'Nunca a democracia foi colocada em perigo como nesse momento', avalia Sérgio Monteiro Medeiros

Procurador regional eleitoral de São Paulo avalia que fake news têm o poder de influenciar no pleito

Por: Sandro Thadeu & Da Redação &  -  22/06/20  -  13:25
Procurador regional eleitoral de São Paulo avalia que  fake news têm o poder de influenciar.
Procurador regional eleitoral de São Paulo avalia que fake news têm o poder de influenciar.   Foto: Divulgação

Embora a data das eleições municipais ainda não esteja confirmada, o eventual adiantamento do pleito não deverá atrapalhar a atuação da Procuradoria Regional Eleitoral de São Paulo (PRE-SP). Em entrevista para A Tribuna, o chefe do órgão, Sérgio Monteiro Medeiros, revela que enviou recentemente aos promotores eleitorais um material de uso reservado para auxiliá-los com técnicas de investigação para combater as notícias falsas. Para ele, as fake news têm o poder de influenciar no pleito.

Até que ponto o possível adiamento das eleições em razão da pandemia de covid-19 atrapalha ou ajuda o trabalho da PRE-SP?


Antes precisa ter clareza no seguinte: vamos adiá-las por quanto tempo? Há um limite temporal se quisermos preservar a posse dos eleitos. Temos algumas consequências após a realização das ele. Por exemplo: para diplomação, precisamos ter as contas dos eleitos julgadas, mas isso exige tempo. Eu, particularmente, sou favorável ao adiamento das eleições por algumas semanas em nome da saúde. Isso é reflexo do isolamento social de baixa qualidade, longo, árduo e pouco produtivo por razões que todos conhecemos. Se as eleições forem prorrogadas para 15 e 29 de novembro (1º e 2º turnos, respectivamente, como cogitado nos últimos dias), isso não ajuda nem atrapalha. Teremos prazos exíguos, mas os prazos eleitorais já são tão exíguos que um pouco mais ou menos não fará uma diferença absurda. 


As mudanças recentes na lei eleitoral deverão impactar o trabalho do órgão?

Cada vez mais difícil a gente responder a demanda de trabalho, porque em São Paulo são 645 municípios. A eleição deste ano possui uma peculiaridade: o fim das coligações proporcionais. Esperamos um número maior de candidaturas. Se você tem mais gente concorrendo, teremos mais deferimentos, impugnações, recursos e prestações de contas, ou seja, mais tudo. Sempre com manifestação da PRE-SP e julgamento no Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo (TRE-SP). Desde 2018, temos um quadro diferente, que é o processo judicial eletrônico, que abre um determinado período para manifestação. E pode ser que não seja possível se manifestar. Queremos nos manifestar em tudo e vamos nos manifestar o máximo possível.

Na sua avaliação, por que as eleições não são adiadas por mais tempo? Alguns consideram oportuno unificar as eleições.

Estamos passando por um momento muito peculiar no Brasil. Acho que a média das pessoas deve concordar que, desde 1985, não atravessamos um momento de teste das instituições como agora. Nunca a democracia foi colocada em perigo como nesse momento. A todo o momento se acena para o Artigo 142 da Constituição Federal, em uma leitura equivocada e abusiva de que as Forças Armadas seriam um espécie de poder moderador diante de um conflito entre outros poderes. Poder moderador só existiu no Império. O poder civil está acima de qualquer poder militar. Dizer que as Forças Armadas são esse poder moderador é uma leitura tosca, burra e equivocada da Constituição. 

A mudança da data das eleições poderá viabilizar a candidatura de nomes que estariam impedidos de concorrer pela Lei da Ficha Limpa com o pleito originalmente marcado para 4 de outubro?

Eu já ouvi especialistas em Direito Eleitoral dizerem que isso pode favorecer os inelegíveis. Isso realmente pode acontecer, porque o prazo da lei é um prazo objetivo. Isso pode ocorrer eventualmente em circunstância dos momentos que estamos vivendo. Se a pessoa cumpriu a sua pena e deixou de ser ficha suja, ela poderá concorrer. A punição não é eterna. 

