


Foi super válida. Naquela época não tinha substituição, só ficava o goleiro (de reserva). Tanto é que contra Portugal machucaram o Pelé e ele teve que ficar em campo. Ficou até onde deu, mas sentiu e teve que sair. 


O fato de fazer parte do esquadrão do Santos facilitou sua chegada à Seleção?


Eu já estava numa seleção, então quando eu cheguei lá, não queria saber quem estava na minha frente. Quem me marcava era Carlos Alberto, Murilo, Fidélis, Djalma Santos. Eu atropelava esses caras, 16 anos, louco pra ter um lugarzinho ao sol, imagina... 


Como você veio para o Santos?


A minha família é amiga da família do Pelé. Ele morava em Bauru e eu em Jaú. Minha irmã tava na casa dele e ele tava de férias. Meus dois irmãos jogaram e o Pelé perguntou se tinha mais alguém na família que jogava. Ela falou de mim e ele disse pra me levar ao Santos. Quando eu tava com 14 anos, meu pai me trouxe. Ele (Pelé) morava na Oswaldo Cochrane com o Pepe Gordo, empresário dele. Eu não o conhecia e quando o vi parecia que ele tinha uns 3 metros (risos), minhas pernas tremeram. Era julho de 1964 e eu fiz uns dois, três treinos. Voltei pra Jaú pra terminar o ano escolar e retornei a Santos em 1965. Aconteceu tudo tão rápido que em julho de 1966 eu tava disputando uma Copa. Inexplicável. 


Você estava em grande fase em 1970 e era titular com o João Saldanha, mas com a saída dele, virou reserva com o Zagallo. Você ainda pensa nisso? 


Seria a minha Copa, eu tava no meu melhor momento, tanto é que quando o Saldanha nos convocou, ele colocou esse ataque: Jairzinho, Tostão, Pelé e Edu. Na apresentação desse novo treinador (Zagallo), falei pro Riva (Rivellino) que não ia jogar mais. E foi o que aconteceu, fiquei super chateado, só joguei uns 20 minutos contra a Romênia em 1970 (Brasil 3 x 2). E em 1974 foi a mesma coisa, eu voando e ele (Zagallo) colocava o Dirceu, o Paulo César. Me colocou quando precisou ganhar o jogo, contra o Zaire, que ganhamos por 3 a 0. 


O João Saldanha era diferente dos outros técnicos?


Totalmente diferente. Ele era jornalista, sabia lidar com a imprensa. Quando ele assumiu, botou todo mundo numa sala e falou ‘meus 11 titulares são esses aqui.’ Ele dava a preleção, saía e mandava todo mundo da comissão sair. E dizia ‘vocês vão conversar, porque vocês é que vão jogar’. Aí todo mundo dava opinião. Com a saída do Saldanha e a chegada do outro nós continuamos fazendo a mesma coisa. No início ele (Zagallo) assustou. 


A Seleção de 1970 foi a melhor de todas as Copas?


Eu acho, porque além de nós vencermos, nós convencemos, dando espetáculo. O mundo ficou maravilhado com a seleção de 1970. 


O Pelé foi genial, mas teve algum lance que você viu ele fazer que mais marcou?


Foram vários. Quando alguém faz gol do meio de campo, todo mundo diz ‘o gol que o Pelé tentou fazer’. Não. Ele tentou fazer na Copa do Mundo, mas no Santos ele fazia. Às vezes dava saída (de jogo) e ele dizia ‘só dá uma tiradinha na bola de lado’. Ele ficava de costas, já tinha visto o goleiro. Eu rolava a bola, ele virava e batia. Vi ele fazendo isso nas excursões.


Você tem se encontrado com o Pelé? 


Há uns três meses nós fizemos uma reportagem pra um documentário da Inglaterra e fomos na casa dele (em Guarujá). Infelizmente ele não pode caminhar como caminhava, mas ele estava sorridente, brincalhão, contou piadas, estava com uma fisionomia boa. Pra ele sair de casa é complicado, até porque aonde ele chega não tem como, junta uma multidão.


