Atitude de desembargador com guardas em Santos põe em discussão o ‘jeitinho brasileiro’

Caso envolvendo desembargador desperta discussão sobre uso da hierarquia para constrangimento

Por: Júnior Batista  -  21/07/20  -  11:37
Siqueira disse que toma remédios para tratar problemas de ansiedade e no coração
Siqueira disse que toma remédios para tratar problemas de ansiedade e no coração   Foto: Reprodução/Facebook

A atitude do desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) Eduardo Almeida Prado Rocha de Siqueira, que ofendeu um guarda civil de Santos no fim de semana após ser multado por caminhar sem máscara, traz à tona algo intrínseco e ligado, principalmente, à formação escravocrata no País: o jeitinho brasileiro.


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O professor e doutor em Sociologia Rodrigo Augusto Prando explica que essa atitude nasce de uma desigualdade estrutural profunda que se mantém no País. “Nós nos desenvolvemos economicamente, mas não deixamos os traços escravocratas, que ressaltavam a diferença de classes de maneira muito clara”. 


Prando, que também é pesquisador do Centro de Ciências Sociais e Aplicadas da Universidade Presbiteriana Mackenzie, explica que o “jeitinho brasileiro” vem de uma atitude aparentemente simpática, mas que cai por terra quando há uma situação de embate.


“Quando o jeitinho alegre não resolve, apela-se para reforçar aquela posição hierárquica no intuito de constranger o interlocutor. Essa forma pode estar ligada a quem está no topo da elite econômica ou educacional, mas também é usada por pessoas mais simples que acionam amigos ou padrinhos”.


O tempo histórico, diz o professor, não acompanhou o econômico. “Quando entramos numa situação política republicana, queríamos ser modernos, mas nossa mentalidade ainda é aristocrática. Os grupos sociais estão em espaços distintos e não há mobilidade. Em sociedades modernas, você pode mudar o seu status, no entanto, a mentalidade pode não se desenvolver, criando uma situação estamental. Não trata-se de egoísmo e sim de status social”.


Prando afirma que, embora a imagem que rodou o País tenha causado espanto, Siqueira fez algo que, para quem conhece o meio jurídico, é muito comum. Tanto que o desembargador possui histórico de desentendimentos (veja mais abaixo).


Longe do ideal


Na avaliação do advogado criminalista Jonathan Pontes, não fez diferença no dia a dia do País uma lei aprovada ano passado pelo Congresso Nacional e sancionada pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido) que prevê a crimes de abuso de autoridade penas de até quatro anos de detenção.


As punições ainda estão longe de serem justas e eficientes e há lacunas que ainda permitem divergência de interpretação, ocasionando em penas mais brandas, como afastamentos ou suspensões - em alguns casos, sem interrupção de pagamento de salário, por exemplo.


Pontes avalia que, neste caso, cabem ações criminais e civis por parte dos guardas municipais contra Siqueira. “Cabe com certeza ao menos uma ação por injúria (pelo xingamento de ‘analfabeto’), no campo criminal, além de uma ação de responsabilidade civil, com direito a danos morais e retratação pública”.


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