'Pandemia nos trouxe novas formas de se comunicar. E isso vai se potencializar', diz Adriana Favaro

Diretora Comercial da Kantar IBOPE Media pondera que entender esse movimento é uma ferramenta importante também para o mercado publicitário

Por: Arminda Augusto  -  02/08/20  -  13:10
  Foto: Divulgação

Entre tantas transformações que a pandemia do coronavírus tem promovido, uma delas é no consumo de informação. Entender esse movimento é entender a própria sociedade, sob o ponto de vista sociológico e comportamental. No início da pandemia, por exemplo, cresceu o consumo de jornalismo, de notícias, já que a falta de conhecimento sobre o novo vírus e quais medidas preventivas adotar exigia buscar nos canais confiáveis informação correta.


Com o passar dos meses, a saturação da quarentena levou o público a diversificar o consumo, dividindo o interesse entre jornalismo e entretenimento, movimento que fez crescer o consumo de música, filmes em plataformas pagas e conteúdos mais leves.


Recentemente, a Kantar Ibope, empresa que realiza pesquisas de comunicação, consumo de mídia e faz medição no meio digital, divulgou estudo que mostra a relação entre a pandemia e o comportamento das pessoas diante de tanta oferta de conteúdo, nos mais diversos meios.


Pesquisa feita durante a pandemia com 8 mil entrevistados identificou, por exemplo, que 37% das pessoas enxergam nos jornais (tanto impresso como na versão digital) as fontes mais confiáveis de informação, seguidos por TV e rádio. Em último lugar nesse ranking estão os sites não-ligados a veículos de comunicação. Houve, também, um crescimento no consumo de revistas (17%) e de jornais impressos (14%). 


Outro dado: 37% dos leitores acreditam que estar preparado e bem informado é fundamental neste momento, e 61% afirmam que a crise do coronavírus ajudou a adotar melhor a tecnologia no dia a dia.


Adriana Favaro pondera que entender esse movimento é uma ferramenta importante também para o mercado publicitário, na medida em que pode associar suas marcas aos veículos de credibilidade.


Com tantos canais e fontes disponíveis, onde as pessoas estão indo buscar informação?


Todos os meios, todas as plataformas de informação foram impactados nessa pandemia. Cada um com uma intensidade. O cinema, sem dúvida, foi o mais impactado, já que as salas foram fechadas. Um ponto chamou muito a nossa atenção. Com as pessoas dentro de casa, o consumidor ficou muito conectado 24 horas por dia, e muitas passaram a experimentar os canais digitais: TV on-line, podcasts nas rádios, mídias sociais. Ou seja, tudo que já existia passou a ser mais acessado por esse consumidor dentro de casa. 


E que tipo de conteúdo se consumiu mais nesse período?


Essa é uma questão bem interessante e eu te respondo assim: variou muito, não tem sido uniforme desde que a pandemia começou. Em março e abril, por exemplo, no início das medidas restritivas, houve um aumento considerável da audiência de TV. Aumentou também o tempo médio das pessoas consumindo TV. Depois desse pico, a tendência começou a voltar para os patamares anteriores. Esse crescimento esteve muito atrelado ao consumo de jornalismo, de informação. As pessoas precisavam entender o que estava acontecendo, cuidados e riscos. O jornalismo foi o carro-chefe desse aumento. 


E o que você quer dizer quando fala que, agora, já voltou aos patamares de antes da pandemia?


Que as pessoas dentro de casa começaram a buscar outras formas de entretenimento. Aquela fase de só notícia o tempo todo passou. Houve crescimento do consumo de streamming, (conteúdos multimídia) e até de rádioweb. Uma pesquisa recente apontou que 43% dos brasileiros entraram em contato com podcasts pela primeira vez durante a pandemia. As pessoas começaram a experimentar o digital de uma forma mais intensa. 


Esse comportamento não se deu apenas no universo da informação, mas de outros produtos que já existiam até então, não?


