Não era amor: casos de extorsão e 'estelionato emocional' ligam alerta no Mês dos Namorados

Relacionamentos com bases frágeis, impulsionados pela internet, podem esconder ação de golpistas e estelionatários

Por: Anderson Firmino  -  02/06/23  -  07:15
Atualizado em 02/06/23 - 11:02
Coniança na pessoa amada gerou prejuízo de R$ 20 mil a corretor de imóveis de Santos
Coniança na pessoa amada gerou prejuízo de R$ 20 mil a corretor de imóveis de Santos   Foto: Reprodução/Pixabay

Chegou o mês de junho, dedicado à celebração do amor. Enquanto casais passeiam e trocam juras de amor, algumas pessoas correm para evitar a solidão. E, em alguns casos, a fragilidade afetiva abre caminho para uma espiral de extorsão, ameaças e angústia. É quando o amor, ou mesmo o romance passageiro, dá lugar a casos de polícia.


É o que ocorre com o corretor de imóveis Marco Antônio (nome fictício), de 45 anos. Viúvo, ele, que é morador de Santos, conheceu uma garota e, após algum tempo, os dois passaram a namorar pela internet. Nesse tempo, tiveram alguns encontros pessoais. Após alguns contatos íntimos, a menina passou a pedir dinheiro emprestado para algumas pequenas despesas. Sempre dizendo que se amavam e eram cúmplices apaixonados.


O amor sem fim (e sem limites de gastos) consumiu mais de R$ 20 mil em contas pagas para a garota. Foi o sinal para que o homem descobrisse que se tratava de uma golpista, que já havia aplicado esse "estelionato sentimental" em outras pessoas. As fotos íntimas e filmagens feitas durante o "caso" viraram mote para ameaças. Mesmo "rompidos", a preocupação com a exposição ainda o atormenta. Foram oito meses entre a primeira jura de amor e o juramento de que o caso não ficaria impune.


A situação guarda alguma semelhança com a de João Luís (nome fictício). O engenheiro de 67 anos, de Praia Grande, que é casado, resolveu entrar num aplicativo de relacionamentos, quando conheceu uma garota. O papo logo saiu do app e migrou para outro aplicativo, de mensagens, abrindo espaço para troca de fotos e vídeos íntimos. Foi quando uma pessoa, se dizendo pai da sua amada, o contatou, dizendo que a moça era menor. De quebra, exigiu R$ 10 mil para evitar um boletim de ocorrência (BO).


Ele fez um Pix para o suposto pai da garota de R$ 1 mil. No entanto, insatisfeito com o valor baixo, ele descobriu o e-mail da esposa da vítima, enviando para ela todo o material que comprova a infidelidade conjugal do engenheiro. Foram aproximadamente dois meses, entre o primeiro contato e o aparecimento dos problemas.


Aumento expressivo

De acordo com o último Anuário Brasileiro de Segurança Pública, entre 2018 e 2021, foram registrados 3,1 milhões de casos de estelionato. Em 2021, o número chegou a 1,2 milhão de registros, o que corresponde a um significativo aumento de 179,9% nas taxas, por 100 mil habitantes, em relação a 2018 (entre 2020 e 2021, o aumento foi de 36,3%). Vale ressaltar que não houve queda em nenhuma das UF no período. O crime de estelionato em meio eletrônico foi tipificado apenas em 27 de maio de 2021.


"Para não ser vítima dessas situações, as pessoas, em primeiro lugar, precisam sem mais cautelosas e não acreditarem nessas promessas vazias que são feitas pelos golpistas. Esses estelionatários se aproveitam essencialmente de pessoas de mais idade ou que revelam ser carentes de sentimento ou sozinhas nas conversas pela internet", afirma o advogado Fabrício Posocco.


Segundo ele, o cuidado deve ser redobrado com pessoas que se dizem estrangeiras e conversam em português fluente. Tampouco é válido acreditar em conversas traduzidas por programas de computador ou ferramentas da internet, por não serem sensíveis a gírias e expressões idiomáticas locais.


"Por mais que relacionamentos virtuais possam dar certo, as pessoas não podem confiar nas histórias que são ditas em primeiro momento", aconselha.


Posocco lembra que, nos casos de extorsão, a devolução do dinheiro perdido é possível. Já quando ele é gasto sem ameaça, como no pagamento de despesas de uma pessoa, a restituição fica mais complicada.


"Quando temos essa questão da fraude, é possível (a devolução dos valores perdidos) muitas vezes pelo fato das ferramentas de segurança das contas não detectarem essas transferências em razão de perfil de contas que destoam daqueles que são utilizados pelos bandidos. Nos casos de 'estelionato sentimental', é mais complicado, pois pessoas que se veem apaixonadas elas acabam transferindo o dinheiro para o 'seu amor' por que querem e aí o banco não tem nenhuma responsabilidade", complementa o profissional.


Segundo ele, em ambos os casos citados, foram solicitados boletins de ocorrência com o intuito de documentarem a ideia de que estavam sendo extorquidos. A partir disso, o corretor de imóveis foi instruído a instaurar um Inquérito Policial para apuração das condutas dos golpistas.


Já quanto ao caso do engenheiro, há um processo de divórcio que segue em segredo de justiça, onde estão sendo discutidos itens como partilha de bens e pensão alimentícia para a ex- mulher.


Retrato

A psicóloga Beatriz de Castro, pós-graduada em neuropsicologia, lembra que que o “estelionato sentimental” ficou conhecido pelo documentário O Golpista do Tinder, da Netflix. "A condição emocional vivenciada faz com que as vítimas se sintam frustradas, inseguras, ofendidas e envergonhadas", avalia.


Para ela, as medidas de prevenção são necessárias a cada início de relacionamento amoroso, como: saber sobre gosto e relações de amizades, por exemplo.


"As relações humanas mudaram, assim como o mundo em que ocorrem os relacionamentos também mudou. O perfil comportamental do estelionatário se vale dos sentimentos da vítima, envolvendo a vítima com declarações, e da confiança amorosa típica de um casal. O discurso do estelionatário afetivo é maravilhoso, ele ilude e seduz. Ele sabe o que é certo e errado", define.


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