Entrevista: 'O Jornalismo regional nunca foi tão relevante'

Antonio Rech, presidente da Associação Nacional de Jornais, destaca a relevância da imprensa na defesa da democracia

Por: Arminda Augusto  -  26/03/21  -  22:01
  Foto: Vanessa Rodrigues/AT

"Os governos e presidentes passam, a imprensa independente e profissional fica". A fala é do presidente da Associação Nacional de Jornais (ANJ), que enxerga a imprensa com papel cada vez mais relevante na defesa das democracias mundo afora. Marcelo Rech entende, também, que o jornalismo profissional e independente é, também, a melhor forma de combater o que chama de ‘bolha de ódio e desinformação” que se instalou nas redes sociais. Veja, abaixo, a entrevista completa.


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Temos visto, nos últimos tempos, manifestações mais frequentes por parte da ANJ repudiando atos de violência contra profissionais da comunicação. Tem havido mais demanda nesse sentido?
Sim, infelizmente, o Brasil entrou no circuito mundial das agressões à imprensa. Não que em anos anteriores não houvesse problemas aqui e ali, mas estamos vendo agora uma sistematização das hostilidades a jornalistas. Isso tem uma origem, que é o fato de termos um presidente estimulando a hostilidade à imprensa. Isso, seguramente, também prejudica a imagem do Brasil no exterior. Em poucos lugares do mundo a imprensa precisou abdicar do contato diário com o presidente em razão da segurança pessoal dos jornalistas e da hostilidade por parte do próprio presidente e de seus seguidores. Isso não se vê em nenhum país sério do mundo. A imprensa, corretamente, abriu mão do contato diário com ele para não ficar dando palanque a algo que foge completamente aos princípios da liberdade de imprensa.


Você vê ameaça à liberdade de imprensa?
Hoje em dia, as ameaças à liberdade de imprensa não são mais como no passado. No passado, nas ditaduras, por exemplo, colocava-se um censor nas redações para impedir determinadas publicações. Hoje, chama-se soft censorship, uma censura escondida, oculta, que ocorre de duas formas. Uma é a partir de instrumentos autoritários que têm como finalidade enfraquecer a imprensa, com regulação maior para tornar a sobrevivência financeira de um veículo quase impossível...


Um exemplo, por favor.
Na Venezuela, por exemplo, onde a imprensa era pujante, forte, e agora está destruída. O ex-presidente (Hugo) Chaves adotou esse caminho, que força o fechamento ou a venda do controle para grupos alinhados ao governo. Na Hungria, Viktor Orban adotou legislações muito restritivas que enfraquecem a imprensa. Turquia e Filipinas também. Pra ter liberdade de imprensa precisamos de duas coisas: liberdade e imprensa. Então, o que esses países fazem é, em lugar de estrangular a liberdade, estrangular a imprensa.


E no Brasil?
Aqui nós vimos isso acontecer também. O presidente (Jair) Bolsonaro assinou duas MPs (medidas provisórias) para tentar acabar com a publicação de balanços e editais em jornais. Felizmente, foram revertidas. É o uso da caneta presidencial para tentar sufocar economicamente a imprensa. E quando se fala em publicação de balanço, estamos falando de setor privado, não público. Outra ameaça que foi feita desde o início foi quanto à não-renovação de concessões de rádios e TV, uma área muito regulada. É uma forma nada republicana de se relacionar com a imprensa. A concessão é do estado, não do presidente. O uso da propaganda oficial em blogs e sites que o apoiam, perseguindo a imprensa independente, também é um instrumento de punição.


Na sua avaliação, a imprensa brasileira tem reagido bem a esse cenário? Você diria que a criação do consórcio entre veículos para dar informação sobre a pandemia foi uma reação importante à sonegação de dados oficiais?
Eu entendo que a sociedade brasileira, como um todo, precisa amadurecer a ideia sobre o papel da imprensa, entender o papel do jornalismo, que não é fazer amigos ou servir a interesses. O papel do jornalismo é buscar apuração da verdade, apresentar a realidade e opiniões plurais. A esquerda brasileira já vinha numa campanha de hostilização e tentativa de tirar a credibilidade. Agora, a direita segue no mesmo caminho. Essa imaturidade não é exclusiva da direita. Não vamos esquecer que a esquerda também fez isso, especialmente nos anos mais recentes.

É como se a imprensa profissional fosse colocada no mesmo patamar das redes sociais?
Exatamente, como se a imprensa representasse os mesmos interesses ideológicos de grupos das redes sociais quando, na verdade, essa não é a posição do jornalismo sério e profissional. A imprensa independente não se alinha a interesses de um lado ou de outro. Essa dificuldade de compreensão vale para os dois lados da polarização ideológica do Brasil.


