Ligação seca entre Santos e Guarujá: 92 anos de espera e falsas promessas

Orçado em 2,9 bilhões, projeto atual é composto por uma ponte e trechos com elevados em viadutos que somam 7,5 quilômetros

Por: Bruno Gutierrez e Liliane Souza & De A Tribuna On-Line &  -  24/06/19  -  09:10
Ponte proposta pela Ecovias irá ligar as cidades de Santos e Guarujá
Ponte proposta pela Ecovias irá ligar as cidades de Santos e Guarujá   Foto: Divulgação/Ecovias

Sonho antigo da população da Baixada Santista, a ligação seca entre Santos e Guarujá está perto de sair do papel. O primeiro projeto, do engenheiro e arquiteto Enéas Marini, era um túnel, datado de 1927. Entre ele e o atual plano, lá se vão 92 anos de espera, falsas promessas e frustrações.


De acordo com a Secretaria de Logística e Transportes (SLT) do estado de São Paulo, existe empenho por parte do governo para concretizar o projeto. Atualmente, a SLT, Agência de Transporte do Estado de São Paulo (Artesp) e Companhia Docas do estado de São Paulo (Codesp) estão em tratativas para definir o melhor projeto para a região e análise sobre o impacto da ponte nos planos de expansão do Porto de Santos. No momento, a construção da ponte está em análise na Artesp e aguarda licença ambiental.


A estrutura será erguida pela Ecovias, concessionária que administra o Sistema Anchieta-Imigrantes (SAI). A empresa desenvolve o projeto e a obra em troca da extensão do contrato para exploração do SAI. Em fevereiro, o governador João Doria (PSDB) deu sinal verde para o prosseguimento das tratativas.


Segundo a Ecovias, o projeto é composto por uma ponte e trechos com elevados em viadutos que somam 7,5 quilômetros. A estrutura conecta a Via Anchieta, no km 64, à Rodovia Cônego Domênico Rangoni, no km 250, viabilizando, inclusive, um segundo acesso à avenida portuária, conforme premissas requeridas pela Codesp.


O objetivo é facilitar a integração entre as cidades de Santos e Guarujá, proporcionar fácil e rápida movimentação logística do Porto e ser uma opção de mobilidade urbana, somada ao sistema de balsas.


Ainda de acordo com a concessionária, a interligação entre margens reduz o percurso de 45 km para menos de 10 km, tornando a travessia do canal mais rápida, além de melhorar a operação de tráfego de navios devido menor frequência das balsas, aumentar a capacidade de circulação de bens e pessoas entre as cidades da Baixada Santista, ampliar a oferta de empregos diretos e indiretos, atender às demandas locais de circulação de veículos e cargas e, consequentemente, contribui para a melhoria na qualidade de vida da população da região.


Em visita ao Grupo Tribuna, o secretário estadual de Logística e Transportes, João Octaviano Machado Neto, afirmou que os trabalhos deverão durar 36 meses, contados do início. A construção tem custo estimado de R$ 2,9 bilhões.


Sonho quase centenário


Há pelo menos 92 anos que a população da Baixada Santista convive com projetos de uma ligação seca entre Santos e Guarujá. Essa história teve início quando o governo de São Paulo era dirigido por Júlio Prestes, passando por Adhemar de Barros até chegarmos em José Serra e Geraldo Alckmin. Todos eles fracassaram.


O primeiro empreendimento surgiu em 1927, com o engenheiro e arquiteto brasileiro Enéas Marini, como relatou o jornalista, escritor e pesquisador Sergio Willians, em A Tribuna, em edição publicada no dia 22 de janeiro de 2017.


Marini pretendia a construção de um túnel submerso entre a região portuária de Santos com os futuros distritos de Itapema, Bocaina e Guarujá. À época, a Ilha de Santo Amaro era considerada parte do município, até a emancipação política, em 1934.


A estrutura partiria do velho mercado do Paquetá até a estação de barcas de Guarujá. Um percurso de 900 metros de extensão e que poderia ser feito, de acordo com o seu projetista, em 40 segundos, de automóvel.


Marini alegava possuir recursos financeiros necessários para a obra que, hoje, girariam em torno de R$ 600 milhões e propunha um contrato de concessão de 30 anos junto ao governo do Estado, além de uma série de isenções.


