Gestora das Usafas de Guarujá atrasa salários e trabalhadores relatam ameaças

Depósitos do FGTS e INSS também demoram, afirmam funcionários, que se dizem coagidos

Por: Gabriel Oliveira  -  23/11/18  -  14:11
Contrato da OS Pró-Vida com a prefeitura de Guarujá é emergencial
Contrato da OS Pró-Vida com a prefeitura de Guarujá é emergencial   Foto: Rogério Soares/AT

Contratada pela gestão Válter Suman (PSB) para tocar as Unidades de Saúde da Família (Usafas) de Guarujá, a organização social (OS) Pró-Vida tem atrasado o pagamento de salários e benefícios e o depósito de FGTS e INSS aos funcionários. O clima é de revolta e tensão, pois, além de sofrerem com os atrasos, os trabalhadores são coagidos a não reclamar. Pelo menos dois deles foram demitidos após exporem os problemas publicamente.


Profissionais administrativos e da saúde conversaram com a Reportagem sob a condição de anonimato, pois temem represálias.


Eles contam que os salários caem sempre com atraso, depois do quinto dia útil - prazo estipulado nos contratos de trabalho. Em outubro, houve pagamento escalonado: uma metade no início do mês e o restante após o dia 20. Em novembro, teve novo atraso.


"Isso prejudica, porque temos dias certos das nossas contas de telefone, água e luz. Com o atraso, pagamos com juros. Fica o prejuízo para o nosso bolso", esbraveja uma recepcionista.


Um médico relata que ele e outros dois colegas de profissão com os quais tem contato não receberam a segunda parcela do salário de outubro nem o ordenado deste mês.


Ele diz ter recebido várias ligações com intimidações para que não reclame dos atrasos. "Se você fizer qualquer tipo de manifestação, das duas uma: ou demitem ou fazem ameaças".


INSS e FGTS


O médico conta ainda que, desde o início do contrato da Pró-Vida com a Prefeitura, em fevereiro deste ano, a entidade não repassou as contribuições dele ao INSS.


Falta de repasse à Previdência Social e depósito de FGTS são outros apontamentos comuns dos trabalhadores, embora os descontos nos salários ocorram normalmente.


Segundo os profissionais, vales alimentação e transporte estão há dois meses atrasados. "É descontado e não pagam", aponta uma trabalhadora administrativa. "É humilhante você levantar, deixar sua casa, ir trabalhar e receber metade do salário. Nós cumprimos a nossa responsabilidade, mas não cumprem a deles com a gente".


Há uma grande preocupação quanto à possibilidade de não se pagar o 13º salário.


Mais problemas


Os trabalhadores dizem ainda que há unidades sem instrumentos de aferição de pressão em número suficiente e aparelhos de eletrocardiograma quebrados, por exemplo, porque a manutenção nos equipamentos é precária.


"É um caos! Não tem material administrativo, de enfermagem e de odontologia para trabalhar. Funcionários pegam de outros fontes para levar às Usafas", denuncia um ex-funcionário.


Funcionários demitidos


Ex-gerente da Usafa Santa Cruz dos Navegantes, a enfermeira Mônica Nicolucci perdeu o emprego um dia depois de denunciar os problemas em uma reunião do Conselho Municipal de Saúde de Guarujá. Ela ainda não recebeu as verbas rescisórias.


No encontro do conselho, no dia 24 de outubro, a ex-gerente apontou que nos holerites constavam os descontos de INSS e FGTS, mas os valores não estavam sendo repassados aos órgãos competentes.


Na ocasião, o secretário de Saúde de Guarujá, Sandro Luiz Ferreira de Abreu, agradeceu a enfermeira pela "coragem" e informou que iria notificar a OS. Mas, no dia seguinte, Mônica recebeu o aviso de demissão da Pró-Vida. "Eu percebi pela reação dos conselheiros que poderia ser demitida. Ficou muito claro que fui mandada embora por ter reclamado".


Ela diz não ter sido chamada pela OS para a anotação de dispensa na carteira de trabalho e não recebeu as pendências e verbas rescisórias.


A técnica de enfermagem Cristiane Xavier usou o Facebook para desabafar. Ela, que trabalhava na Usafa Perequê, reclamou em uma publicação em 15 de outubro e, dois dias depois, foi demitida.


A profissional só recebeu o dinheiro da rescisão no início deste mês e agora entrou na Justiça para cobrar os depósitos de FGTS e INSS, não realizados pela Pró-Vida. "Não estavam nos pagando e, quando pagavam, era quando queriam. Teve mês que pagaram só no dia 25, sem darem a menor satisfação. Tem que trabalhar calado, porque, senão, acaba denunciado pelas chefias".


Justificativas


Em nota, a OS Pró-Vida alegou que os atrasos ocorreram por causa de um "desequilíbrio econômico-financeiro do projeto das Usafas".


"Foi necessária a aplicação de recursos excedentes ao previsto em áreas fundamentais para o atendimento à população, além de uma retenção de R$ 1,2 milhão na parcela do contrato, que já está em processo de ajuste e pagamento junto à contratante. Vencidas essas questões pontuais, as pendências serão devidamente equacionadas".


De acordo com a entidade, os salários "estão quitados". Sobre os demais benefícios, "alguns estão programados para serem creditados até o final deste mês", disse a Pró-Vida, sem especificar quais.


Quanto às demissões, a OS sustentou que as substituições da equipe "ocorrem por questões estritamente técnicas, não havendo, portanto, qualquer relação ou motivação diferente dessas". Em relação aos problemas em instrumentos de trabalho, a organização não se pronunciou.


Em nota, a Prefeitura de Guarujá declara estar em dia com os repasses para a OS e que acompanha a fiscalização sobre os contratos de gestão assinados com ajuda da Comissão de Avaliação dos Contratos de Gestão da Saúde.


"Uma das notificações, que está em trâmite em processo administrativo, é a possível ausência de comprovação do depósito das verbas de provisionamento pela OS. Essa matéria está em andamento e, se confirmada, poderá acarretar sanções contratuais e legais".


Sobre a demissão da enfermeira que comandava a Usafa Santa Cruz dos Navegantes, a Administração Municipal disse que o presidente da Pró-Vida informou ter quitado a rescisão trabalhista e que a organização tem liberdade contratual, nos termos da lei, de contratar e dispensar os trabalhadores.


Cronologia


>> A Pró-Vida assumiu as Usafas de Guarujá em 2 de fevereiro deste ano, em um contrato emergencial com duração de seis meses, depois de uma intervenção municipal decorrente de problemas com a antiga OS que administrava as unidades.


>> A Prefeitura de Guarujá lançou uma convocação para contratação comum de uma nova OS em 30 de junho, a praticamente um mês do término do vínculo com a Pró-Vida, em 1º de agosto. Porém, o Tribunal de Contas do Estado (TCE) mandou suspender a licitação por ver irregularidades no edital.


>> Por isso, a gestão Válter Suman recorreu a uma nova contratação emergencial, inicialmente realizada de maneira considerada irregular pela Justiça.


>> A Prefeitura publicou novo chamamento, com as adequações impostas pela Justiça, e a Pró-Vida assumiria de novo o serviço.


>> Em 21 de agosto, a Administração Municipal e a OS assinaram novo contrato emergencial, por outros seis meses, ao custo de R$ 11,9 milhões aos cofres públicos.


>> O edital da licitação para a contratação comum de uma OS ainda não saiu.


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