Passados dois anos do Governo Bolsonaro, o ministro da Economia, Paulo Guedes, não conseguiu reduzir a burocracia e os custos elevados das empresas para manter um trabalhador formalizado.
Na última segunda-feira (28), em entrevista coletiva em Santos, o presidente Jair Bolsonaro, questionado por A Tribunasobre o auxílio emergencial, disse que “é muito difícil ser patrão no Brasil”, referindo-se em seguida ao alto custo dos salários no Brasil.
Mas, para especialistas ouvidos por A Tribuna, o governo fez pouco para facilitar a vida do empresário nessa primeira metade do mandato do presidente.
Entre os principais entraves citados estão os impostos relacionados à folha de pagamento, que encarecem a contratação, e a falta de criatividade para novas formas de arrecadação.
“Em impostos, nós somos o pior lugar do planeta para um empresário investir”, aponta o economista e professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Samy Dana.
Ele afirma que, apesar da agenda liberal, o atual governo pouco fez para o empresariado. “Ainda não conseguimos sair da discussão da reforma tributária. E não estou nem falando de mudar as alíquotas, somente de simplificação”, diz.
Dana explica que o nível de complexidade tributária do País não atrai investimentos nem impulsiona o empresário. Para ele, no entanto, setores que têm interesse nessa burocracia travam disputas para que nada mude.
Expectativa x Realidade
O empresário e proprietário do Complexo Andaraguá, André Ursini, diz que o governo gerou boas expectativas e certo alívio no setor empresarial após a escolha de Guedes para a pasta da Economia, mas depois deixou a desejar.
Segundo ele, a escolha facilitaria o crescimento dos negócios pela agenda liberal que Guedes e Bolsonaro defendiam durante a campanha de 2018.
Ursini vê na folha de pagamento um dos maiores entraves. Ele diz que ainda que reforma trabalhista tenha ajudado nas contratações, ela não foi ampla o suficiente.
“Acredito que poderia ter sido feito algo setorial. Locais como Norte e Nordeste precisam de mais incentivo para começar e o Sudeste para crescer mais”, diz.
Normas regulamentadoras
As Normas Regulamentadoras também são um problema na visão de Dana e Ursini. Bolsonaro criticou a quantidade de normas durante a fala com a imprensa, na segunda-feira, dizendo que “existem muitas regras” para o empregador.
O economista reforça que, apesar do discurso, existe uma incoerência com a realidade. “O fato é que poucas normas foram mudadas nesses dois anos”.
Ursini explica que essas normas complicam conforme a faixa que a empresa se enquadra. “Se você sai da classificação do Simples Nacional para Médio Porte, há cada vez mais e mais normas, favorecendo corrupção”.
A desoneração da folha de salários seria uma das soluções mais rápidas, por parte do governo, para melhorar a vida do empresário e facilitar a contratação, segundo a professora do Instituto de Pós-Graduação e Pesquisa em Administração da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Margarida Gutierrez.
Para a economista, o Governo Federal ajudaria muito se fizesse a desoneração da folha de mais setores, com mais agilidade.
A demora na assinatura da prorrogação da deso-neração da folha ameaçou prejudicar a preservação de empregos, segundo a Confederação Nacional da Indústria. A medida, adotada em 2020 por conta da pandemia de coronavírus, foi extendida até o fim de 2021.
Preço alto
O custo do empregado pelo regime das Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) é quase o dobro de seu salário, segundo Margarida. No entanto, diz, a desoneração da folha em mais setores já aliviaria essa pressão.
“Guedes tentou desonerar a folha, fazer um imposto digital. Não é o melhor imposto, mas foi malvisto e Bolsonaro desistiu”, diz ela.
Margarida cita o exemplo do Simples Nacional, que foi criado para incentivar microempresas em 1996. “Nele, micro e pequenas empresas, ao invés de pagarem oito tipos de impostos, pagam um. No entanto, a exceção virou regra. Hoje, 74% das empresas brasileiras estão no Simples”.
Esse sistema incentiva a empresa a ficar pequena porque, ao invés de crescer, ela cria uma nova, gerando ineficiência, segundo a economista. Pelo sistema atual, ao invés do custo médio da empresa cair quando ela cresce, aumenta, explica ela.
“A empresa não quer crescer para não sair do Simples. E o MEI acontece o mesmo”, diz, referindo-se ao Microempreendedor Individual, regime criado em 2008. Nele, há imposto reduzido com intuito de regularizar negócios informais com até um funcionário.
Sonegação
Na prática, o MEI hoje serve de atalho, diz o empresário André Ursini. Ele afirma que empresas estabelecem contratos via CLT para funcionários da base. Cargos de gerência viram MEIs que recebem um salário maior com custo mais baixo à empresa.
“O nosso sistema protege quem está no mercado formal de trabalho, mas impede os informais de entrarem, por isso nossa mobilidade de mão de obra é tão baixa. Contratar custa e demitir também. São pseudodireitos, que tornam o trabalho mais rígido e menos funcional. Mais flexibilidade no mercado de trabalho, que passa pela desoneração, ia causar um aumento dos salários naturalmente”, conclui.
Bolsonaro
Durante a coletiva de imprensa na Vila Belmiro, após o jogobeneficente Natal Sem Fome, no dia 28, Bolsonaro disse, emresposta a questionamento de A Tribuna sobre o auxílio emergencial,que “o melhor auxílio que pode dar para as pessoas é o emprego”. Perguntado, então, se achava o valor do salário mínimo insuficiente para resolver uma situação familiar, se exaltou, afirmando que falaria ao Ministro da Economia, Paulo Guedes, para criar o programa “Minha Primeira Empresa”. “Você (repórter) faz o seguinte, sai da sua televisão, abre sua empresa e contrata alguém pagando R$ 10 mil por mês para você ver comoé fácil a vida do patrão. Não é fácil ser empresário no Brasil”, disse.