Primeiro projeto de ligação seca: Enéas Marini pensou em túnel para ligar Santos e Guarujá
Primeiro projeto de ligação seca: Enéas Marini pensou em túnel para ligar Santos e Guarujá   Foto: Divulgação

A primeira ponte


Na década de 40, o engenheiro civil e arquiteto Francisco Prestes Maia elaborou o Plano Regional de Santos. Ele, que em duas oportunidades governou a cidade de São Paulo, contava com o apoio do então governador Adhemar de Barros para disseminar o projeto na Baixada Santista.


O estudo de Prestes Maia visava trazer modernização a Santos, com desenvolvimento do Porto, do turismo e da indústria. O plano virou um livro, dividido em capítulos, sendo que o oitavo tratava, especificamente, da ponte que ligaria as ilhas de São Vicente e Santo Amaro. A ideia do engenheiro era a construção de uma ponte levadiça, nos moldes da Tower Bridge, em Londres, na Inglaterra.


Parte das ideias de Prestes Maia foi absorvida pelo município, mas o projeto de ligação seca foi, novamente, engavetado.


Ponte levadiça, como em Londres, também foi cogitada para ligar as ilhas
Ponte levadiça, como em Londres, também foi cogitada para ligar as ilhas   Foto: Ilustração: Livro Plano Regional de Santos

O projeto de Luiz Muzi


Poucos anos depois, o engenheiro paulistano Luiz Muzi apresentou um novo projeto para a ponte entre Santos e Guarujá.


A proposta foi relembrada nas páginas de A Tribuna, em 20 de maio de 2018. Muzi projetou uma ponte com 500 metros de vão, sobre a entrada do estuário, ligando as ilhas.


No desenho, o sistema permitia um trânsito livre às embarcações no canal de acesso ao Porto. Além disso, ela seria implantada na área onde hoje está o ferry boat. O acesso seria feito por meio de uma rampa ao estilo “caracol”.


Seriam percursos rotatórios, em rampas dispostas em forma helicoidal, que garantiriam a altura da estrutura de modo a não afetar o vaivém dos navios, ao mesmo tempo em que não interromperia o fluxo de veículos na passagem entre Santos e Guarujá.


Muzi chegou a apresentar duas versões: uma com a construção das torres dentro d’água. A outra exibia as bases na parte terrena. No entanto, assim como o plano de Prestes Maia, a ideia do engenheiro não prosperou.


Apesar de inovador, projeto de Luiz Muzi foi mais um que acabou sendo engavetado
Apesar de inovador, projeto de Luiz Muzi foi mais um que acabou sendo engavetado   Foto: Divulgação

A ponte estaiada e a maquete


Em março de 2010, o então governador José Serra (PSDB) anunciou o projeto da ponte estaiada que ligaria as cidades. À época, o governo do Estado anunciava um complexo de 4,6 km, sendo 1 km de ponte que beneficiaria os cerca de um milhão de pessoas que vivem em Santos, São Vicente e Guarujá.


“Com esta ponte nós vamos quebrar um gargalo que é muito importante aqui na região da Baixada Santista. Além disso, a ponte terá até um papel paisagístico”, disse Serra ao anunciar a obra.


Estimadas em cerca de R$ 700 milhões, as obras tinham duração prevista de 30 meses, após a assinatura do contrato. O projeto incluía duas faixas em ambos os sentidos, em um total de 4,8 km de novas pistas, com um quilômetro de trecho estaiado. Segundo o governador, o Estado daria "conta de todos custos”.


Para atender às especificações do porto, a altura da estrutura foi projetada em 80 metros, com declividade máxima de 6%. Do lado de Santos, o acesso à ponte era planejado pela avenida Mário Covas, próximo à avenida Cel. Joaquim Montenegro (Canal 6). Em Guarujá, seria na avenida Santos Dumont, próximo ao rio Santo Amaro.


O que mais marcou o projeto, no entanto, foi a cerimônia realizada no ferry boat, no lado santista, na Ponta da Praia. Com presença dos prefeitos João Paulo Tavares Papa e Maria Antonieta de Brito, de Santos e Guarujá, do deputado Beto Mansur, entre os outros políticos, Serra apresentou uma maquete da ponte. No entanto, um ano depois, o projeto foi abandonado.


