Raul Wassermann, um grande editor e seu legado

Santista de nascimento, era reconhecido no mercado editorial e um dos criadores da Bienal do Livro

Por: Ivani Cardoso  -  11/07/20  -  16:33
Entre suas atividades, presidiu a Câmara Brasileira do Livro, responsável pela Bienal de São Paulo,
Entre suas atividades, presidiu a Câmara Brasileira do Livro, responsável pela Bienal de São Paulo,   Foto: Divulgação

Quando soube da morte do Raul Wassermann, nesta quinta-feira (9), santista como eu e um amigo querido, pensei: e lá se vai um dos homens mais inteligentes que eu conheci, com uma trajetória de mais de 45 anos no mercado editorial. Sabia que estava doente, mas a partida deixa sempre um vazio. Conheci o Raul em 2002, quando trabalhava na Agência da jornalista Lu Fernandes e fui coordenar a comunicação da Bienal Internacional do Livro de São Paulo.


Raul presidia a Câmara Brasileira do Livro, realizadora da bienal. Desde então, nossa relação sempre foi excelente, fortalecida também com o trabalho na CBL logo após a Bienal. Raul dificilmente sorria, era muito crítico e exigente, mas preservava o humor apurado na ironia do olhar atento.


Sua figura altiva impunha respeito e conhecia o mercado editorial como poucos. Nunca deixou perguntas sem respostas aprofundadas nas entrevistas com jornalistas. Mesmo com todas as agruras do setor, principalmente nos últimos anos, falar do livro e da leitura ainda provocava muitas reflexões e o entusiasmo de quem não perde a esperança.


Como Presidente da CBL, criou o Circuito Paulista do Livro para divulgar a leitura no interior paulista e melhorar o acervo das bibliotecas escolares. Muitas dessas feiras se consolidaram desde então. Na Bienal de 2002 ousou fazer a mudança do evento do Center Norte para o Centro Imigrantes. Muitos eram contra, achavam que as pessoas não iriam ao novo espaço. Raul e sua diretoria apostaram que daria certo. E deu. Já no primeiro dia, a fila de carros na Rodovia dos Imigrantes para o acesso era a prova do acerto. Foi uma bela bienal com recorde de público e de vendas.


No balanço final, Raul disse: “O objetivo da Bienal não é o de ser uma grande livraria, mas "trazer o público para junto do livro. Quando se coloca o livro num espaço agradável, organizado e lúdico, a resposta é positiva". Para ele, o livro sempre mereceu uma posição privilegiada.


Descendente de judeus migrados da antiga Bessarábia, hoje Moldávia, Raul nasceu em Santos e herdou da mãe, leitora compulsiva, o gosto por livros. O pai era dono de loja de móveis, Mobiliário Wassermann, na Senador Feijó, onde começou seu interesse pelo comércio. Estudou no Canadá e no Tarquínio Silva e com 17 anos veio para São Paulo cursar Engenharia pelo Mackenzie, mas estudou também matemática e jornalismo.


Mesmo distante da Cidade, ela fazia parte das boas lembranças de sua vida: “A adolescência em Santos, na década de 60, foram os melhores anos da minha vida. Era uma fase de efervescência cultural, espetáculos de música e teatro o tempo todo”.


Criou o Grupo Editorial Summus há 46 anos, uma referência em títulos de não ficção nas áreas de Educação, Comunicação, Psicologia e Saúde. Quando não se falava em publicações segmentadas, ele lançou o Selo Negro Edições e Edições GLS, além de outros cinco selos - Summus Editorial, MG Editores, Mescla Editorial, Selo Negro Edições e Plexus Editora. O selo Ágora conta com autores como Flávio Gikovate, Moacir Scliar, José Ângelo Gaiarsa, Nei Lopes e Doc Comparato.


Entre outras participações no mercado editorial, foi fundador e o primeiro presidente da ABDR - Associação Brasileira de Direito Reprográfico, entidade dedicada a defender os direitos de autores e editoras contra a cópia não autorizada. Integrou ainda o Conselho da IFFRO - International Federation of Reprografic Rights.


Raul sempre reclamava da falta de tempo para ler tudo o que desejava e seus escritores preferidos eram Philip Roth, Amós Oz e Érico Verísso, seu padrão de autor. Gostava de acompanhar também as aventuras do Delegado Espinosa nos livros do escritor e psiquiatra Luiz Alfredo Garcia-Rosa.


Na última entrevista com ele, perguntei se havia futuro para o livro. Ainda bem que a resposta foi afirmativa: “Há sim, talvez não da forma que é hoje e não sei de que forma será, mas acho que vai existir, principalmente para as editoras, porque conteúdo sempre será necessário”.


Nesta quinta o câncer levou a melhor e Raul morreu no Hospital Sírio Libanês, em São Paulo, de complicações em decorrência do tratamento. Ele deixa a esposa, Edith Elek, três filhos e 5 netos. Deixa, ainda, um grande legado de amor pelos livros, pela leitura, pelo conhecimento. Pela tranquilidade de algumas conversas que tivemos sobre morte e envelhecer, ele estava bem preparado para a passagem. Até um dia!


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