Sem dúvida. A gente sabe que a pandemia acelerou esse comportamento. Houve necessidade de acessar delivery e e-commerce. E isso gerou oportunidade para as pessoas se aproximaram desse universo digital, que já existe faz tempo, mas está sendo descoberto por muita gente. Elas tiveram que aprender a lidar com isso, e que interfere na forma de consumir mídia. 


Em março e abril, você diz que as pessoas precisavam consumir jornalismo. Esse interesse diminuiu? Elas cansaram de notícias sobre a pandemia? O que estão consumindo agora?


O jornalismo continua sendo consumido, não tanto como no início, mas as pessoas começaram a precisar assistir coisas mais relaxantes, entretenimento. Antes, havia uma angústia de querer entender o que era a pandemia, só que em um determinado momento, começaram a precisar de assuntos mais leves. Em um dos nossos estudos, os filmes que acabaram sendo mais requisitados foram de ação, comédia, romance. As pessoas precisam disso. Ninguém aguenta ficar 24 horas por dia só com notícia. O jornalismo continua no topo da importância, até porque há uma necessidade de informação séria, de canais com credibilidade, mas agora divide espaço com outros conteúdos.


Como se consegue ter essa medição tão fina sobre o que se está consumindo?


Para chegar numa análise fina, a gente cruza vários indicadores. Por exemplo, quando fala sobre comportamento televisivo, eu consigo saber onde estão, o que estão consumindo, comparar dados. E há pesquisa com a população para entender os dados que aparecem pra gente. 


A pandemia fez com que as pessoas descobrissem o que já existia no universo digital. Você acredita que essas descobertas forçosas possam ter mudado o comportamento das pessoas mesmo após a pandemia, substituindo formas antigas pelas novas?


Temos discutido muito isso lá na Kantar. É muito difícil saber quais os impactos disso lá na frente. Cada dia surge um movimento diferente e acaba suplantando nossas previsões. Algo novo que aparece e que achamos que veio pra ficar, de repente, é superado por outra novidade. É cedo pra falar o que realmente veio pra ficar. O sucesso das lives musicais, por exemplo, tem muito a ver com o momento em que elas chegaram. Era um momento em que as pessoas estavam dentro de casa, pesadas, só notícia ruim e, de repente, entra um show super legal. Elas entraram de forma descontraída, leve. A gente acredita que tenha chance de permanecer, mas nem essa garantia podemos ter. Você vê que até mesmo o mercado publicitário acabou abraçando essas formas novas de se comunicar. Vimos novas ações de marketing, transmissões multiplataformas etc. Esse tipo de ação vai se potencializar. Descobrimos novas formas de se comunicar. A pandemia nos trouxe novos caminhos de comunicação.


Você acredita que essa necessidade que as pessoas têm por informação com credibilidade sobre a pandemia possa ter como fator positivo uma percepção maior sobre o que é fake news?


Eu acredito que sim. Há uma maturidade bem maior do que tínhamos antes. Percebemos nos nossos estudos que a população mais bem informada são aqueles que se preocupam em seguir as regras. Em um dos nossos estudos, vimos que 63% dos leitores de jornal impresso verificam se os sites e links que recebem são confiáveis e só depois disso compartilham com alguém. Estamos falando de um público leitor que está o tempo inteiro de olho na informação, já é hábito dele consumir informação de credibilidade. E existe uma outra parte da população que, embora não fosse consumidor contínuo de informação, já está começando a perceber o valor que ela tem e como é importante saber de onde vem.


Houve aumento de consumo de jornais e revistas ? 


Sem dúvida. Estar o tempo todo em casa faz com que o consumo seja maior, em todas as plataformas. Muitos estão em isolamento ainda, e com tempo disponível para consumir mídia. Por outro lado, percebemos o quanto a pandemia acelerou a transformação digital. As pessoas estão se adaptando às novas tecnologias. Os canais digitais vão ser cada vez mais imprescindíveis. A busca de informação de credibilidade é o que justifica a mídia impressa, e dessas marcas vem o interesse para sua versão digital.


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