Professores sofrem com transtornos mentais e de comportamento na Baixada Santista

Dados apontam que em 2018 mais de 40% dos docentes que se afastaram do trabalho apresentavam problemas como ansiedade, depressão e síndrome do pânico

Por: Tatiane Calixto & Da Redação &  -  20/10/19  -  16:36
  Foto: Carlos Nogueira/AT

No ano passado, das 129.045 licenças médicas concedidas a professores de Educação Básica da rede estadual de ensino, 53.276 foram por causa de transtornos mentais e comportamentais. Na Baixada Santista, naquele mesmo ano, esses transtornos foram responsáveis por 2.464 licenças. Isso significa que 44,19% dos afastamentos na região (5.575) aconteceram porque os docentes estavam sofrendo de problemas como ansiedade, depressão ou síndrome do pânico.  


Os dados são do Departamento de Perícias Médicas do Estado, ligado à Secretaria Estadual da Fazenda e Planejamento. As estatísticas também mostram que, neste ano de 2019, até 31 de agosto, foram concedidas a professores da região 1.327 licenças médicas pelo Capítulo 5 da Classificação Internacional de Doenças (CID) 10, que trata dos transtornos mentais e comportamentais.  


Na Diretoria de Ensino de Santos – que compreende ainda as cidades de Bertioga, Cubatão e Guarujá –, de 1.393 licenças autorizadas pelo Estado de janeiro a agosto, 496 foram pelo Capítulo 5. Na diretoria de São Vicente – que também reúne Itanhaém, Mongaguá, Peruíbe e Praia Grande –, as licenças por transtornos mentais e comportamentais chegaram a 831 neste período, ou seja, 45,93% das 1.809.  


Transtorno 


Em algum momento, a professora Ana (nome fictício) fez parte dessas estatísticas e teve de se afastar temporariamente das salas de aula. “Eles são menores, não fazem por maldade. Mas quando acontece todo dia, a gente vai ficando transtornada. Eram a bagunça, a desobediência na classe. O desrespeito. Aguentei durante um ano e meio. Depois, cai”, conta.  


Ela lembra que a gota d’água que fez seu copo cheio de violências verbais e muita pressão transbordar foi quando um grupo de alunos riscou seu carro. “Eles detonaram meu carro. E eu nunca tive apoio da diretoria da escola. Desenvolvi um caso grave de ansiedade, e isso gerou outras doenças, como problemas gástricos e um quadro de pré-diabetes.”  


Apesar de estar se tratando da ansiedade com medicação, Ana afirma que também viveu momentos de síndrome do pânico e depressão.  


“O trabalho do professor é pesado. Não é só ali no momento na classe. É em casa preparando aula, com a parte burocrática, preocupada com o desenvolvimento do aluno, dos problemas que eles trazem de casa. E, no meu caso, isso tudo era multiplicado por dez horários de aula que eu tinha na época”, descreve.  


Inquietante 


Para a presidente da Associação Nacional de Medicina do Trabalho (ANAMT), Rosylane Rocha, os dados são inquietantes, pois todo afastamento em decorrência de adoecimento mental preocupa. “A cada dez pacientes, apenas um tem acesso ao tratamento especializado”, revela.  


Segundo ela, a Organização Mundial da Saúde (OMS) publicou que a depressão será a doença mais incapacitante já no próximo ano. Estima-se que entre 20% e 25% da população teve, tem ou terá depressão. A ansiedade afeta 19 milhões, levando o Brasil a ocupar o primeiro lugar entre os países com mais ansiosos.  


“Nesse sentido, a atenção do médico do trabalho para os afastamentos de professores em virtude de doença mental deve ser redobrada. Análise de riscos e intervenção no contexto do trabalho, além do acompanhamento no tratamento psiquiátrico, são medidas necessárias”, alerta. 


“Escola se torna espaço de doença”  


“Se o professor está adoecendo e se afastando da escola, é porque a própria escola está adoecida e precisa ser cuidada.” É assim que a psicóloga, doutora em Educação e docente do Departamento de Educação da faculdade de Ciências da Universidade Estadual Paulista (Unesp) Rita Melissa Lepre analisa a situação.  


Afastamentos por crises de pânico, depressão, transtornos de ansiedade vinculados ao exercício da docência revelam o mal-estar que o dia a dia na escola vem produzindo.  


“A escola deveria ser espaço de construção coletiva de conhecimento, de saúde, alegria, mas vem se tornando espaço de adoecimento, a ponto de organizações que estudam a vida profissional do docente considerarem o magistério uma profissão de risco, sobretudo, para o adoecimento mental”, diz.  


Para ela, a falta de vínculos estáveis nos locais de trabalho, os baixos salários que obrigam o professor a trabalhar em várias escolas em turnos diferentes, sem, de fato, se envolver com nenhuma instituição são alguns dos problemas. Além deles, as formações iniciais e continuadas precárias e a escassez de políticas públicas voltadas à Educação também contribuem para esse cenário.  


“Se o professor adoece psiquicamente, essa relação (professor-aluno) fica afetada, e surgem dificuldades de aprendizagem”, adverte.  


“Precisamos investir no professor” 


Adriana Fóz é neuropsicóloga, psicopedagoga, pesquisadora do Laboratório de Neurociência Clínica da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e diretora da NeuroConecte, que desenvolve trabalhos de aprendizagem socioemocional, inclusive para professores. Para ela, é urgente rever a formação dos professores para que eles possam ensinar.  


“Precisamos investir no professor para sermos capazes de investir no aluno”, diz. Por isso, Adriana classifica como “descompasso” a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) falar em ensinar habilidades socioemocionais aos estudantes já a partir do ano que vem. “Mas quem ensinou isso aos professores? Se não nos mexermos, isso será algo que ficará apenas no papel”, analisa.  


Ela explica que os adultos precisam ter recursos para que sirvam de modelo. Isso porque, seguindo evidências de estudos com neurônios espelho, sabe-se que as crianças, principalmente as mais novas, aprendem com exemplos, imitando.  


“Se o professor não sabe lidar com a própria raiva ou a frustração, o aluno poderá reproduzir isso” e, então, o ambiente de aprendizado fica prejudicado. “E isso não é pensando em colocar uma carga a mais para o docente, mas dar a ele ferramentas que possam ajudá-lo em sala de aula”, considera. 


Estado 


A Secretaria de Educação do Estado de São Paulo, por meio de nota, esclarece que a valorização do professor é prioridade para a atual gestão e que a pasta desenvolve um conjunto de medidas voltadas não só para a maior eficiência na sua gestão de recursos humanos, mas também para a melhoria das condições de saúde de seus profissionais. Uma dessas iniciativas é o serviço especializado oferecido pelo Instituto de Assistência Médica ao Servidor Público Estadual (Iamspe). “Os servidores podem buscar atendimento, inclusive de forma preventiva.”  


Logo A Tribuna
Newsletter