O senhor acredita que o Congresso Nacional deverá mexer nos prazos de desincompatibilização para alguém poder participar da corrida eleitoral?

Estamos em junho e isso pode impactar nesses prazos, se as eleições forem adiadas por pouco mais de um mês. O que vai prevalecer é o prazo estabelecido em lei, que é contado a partir da data de eleição. Acho pouco provável que a emenda constitucional vá se preocupar com isso. Ela deve tratar só da data da eleição. 

Como está a preparação para o enfrentamento nas notícias falsas nas eleições municipais, normalmente mais disputadas?

Já não há mais dúvidas que as fake news podem influenciar nas eleições. Acredito que fatos recentes apontam para isso e por esse motivo elas precisam ser combatidas. Por outro lado, não podemos exagerar, porque poderemos impedir a liberdade de expressão, que é típica da eleição.
Se você fecha demais, as pessoas não conseguem se manifestar. Precisamos encontrar o meio termo.


Temos que ter o apoio das empresas de redes sociais. Houve uma melhoria no WhatsApp, cuja plataforma virou um grande canal de disseminação de notícias falsas e está procurando ajudar. Também precisamos enfrentar o uso abusivo das redes sociais. Os próprios partidos e candidatos vão ajudar nesse enfrentamento. O Ministério Público tem capilaridade. Recentemente, encaminhamos um material de uso reservado aos promotores eleitorais para auxiliá-los com técnicas de investigação para combater as fake news. 



Como os candidatos e as legendas podem ajudar nessa tarefa? 

Esperamos pelo apoio dos partidos. A PRE-SP e o Ministério Público de São Paulo estão tentando com que os partidos façam a adesão a um termo de compromisso pela legitimidade, integridade e transparência das eleições deste ano. Uma das linhas é o combate à desinformação. Outra é o respeito à cota de gênero, que precisa transbordar os 30% da cota de mulheres. A partir de 2018, foi definido que 30% dos recursos eleitorais sejam empregados nessas candidaturas, mas vimos o desvirtuamento disso com candidaturas laranjas e iludidas. 

E como a PRE-SP tem atuado para prevenir essas fraudes envolvendo candidaturas femininas?

Houve pouco resultado no campo da responsabilização nas eleições de 2018, mas tivemos. Estamos tentando aperfeiçoar as práticas por meio de uma atividade preventiva com o Ministério Público Estadual. Essa prática não é desejável, seja no campo político ou judicial, mas sobretudo no proveito social e da democracia. Eu assinei hoje (última quinta-feira) uma instrução normativa sobre a atuação especificamente nessa matéria. A gente dá algumas orientações sobre as ações que devem ser propostas: a Ação de Impugnação de Mandato Eletivo (Aibe) e antes disso, no curso da eleição, a Ação de Investigação Judicial Eleitoral (Aije). 

Em março, o presidente Jair Bolsonaro colocou em xeque o resultado das eleições de 2018, ao dizer que ele ganharia no primeiro turno se elas não fossem fraudadas. Porém, até o momento, ele não apresentou provas. Como o senhor analisa aquela declaração? 

Vejo como mais do mesmo de alguém que o tempo inteiro briga contra o sistema. Era o candidato antissistema e é o governante antissistema. As nossas urnas elegeram candidatos de esquerda, de centro e de direita. Isso mostra que a nossa urna não tem ideologia. O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) aperfeiçoa o sistema a cada ano e demonstra ser muito seguro. 

Qual o peso dessa declaração do presidente nas eleições municipais?

Acredito que nulo, porque estamos há muito tempo com as eleições digitais. Já tivemos observadores de vários locais do mundo em cada eleição. Nós não temos nenhuma democracia que faça eleição tão bem e tão rápida como o Brasil. Aqui os resultados saem no mesmo dia. Considero o sistema eleitoral brasileiro muito bom e vejo uma enorme credibilidade na urna eletrônica, uma criação do nosso país que melhora a cada ano.
 


Logo A Tribuna
Newsletter