Sobrevivente de naufrágio ocorrido há 50 anos na costa do Nordeste, o oficial aposentado da Marinha Mercante Brasileira, Waldir da Costa Freitas, cogita a hipótese de o óleo que atinge praias e rios dos nove estados daquela região ter vazado do tanque do navio que afundou a pelo menos 2 mil metros de profundidade.
Freitas era um dos 31 tripulantes do navio Maringá, que naufragou no dia 16 de junho de 1969. Nesta semana, ele pensou na possibilidade de o cargueiro ser a fonte do óleo que já afetou 139 praias de 63 municípios, no maior desastre ambiental do Nordeste, porque as próprias autoridades admitiram e continuam a admitir essa possibilidade.
Das centenas de naufrágios ocorridos na região, as autoridades não citaram nenhum. Porém, Freitas tem motivo e credibilidade para mencionar o do Maringá. Vítima da tragédia, acumula meio século de experiência no mar. Com 79 anos de idade, o oficial da Marinha Mercante, que mora em Santos, já fez seis expedições à Antártida.
Em sua carreira de 50 anos, Freitas trabalhou 35 no navio oceanográfico Professor Wladimir Besnard, da Universidade de São Paulo (USP). As expedições ao Polo Sul foram realizadas a bordo desta embarcação. Na primeira delas, ele atuou como subcomandante. Nas demais, foi o comandante, posto que ocupou por 20 anos.
Memória
Sobre o naufrágio do Maringá, Freitas conta que o navio zarpou de Areia Branca, no Rio Grande do Norte, onde foi carregado com sal. O produto seria levado ao porto da extinta Companhia Nacional de Álcalis, em Cabo Frio, no litoral do Rio de Janeiro. Notícias da época indicam que o cargueiro transportava 10 mil sacas da mercadoria.
“O navio partiu de Areia Branca, parou em Recife (PE) para reabastecimento de água e prosseguiu viagem. Mas quando navegava na direção do município sergipano de Estância, devido ao mau tempo, começou a apresentar problemas. O vento arrancou parte da borda e o comandante pediu socorro”, relembra.
A solicitação de auxílio foi captada pelo Departamento de Ciência e Tecnologia (DCT) de Amaralina, em Salvador (BA). A Marinha do Brasil enviou o rebocador Ari Parreiras e a corveta Caboclo para prestar socorro, mas o rebocador norte-americano Sócrates, a serviço da Petrobras, estava mais próximo do Maringá e foi decisivo no salvamento.
“A tripulação do Sócrates também recebeu o pedido de socorro e começou a rebocar o Maringá, mas ele se partiu ao meio e ficou em ‘L’. Nada mais se pôde fazer para resgatar o cargueiro e os seus tripulantes só tiveram tempo de passar para o rebocador americano. Dez minutos depois, o navio começou a afundar”, recorda-se Freitas.
Toda a tripulação foi salva e levada pelo rebocador até Aracaju, capital sergipana. O oficial da Marinha Mercante aposentado diz que a distância aproximada do local do naufrágio até a costa de Estância era de cerca de 200 milhas (equivalente a 370,4 quilômetros). “Não dava para ver terra. Estava longe”.
Enquanto o Maringá afundava, não houve vazamento de combustível, descrito por Freitas como “óleo pesado”. Com 135 metros de comprimento e construído em 1944 nos Estados Unidos, o navio estaria com o tanque cheio, porque a viagem ao litoral fluminense apenas se iniciava. A quantidade de óleo no cargueiro é ignorada.
Marinha investiga
Um “caso complexo e inédito na história do Brasil”. Deste modo, a Marinha do Brasil, por meio da Diretoria de Portos e Costas, define a tragédia que polui as praias nordestinas. Em nota emitida com exclusividade para A Tribuna, a instituição diz que foi aberto inquérito administrativo para elucidar o episódio.
Questionada sobre a possibilidade de eventual vazamento de óleo do navio Maringá ser a fonte poluidora, a Marinha explica que “muitas hipóteses são consideradas, incluindo naufrágios e derramamentos acidentais”.
A instituição apenas considera “muito remotas”, neste momento, as possibilidades de poluição causada por lavagem de tanques de navios transitando em águas brasileiras, pelo volume do material recolhido, e de “exsudação” de petróleo na costa do Brasil.
De acordo com o Dicionário do Petróleo, exsudação é o local onde fluídos, usualmente água e óleo, afloram em superfície, oriundos de regiões mais profundas da crosta terrestre. As exsudações são frequentes em regiões onde o petróleo ascende por meio de fraturas e fissuras através das rochas até atingir a superfície terrestre ou o fundo do mar.
A nota da Marinha informa que em suas investigações são analisados os dados do tráfego marítimo na área, as informações de patrulha de navios e aeronaves da Marinha, simulações computacionais sobre as influências de corrente no Atlântico Sul e os perfis químicos dos resíduos coletados.
Além do Maringá, centenas de outras embarcações naufragaram na costa nordestina. No livro "Naufrágios do Brasil - Uma Cultura Submersa", o jornalista José Carlos Silvares catalogou 1.895 casos, dos quais 773 ocorreram nos nove estados do Nordeste. Bahia lidera o ranking com 212 naufrágios, seguida por Pernambuco (107), Maranhão (103), Rio Grande do Norte (102), Ceará (73), Sergipe (59), Alagoas (51), Paraíba (47) e Piauí (19).
Impactos
Levantamento mais recente do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), do final da tarde de quarta-feira (9), contabiliza 139 praias afetadas, em 63 cidades dos nove estados do Nordeste, desde que o óleo começou a ser percebido na região, em 2 de setembro.
Doze tartarugas marinhas e um bobo-pequeno (ave da espécie Puffinus puffinus) foram encontrados mortos. Outras nove tartarugas foram resgatadas com vida e passam por tratamento, antes de serem devolvidas ao seu habitat.