Unidade para lixo em Santos levanta discussão

Denominado Unidade de Recuperação Energética, projeto para o Sítio das Neves, em Santos, motiva questionamento ambiental

Por: Matheus Müller  -  11/07/20  -  00:31
Espaço para queima de lixo seria instalado na região do aterro existente na Área Continental
Espaço para queima de lixo seria instalado na região do aterro existente na Área Continental   Foto: Arquivo/Rogério Soares/AT

Com a suspensão judicial da reforma do Parque Municipal Roberto Mário Santini, no Emissário Submarino, no José Menino, um empreendimento previsto para a Área Continental de Santos ganhou evidência: a Unidade de Recuperação Energética (URE), projetada para o aterro sanitário do Sítio das Neves.


A URE é planejada pela empresa Valoriza Energia SPE Ltda., que, conforme termo de compensação firmado com a Prefeitura, custearia a reforma do parque. Porém, especialistas levantam dúvidas quanto à limpeza do sistema a ser adotado para o processamento de lixo urbano, dizendo que poderá causar poluição ambiental.


A Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb) está analisando o Estudo Prévio de Impacto de Vizinhança (EIV) sobre a URE, aprovado em nível municipal. Depois, o documento seria enviado ao Conselho Estadual do Meio Ambiente (Consema). Porém, na quarta-feira, o juiz Leonardo Grecco, da 1ª Vara da Fazenda Pública em Santos, concedeu tutela de urgência para suspender as obras de revitalização, o termo e a validade do EIV.


Grecco apontou que tal reforma deveria ter passado por audiência pública, mas ressaltou que o momento de pandemia não beneficia esse procedimento. Ele também destacou que a obra no Emissário Submarino está atrelada à URE, que nem sequer teve autorização para ser instalada e também deveria ser discutida publicamente. 


Município


A Prefeitura informou que cumprirá a decisão e repetiu, ontem, que o pacote de intervenções foi autorizado por Sabesp, Cetesb, Ibama (órgão ambiental federal) e Secretaria do Patrimônio da União (SPU), passando por consulta ao Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Artístico e Turístico do Estado de São Paulo (Condephaat). 


O Município reiterou que “as obras na plataforma do Emissário Submarino e em parte do jardim da praia foram aprovadas pela Câmara Municipal. Pela primeira vez, um conjunto de intervenções neste local é submetido à apreciação do Legislativo”.


A Valoriza Energia não quis se manifestar.


O que diz a Câmara


O presidente da Câmara de Santos, Rui De Rosis (PSL), afirma que “a Lei Orgânica não exige que a gente faça uma audiência” sobre a reforma do Emissário. “A Câmara tem o direito de autorizar.” Ao tratar da relação da URE com a remodelação do parque e da cobrança judicial por mais discussão sobre o impacto ambiental da unidade, De Rosis disse que “uma coisa não tem nada a ver com a outra”. “As pessoas estão fazendo uma relação entre o Emissário e o incinerador. Isso é uma falta de respeito.” O presidente afirma nunca ter conversado com o prefeito Paulo Alexandre Barbosa (PSDB) sobre a URE. De acordo com ele, o Legislativo só vai debater o assunto caso a Prefeitura envie um projeto à Câmara. De Rosis pondera que a discussão sobre a URE é baseada em suposições. “A hora em que chegar aqui, é claro que vamos debater, ainda mais um assunto tão polêmico. A Câmara é responsável nisso, pode acreditar.”


Engenheiro adverte para risco à natureza


O engenheiro químico Élio Lopes alerta que é necessária discussão ampla e técnica sobre a URE – que, segundo ele, transformará material orgânico em “resíduos perigosos”. “Não é da forma como está sendo feito, de afogadilho. Um processo dessa magnitude deve passar por audiência pública.” Porém, pensa que, com a pandemia, o trâmite deveria ser paralisado. 


Lopes aponta que a URE é um incinerador, gera poluição e não se enquadra na Política Nacional de Resíduos Sólidos. A lei estabelece prioridades, pela ordem: não geração de resíduos, coleta seletiva, reciclagem. Só depois se prevê recuperação energética, mas não se fala em incineradores. 


“A incineração é mais fácil, como pegar um saquinho plástico cheio de lixo e lançar dentro do incinerador, o que não é sustentável. Ele tem muito mais desvantagens do que vantagens. É uma máquina que vai pegar esses resíduos, queimá-los em determinada temperatura e reduzir seu volume.” 


Lopes diz que o processo gera outros poluentes atmosféricos e “plumas” de metais pesados, dióxisdo de carbono (CO2), óxido de nitrogênio, dioxina e furanos. Estes últimos são cancerígenos, pois provêm de lixo com material à base de cloro, como sacos e copos plásticos. 


O engenheiro aponta mais tipos de elementos decorrentes da queima. “Escória, cinzas volantes (o que sai pela chaminé) e uma lama proveniente dos lavadores de gases (são ácidos e precisam ser arrefecidos). Esses três resíduos precisam ser dispostos de maneira certa, pois têm contaminantes.”


A sobra do que fosse incinerado precisaria ser encaminhada a um aterro de resíduos perigosos, diz. “O mais próximo é em Barueri ou Tremembé, próximo de Campos do Jordão. Olhe o custo do transporte, os riscos associados a acidentes e custos que a Prefeitura vai ter”, sugere. 


Lopes: URE transformará material orgânico em “resíduos perigosos”
Lopes: URE transformará material orgânico em “resíduos perigosos”   Foto: Arquivo/Irandy Ribas/AT

Tratamento Biológico


Élio Lopes destaca que, para a Baixada Santista, onde 50% do lixo é orgânico, o ideal é o tratamento biológico. “Ele se incorpora perfeitamente à Política Nacional de Resíduos Sólidos. Dentro do tratamento biológico só pode entrar material orgânico, o inorgânico não entra. Esse resíduo orgânico vai gerar um gás biológico, que vai ser queimado para depois gerar energia. Você não queima o resíduo, você queima o gás.”


Lopes conclui que, “além de ser mais barato, não gerar poluentes e só ter vantagens, o tratamento biológico exige um trabalho de separação e de triagem de recicláveis.


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