Essa ala da sociedade que critica e hostiliza a imprensa profissional é a mesma que vai buscar informações confiáveis nesses veículos, não?
Os sites informativos, em especial, têm picos de audiência quando alguma informação importante começa a circular nas redes sociais. É nos veículos sérios que se busca a verdade.


No mundo todo, a imprensa está fazendo um papel fundamental neste momento de pandemia, por exemplo. A responsabilidade pela difusão da verdade é muito grande. Então, em uma hora de dificuldade, procura-se o veículo profissional. As pessoas até podem buscar o curandeirismo, mas quando a coisa fica feia, é no médico que elas vão.


A julgar pelo ritmo que vimos agora, que cenário você enxerga para os próximos meses nessa relação da imprensa com o governo?
Eu acho que o importante é que tenhamos um comportamento similar à imprensa americana. Não estamos em guerra contra partidos, contra governos. Nosso papel não é esse, mas retratar a realidade. Cada vez mais devemos ficar focados nessa missão, que é permanente e não transitória. Os presidentes e os governos passam e a imprensa independente fica. O (Donald) Trump passou e a imprensa ficou. Nossa melhor resposta é a cobertura, é continuar o trabalho que sempre nos pautou, com informação correta e precisa.


Uma das bandeiras da ANJ tem sido a defesa para que o Google pague aos veículos de comunicação pelos conteúdos que utiliza. Como está essa questão?
Tem uma ação que o Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) abriu que investiga o uso de conteúdos de imprensa pelo Google. A ANJ pediu para ampliar essa investigação no sentido de remunerar a atividade jornalística como um todo. O mundo das plataformas digitais criou também um efeito secundário de alto impacto, que é o surgimento das bolhas de ódio, da desinformação, e o efeito secundário disso é a poluição social que se produz.


Para combater isso há três possibilidades. Uma delas é as plataformas se autorregularem e fazerem uma seleção de conteúdo. Isso é difícil. O segundo modelo para combater a poluição social é o controle estatal, a regulação por parte dos governos, que puniriam as plataformas que praticassem conteúdos poluidores. Na China é assim e é a pior das soluções. A terceira solução é, em vez de combater as inverdades dentro das plataformas, fortalecer quem produz conteúdo profissional. Para as próprias plataformas, esse é o melhor caminho. Isso significa, sim, remunerar a atividade jornalística pelo combate à desinformação. A Austrália entendeu isso, entendeu que o jornalismo profissional tem valor para as democracias e a sociedade.


Em um mundo cada vez mais conectado e rápido, em que se tem acesso a sites e jornais do mundo todo, qual o papel do jornalismo regional?
O jornalismo regional nunca foi tão relevante. Você tem acesso a todas as informações que acontecem no mundo mas, às vezes, não sabe o que está acontecendo no próprio bairro. Só o jornalismo regional é capaz de trazer essa informação. A vida acontece no local, na nossa aldeia, não no outro lado do mundo. O paradoxo é que a imprensa regional tem sido muito sacrificada por esse duopólio digital, que é o Google e o Facebook. Muitos municípios brasileiros não têm veículos profissionais locais. Então, esses municípios ficam a mercê de bandoleiros locais. Esse é o cenário que a gente vê crescer no Brasil e no mundo, abrindo desertos de notícias. Onde não há jornalismo local a perda de fiscalização de governos, por exemplo, tem gerado problemas variados. Governos ficam mais à vontade para cometer abusos, e a sociedade perde o debate edificante e produtivo.


A pergunta que todos fazem: jornais impressos vão acabar?
Não há uma resposta única, porque cada situação é uma situação. Alguns optam por manter edições digitas. Isso fica de acordo com a estratégia de cada grupo de comunicação. Quem define se será impresso, digital ou a combinação dos dois é o leitor. Eu sinceramente acredito que não só aqui no Brasil, mas no mundo todo, os jornais impressos seguirão seu caminho por muito tempo ainda. Mas cada um tem sua estratégia. Alguns estão transitando para o digital. O mercado e o público que definem isso. O que precisamos é continuar produzindo informação de qualidade.


Que recado dar ao jovem que quer seguir essa carreira?
A atividade jornalística nunca foi fácil e nunca será. O mercado de trabalho para jornalista nunca foi reluzente. O que sinto hoje é que existe um arco mais amplo para iniciativas individuais ou coletivas. Ainda há no Brasil amplo espaço para nichos, jornalistas especializados em determinados temas. Saúde, por exemplo, tem pelo menos uns 200 nichos específicos. Isso vale para o universo jurídico, esportivo e tantos outros. Há um potencial enorme para isso, mas é preciso um pouco de empreendedorismo também.


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