O Santos teria ganhado mais Libertadores se não tivesse feito tantas excursões pelo mundo? 


É, o Santos preferia excursionar porque rendia muito mais. Eu não cheguei a disputar a Libertadores. 


Na sua época os jogadores faziam carreira no Brasil e hoje os garotos saem muito cedo. Como vê isso? 


Na época não tinha essa facilidade pros estrangeiros jogarem na Europa. Acho que o último a ir pra lá foi o Jair da Costa, em 1962, pra Itália. Depois fechou o mercado. Quase que eu fui pra Inter (de Milão) em 1966. Depois da Copa do Mundo teve um quadrangular e o Santos jogou contra a Inter, Benfica e o AEK, da Grécia. Fomos campeões. A Inter ficou de olho, mas esse comércio só foi abrir depois de muitos anos, com o Falcão, que foi pra Roma. 


Mas a garotada hoje não sai muito cedo? 


É cedo, mas é que a grana fala muito mais alto. O garoto nem tanto, mas a família já pensa logo no dinheiro. Vejo muitos pais atrapalharem a carreira dos filhos por causa disso. A garotada tinha que fazer uma carreira bonita aqui e depois ir pra fora, com 21, 22 anos. 


O Santos sempre revelou talentos, mas ultimamente a base vai mal. Por quê?


O Santos parou de revelar porque parou de dar chances de trabalho pros ex-atletas. Joãozinho, Abel, João Paulo, Juary, Marcelo Passos, esses caras sabem se o menino é bom ou não, se pode crescer, se tem futuro. 


Como você vê o Santos de Jorge Sampaoli? 


Os últimos resultados não foram nada agradáveis, isso atrapalha porque o treinador coloca um time hoje, amanhã é outro, não deixa pegar conjunto. Ele pode ser bom treinador, mas de vez em quando inventa. Na Vila contra o Athletico-PR, o Fortaleza, não tem que jogar com três zagueiros. Me surpreendeu o Santos estar brigando pela liderança. 


O Sampaoli é um técnico diferenciado? 


Não, só que ele chegou e o time engrenou, deu certo. Mas não vejo nada diferente do que nós temos aqui. 


O time vai brigar pelo título até o final do Brasileiro?


Meu desejo é que sim, mas não vai ser fácil, tem que manter a mesma performance. O segundo turno é a hora da chegada, muitos que estão lá em cima vão descer. Contusões, cartões às vezes desfalcam alguns times. Aí é que eu quero ver. 


Quem você gosta de ver jogar nesse time do Santos?


O Soteldo, que é um jogador atrevido, vai pra cima, como eu jogava. Isso que é legal, eu vou pra lá (na Vila) pra ver isso. 


Os jogadores do seu Santos jogaram fácil hoje? 


Em qualquer lugar. Os de hoje não sei se jogariam naquele time (risos). 


Que atletas de hoje no Brasil jogariam naquela época?


São poucos, hoje tá difícil. Os garotos não têm ídolos. O flamenguista tá empolgado com o Gabigol, o Bruno Henrique... Eles não são ídolos pros garotos seguir. Eles foram pra Europa e voltaram. E o Bruno Henrique, quando chegou no Santos, começou assim, como está no Flamengo. Depois caiu. Na Alemanha foi a mesma coisa. Vamos ver até quando ele vai no Flamengo. 


E o Neymar?


É um baita jogador, esse é craque, fera, sou fã dele. 


Ele jogaria na sua época? 


Ele poderia jogar, aonde eu não sei (risos). Eu falo pros caras: Neymar podia jogar, mas com a 11 não (risos). 


Neymar vai dar a volta por cima? 


Sim, porque ele joga muita bola. Ele tem um arsenal de dribles, a bola chega e você não sabe o que ele vai fazer. Ele tem que ter uma boa atitude, tem que ser mais ou menos igual ao Messi. Toma porrada, levanta, vai embora, não olha nem pro juiz. Jogar bola, era o que eu fazia. 


E o Messi e o Cristiano Ronaldo, jogariam naquele Santos?


