Com a suspensão judicial da reforma do Parque Municipal Roberto Mário Santini, no Emissário Submarino, no José Menino, um empreendimento previsto para a Área Continental de Santos ganhou evidência: a Unidade de Recuperação Energética (URE), projetada para o aterro sanitário do Sítio das Neves.
A URE é planejada pela empresa Valoriza Energia SPE Ltda., que, conforme termo de compensação firmado com a Prefeitura, custearia a reforma do parque. Porém, especialistas levantam dúvidas quanto à limpeza do sistema a ser adotado para o processamento de lixo urbano, dizendo que poderá causar poluição ambiental.
A Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb) está analisando o Estudo Prévio de Impacto de Vizinhança (EIV) sobre a URE, aprovado em nível municipal. Depois, o documento seria enviado ao Conselho Estadual do Meio Ambiente (Consema). Porém, na quarta-feira, o juiz Leonardo Grecco, da 1ª Vara da Fazenda Pública em Santos, concedeu tutela de urgência para suspender as obras de revitalização, o termo e a validade do EIV.
Grecco apontou que tal reforma deveria ter passado por audiência pública, mas ressaltou que o momento de pandemia não beneficia esse procedimento. Ele também destacou que a obra no Emissário Submarino está atrelada à URE, que nem sequer teve autorização para ser instalada e também deveria ser discutida publicamente.
Município
A Prefeitura informou que cumprirá a decisão e repetiu, ontem, que o pacote de intervenções foi autorizado por Sabesp, Cetesb, Ibama (órgão ambiental federal) e Secretaria do Patrimônio da União (SPU), passando por consulta ao Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Artístico e Turístico do Estado de São Paulo (Condephaat).
O Município reiterou que “as obras na plataforma do Emissário Submarino e em parte do jardim da praia foram aprovadas pela Câmara Municipal. Pela primeira vez, um conjunto de intervenções neste local é submetido à apreciação do Legislativo”.
A Valoriza Energia não quis se manifestar.
O que diz a Câmara
O presidente da Câmara de Santos, Rui De Rosis (PSL), afirma que “a Lei Orgânica não exige que a gente faça uma audiência” sobre a reforma do Emissário. “A Câmara tem o direito de autorizar.” Ao tratar da relação da URE com a remodelação do parque e da cobrança judicial por mais discussão sobre o impacto ambiental da unidade, De Rosis disse que “uma coisa não tem nada a ver com a outra”. “As pessoas estão fazendo uma relação entre o Emissário e o incinerador. Isso é uma falta de respeito.” O presidente afirma nunca ter conversado com o prefeito Paulo Alexandre Barbosa (PSDB) sobre a URE. De acordo com ele, o Legislativo só vai debater o assunto caso a Prefeitura envie um projeto à Câmara. De Rosis pondera que a discussão sobre a URE é baseada em suposições. “A hora em que chegar aqui, é claro que vamos debater, ainda mais um assunto tão polêmico. A Câmara é responsável nisso, pode acreditar.”
Engenheiro adverte para risco à natureza
O engenheiro químico Élio Lopes alerta que é necessária discussão ampla e técnica sobre a URE – que, segundo ele, transformará material orgânico em “resíduos perigosos”. “Não é da forma como está sendo feito, de afogadilho. Um processo dessa magnitude deve passar por audiência pública.” Porém, pensa que, com a pandemia, o trâmite deveria ser paralisado.
Lopes aponta que a URE é um incinerador, gera poluição e não se enquadra na Política Nacional de Resíduos Sólidos. A lei estabelece prioridades, pela ordem: não geração de resíduos, coleta seletiva, reciclagem. Só depois se prevê recuperação energética, mas não se fala em incineradores.
“A incineração é mais fácil, como pegar um saquinho plástico cheio de lixo e lançar dentro do incinerador, o que não é sustentável. Ele tem muito mais desvantagens do que vantagens. É uma máquina que vai pegar esses resíduos, queimá-los em determinada temperatura e reduzir seu volume.”
Lopes diz que o processo gera outros poluentes atmosféricos e “plumas” de metais pesados, dióxisdo de carbono (CO2), óxido de nitrogênio, dioxina e furanos. Estes últimos são cancerígenos, pois provêm de lixo com material à base de cloro, como sacos e copos plásticos.
O engenheiro aponta mais tipos de elementos decorrentes da queima. “Escória, cinzas volantes (o que sai pela chaminé) e uma lama proveniente dos lavadores de gases (são ácidos e precisam ser arrefecidos). Esses três resíduos precisam ser dispostos de maneira certa, pois têm contaminantes.”
A sobra do que fosse incinerado precisaria ser encaminhada a um aterro de resíduos perigosos, diz. “O mais próximo é em Barueri ou Tremembé, próximo de Campos do Jordão. Olhe o custo do transporte, os riscos associados a acidentes e custos que a Prefeitura vai ter”, sugere.
Tratamento Biológico
Élio Lopes destaca que, para a Baixada Santista, onde 50% do lixo é orgânico, o ideal é o tratamento biológico. “Ele se incorpora perfeitamente à Política Nacional de Resíduos Sólidos. Dentro do tratamento biológico só pode entrar material orgânico, o inorgânico não entra. Esse resíduo orgânico vai gerar um gás biológico, que vai ser queimado para depois gerar energia. Você não queima o resíduo, você queima o gás.”
Lopes conclui que, “além de ser mais barato, não gerar poluentes e só ter vantagens, o tratamento biológico exige um trabalho de separação e de triagem de recicláveis.