Ex-governador durante entrega da maquete da ponte entre Santos e Guarujá, em 2010
Ex-governador durante entrega da maquete da ponte entre Santos e Guarujá, em 2010   Foto: Jacques Andre Lepine/Estadão Conteúdo

O túnel de Alckmin


Exatamente três anos após José Serra apresentar a maquete da ponte estaiada, o governador Geraldo Alckmin (PSDB) anunciou a entrega do Estudo de Impacto Ambiental e Relatório de Impacto ao Meio Ambiente (EIA/Rima) para a construção do túnel submerso que ligaria Santos ao Guarujá.


Orçado inicialmente em R$ 2,4 bilhões, o projeto previa uma estrutura de 762 metros de extensão, 950 metros de rampas e cerca de 4,5 km de obras viárias em superfície e em viadutos. O túnel era composto por seis módulos de concreto pré-moldado, que seriam construídos em uma doca seca localizada no Guarujá. Depois de finalizados, os módulos seriam rebocados flutuando até o local onde seriam colocados submersos. Após a imersão, cada elemento seria encaixado e fixado aos anteriores, formando o túnel.


As obras, planejadas para serem concluídas em 36 meses, teriam que ter iniciado no primeiro semestre de 2015, com previsão de entrega em 2018. No entanto, o projeto enfrentou problemas financeiros. O Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) não aceitou uma cláusula da licitação para formação dos consórcios concorrentes que previa a transferência de tecnologia por meio da exigência de participação de duas empresas brasileiras, com pelo menos 20% do capital cada uma.


Com isso, o governo estadual teve de abrir mão de empréstimo de US$ 506,7 milhões (em torno de R$ 1,124 bilhão à época). Sem o BID, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), que já destinaria R$ 962 milhões, assumiu o outro montante.


No entanto, a crise enfrentada pelo País fez com que os valores fossem congelados pelo BNDES. Em 2016, Alckmin anunciou que esperaria a conclusão do processo de impeachment da presidenta Dilma Rousseff para dar continuidade ao projeto que, naquele momento, já estava orçado em R$ 2,8 bilhões, tendo sido investidos R$ 40,5 milhões no projeto executivo.


Posteriormente, o túnel também foi alvo do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo (TCE-SP). O colegiado determinou que a Dersa corrigisse o edital da obra do túnel submerso e abrisse uma nova licitação. Na decisão, assinada pelo conselheiro Dimas Eduardo Ramalho, o tribunal apontou 24 falhas contidas no primeiro edital da obra e pediu para que elas fossem retificadas em uma nova versão.


A proposta também foi alvo de críticas de moradores do Estuário e do Macuco, bairros de Santos que seriam diretamente atingidos pela obra, já que o acesso ao túnel, pelo município, seria feito naquela localidade.


No entanto, com o período de recessão, e o contingenciamento de gastos por parte do Governo Federal e do Governo do estado de São Paulo, Geraldo Alckmin decidiu deixar o projeto de lado.


Neste ano, porém, a Secretaria Estadual de Logística e Transportes retomou os debates para a construção do túnel submerso entre Santos e Guarujá. Ainda em fase embrionária, o plano consiste em atrelar a entrega do equipamento a projetos estruturais para a região. O entrave é como encaixá-lo em obras viáveis economicamente.


“A visão é que o túnel só vai fazer sentido se introduzido em um pacote maior. Sozinho, terá dificuldade para se viabilizar”, disse o secretário João Machado. Por ser um projeto de mobilidade urbana, afirma, não “entra nos planos de concessão rodoviária”.


Com custo estimado, por ora, em R$ 2,8 bilhões, não seria atrativo se o retorno financeiro viesse apenas de tarifa de pedágio. “É preciso estudar quais são os projetos disponíveis para introduzir o túnel como uma contrapartida (da empreiteira para o Estado)”, finaliza o secretário.



Nesta semana, de segunda a sexta-feira, A Tribuna On-Line e G1 publicarão, em parceria, reportagens especiais sobre os problemas da travessia de balsas entre Santos e Guarujá e suas possíveis soluções.


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