Era uma vez: Revolução Viária

Há 100 anos, uma lei consolidava a nomenclatura de todas as vias de Santos

Por: Sérgio Willians & Colaborador &  -  07/02/21  -  21:25
CET-Santos estima em 80% redução do movimento viário na cidade
CET-Santos estima em 80% redução do movimento viário na cidade   Foto: Alexsander Ferraz/AT

Santos, 14 de janeiro de 1921. A sala de sessões da Câmara Municipal de Santos (à época localizada nos casarões do Valongo, atual Museu Pelé) estava lotada para a reunião extraordinária solicitada pelo segundo secretário da Mesa Diretora, vereador José de Souza Dantas, autor de um projeto de lei (PL) que prometia se tornar um divisor de águas na questão dos nomes dados às vias públicas da Cidade. Até então, não existia regramento para batizar ruas, praças, largos, travessas e outros tipos de vias, fossem públicas ou privativas.


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A escolha dos seus nomes acontecia de forma natural, impulsionada pela vontade popular ou pela força política de agentes públicos ou figuras de notável influência na sociedade, como foi, por exemplo, o caso da Avenida Ana Costa, que ganhou tal nomenclatura em 1889 em razão do poderio econômico de seu marido, Mathias Costa, que obteve junto à Câmara tal privilégio por ter contribuído monetariamente com a abertura da “estrada” entre a Vila Mathias e a Praia da Barra, na altura do Bar do Gonzaga.


Na década de 1920, Santos crescia a olhos vistos e sua pujança urbana já não combinava mais com o ritual antiquado para o batismo das vias públicas. Era preciso botar ordem na casa e classificar os logradouros levando em conta critérios mais sólidos, democráticos e técnicos. O Departamento de Viação e Obras Públicas da Prefeitura já havia desenhado um amplo projeto de ocupação urbana, idealizando novas vias em praticamente toda a Zona Leste da Cidade, que era o foco do desenvolvimento santista.


A criação de novas ruas, praças, avenidas e outros teria de obedecer a tais critérios. Por outro lado, as vias antigas precisavam ser oficializadas, ou terem confirmadas as trocas de suas nomenclaturas, como o caso do Velho Caminho da Barra, que passou a se chamar Luiz de Camões a partir dali, e de outras 26 vias públicas (veja quadro). Esse era o escopo do PL de Dantas.


“Ao revisar a nomenclatura das vias públicas, a ideia era suprimir denominações em duplicidade, bem como nomes de pessoas que nenhum serviço prestaram na vida pública a ponto de ratificar o merecimento à homenagem. Procurando substituir esses nomes, a Comissão de Justiça e Poderes da Câmara consubstanciou nas novas nomenclaturas a história da Pátria, exaltando as pessoas ilustres que se elevaram ou conquistaram o respeito de seus concidadãos”, despachou Dantas em seu relatório de apresentação.


Adaptando a Cidade


Muitas das ruas e avenidas que tiveram seus nomes trocados existiam há anos, como a Estrada de Rodagem para Cubatão, que ganhou o nome de Avenida Bandeirantes, ou a tradicional Rua Santo Antônio, que foi oficializada como Rua do Comércio. Já a Praça Marechal Deodoro, assim denominada em 1917, trocaria de nome a partir da Lei de Dantas, em 1921, para Praça Independência, uma vez que a mesma abrigaria, em 1922, o grande monumento dedicado à memória dos irmãos Andradas, pelo Centenário da Independência do Brasil.


Dentro do conceito de Dantas sobre os nomes de pessoas que não denotavam relevância para se tornarem logradouros, o corte maior ficou dentro da família Ablas, já que três de seus membros (Pedro, João e Catarina), que batizavam ruas na Vila Nova e Macuco, foram substituídos por nomes de países (Uruguai, Chile e República Portuguesa). Só Henrique Ablas sobreviveu ao filtro do PL, aprovado naquela sessão extraordinária, sancionado pelo prefeito Coronel Joaquim Montenegro e promulgado em 16 de fevereiro.


Assim, o PL virou a Lei Municipal 647, que entraria em vigor apenas em 1º de janeiro de 1922. Era o tempo necessário para que todos os santistas se acostumassem com a nova realidade resultante da Revolução Viária.


Curiosidades


No Artigo 3º da Lei 647 ficou determinado que não seriam dados nomes de pessoas vivas às vias públicas, salvo quando se tratasse de personalidade de grande notoriedade, que por seus serviços ao Município, Estado ou País se tornassem merecedores da homenagem ou quando a indicação fosse feita por meio de representação à Câmara, por um terço dos eleitores da Cidade


O Artigo 4º determinava que, nas novas ruas, avenidas, praças, largos e travessas, seriam preferencialmente dadas denominações de datas que lembrassem fatos históricos com significação geográfico e tradicional, ou nomes de mortos ilustres que se recomendassem à veneração e estima públicas


No Artigo 5º, às novas travessas, becos, vielas e ruas particulares não seriam dadas denominações de vias publicas já existentes, como era muito comum antes da década de 1920. Nenhum particular poderia dar denominação às ruas abertas, mesmo se custeada por ele ou em terrenos de sua propriedade, sem prévia autorização da Prefeitura e aprovação da Câmara Municipal.


Sobre o autor


Sergio Willians é jornalista e pesquisador da história de Santos. Conheça mais de seu trabalho nesse site.


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