O Messi jogaria, o Cristiano eu não sei, ele é força. É goleador, mas eu gosto do Messi. O Cristiano poderia jogar, mas naquela época ele não teria a força que tem hoje. Antigamente, a gente tinha preparo físico bom, mas tínhamos uma técnica espetacular. E o cara que tem só força não sei se jogaria. 


Falando em preparo físico, você tinha problema para se manter no peso ideal? 


Nada disso, eu era forte. Eu tinha 70, 72 quilos, tenho 1,68m. Não tinha essa. 


Mas tem gente que fala que você jogava com uns quilinhos a mais... 


Isso até me ajudava, porque o adversário acreditava e eu deitava (risos). Os caras diziam que eu era gordinho, que eu não me dedicava nos treinos, só que tinha uma coisa: o Santos fazia 50 jogos no ano, eu jogava 48, 49. Me cuidava, me preparava, nunca tive um problema de contusão de joelho, distensão. 


Quem você vê aqui ou fora do Brasil que tem o seu estilo de jogo?


Ribéry, Robben, Hazard, Mbappé, jogador que vai pra cima, eu gosto de jogador ousado. Quem faz isso aqui? O cara pega a bola pra ir pra linha de fundo, para e espera o lateral vir pra tocar pra trás. Às vezes tem jogo que eu coloco pra gravar, porque aí eu só vejo os gols. Viu o jogo do Brasil esses dias? Não sei quantos passes errados. Ah, o campo é ruim, não ajuda, mas é ruim pros dois! 


Dá para botar fé na Seleção Brasileira para a Copa de 2022?


Ainda tá meio complicada, não tá definida pra falar que essa é a Seleção. 


O Tite é o cara certo para comandar a Seleção?


Nós não temos mais o treinador que a gente diz: esse é o cara pra Seleção. 


Qual foi a última grande Seleção Brasileira que você viu jogar?


A de 1982. Quando o Brasil jogou o nosso futebol, o Brasil ganhou. Agora ficar imitando europeu, igual a essa última Copa (da Rússia, em 2018)... O jogo contra a Bélgica foi um vexame, não fizemos nada pra reverter o placar. 
Você também jogou no Corinthians, mas isso não mudou o seu status com os santistas. É o que eu costumo dizer: tive um mal-entendido no Santos e mudei de emprego. Tem santista que diz ‘você só tem uma mancha na carreira: ter jogado lá (no Corinthians)’ (risos). 


Entre tantas histórias e conquistas, algum episódio em especial pelo Santos fora do Brasil?


Foi uma carreira super vitoriosa, títulos que alguém gostaria de vencer, nós vencemos. Entre os torneios internacionais, um extremamente importante foi o da Copa dos Campeões contra a Inter de Milão (em 1969). Lá em Milão, lembro bem do ataque: Toninho, Edu, Pelé e Abel. Eu joguei de centroavante e nós vencemos por 1 a 0, gol do Toninho. Nós demos um vareio, que eles ficaram quase dez minutos sem tocar na bola. Depois do jogo, no vestiário, eles nos entregaram o troféu. Eles tinham que jogar no Maracanã, mas não vieram, já nos entregaram o troféu. 


E o título mais marcante na sua carreira? 


O tricampeonato paulista (1967/1968/1969). Em 1967 nós ganhamos do São Paulo por 2 a 1 e eu fiz um dos gols. Em 1968 nós fomos campeões com 11 pontos à frente do segundo colocado (o Santos terminou com 45 pontos, 11 a mais do que o Corinthians, que somou 34). Por isso que depois eles começaram a fazer dois turnos, porque quando era pontos corridos, o Santos ganhava tudo (risos). 


Como você define a sua relação com o Santos? 


Aqui é a minha vida, joguei treze anos, sou muito grato ao Santos. Tudo o que eu tenho, o que eu conquistei e a minha projeção foi toda aqui. Na rua o pessoal sempre me para, tira foto, pede autógrafo. É bom pro ego, sinal de que fizemos alguma coisa boa. O importante é o extracampo, se manter humilde. Às vezes tem cara que me abraça e chora. De vez em quando eu também choro junto, é um negócio louco


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