'Em um país continental, a saída dessa crise pode ser diferente entre as regiões', diz Nelson Souza

A Desenvolve SP nasceu em 2009, com o aporte de R$1 bilhão do total de R$ 5 bilhões recebidos pelo Governo do Estado com a venda do banco Nossa Caixa para o Banco do Brasil

Por: Arminda Augusto & Editora-chefe &  -  24/10/20  -  18:56
Nelson Souza foi presidente da Caixa Econômica Federal e também do Banco do Nordeste
Nelson Souza foi presidente da Caixa Econômica Federal e também do Banco do Nordeste   Foto: Divulgação/Governo do Estado de SP

Braço financeiro do Governo do Estado de São Paulo, a Desenvolve SP ainda é um banco pouco conhecido pelos paulistas. Não é de varejo, não tem conta corrente, agências bancárias ou operações com pessoas físicas, mas já movimentou, nos meses de pandemia, mais do que o dobro de recursos em todos os 11 anos de sua existência.


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A Desenvolve SP nasceu em 2009, com o aporte de R$1 bilhão do total de R$ 5 bilhões recebidos pelo Governo do Estado com a venda do banco Nossa Caixa para o Banco do Brasil. A agência de desenvolvimento, segundo seu presidente, Nelson Souza, vem desempenhando papel de relevância no auxílio a pequenas, micro e médias empresas durante a pandemia. Entre os atrativos de tomar dinheiro na Desenvolve SP, juros mais baixos que os de mercado, prazos mais extensos, carência maior e menor exigência de garantias.


Nelson Souza foi presidente da Caixa Econômica Federal e também do Banco do Nordeste. Desde o início do Governo Doria, preside a agência paulista.


A Desenvolve SP não é um banco muito conhecido da população. 


Quando eu cheguei na Desenvolve SP, as pessoas não entendiam direito o que é Investe SP e o que é Desenvolve SP. Investe SP é a captadora de investimentos, mas o Estado de São Paulo só tem um banco, que é o Desenvolve SP, o braço financeiro do Estado de São Paulo. O Estado já teve muitos bancos, como Banespa e Nossa Caixa. Quando a Nossa Caixa foi vendida para o Banco do Brasil, foram criadas as duas novas empresas: Investe SP e Desenvolve SP, mas com funções bem distintas. O Desenvolve SP é o BNDES do Estado. É o banco do empreendedor do Estado de São Paulo.


Se não é um banco de varejo, qual é o seu público, então? 


Ele ampara o desenvolvimento das micro, pequenas e médias empresas e também dos municípios, que podem recorrer aos recursos disponíveis.


De onde vêm os recursos para oferecer a essa clientela? Do orçamento do Estado?  


O controlador dele é o Estado, com 99,99%. Foi fundado em 2009, quando da venda da Nossa Caixa e do aporte de R$ 1 bilhão. Mas ele não precisa ter tanto aporte, porque trabalha com repasses de diversas fontes nacionais e internacionais. As verbas vêm do BNDES, FGTS, todos repassadores nacionais. De fora, vêm recursos do BID, Banco Mundial, Banco de Desenvolvimento da América Latina.


Esses recursos de fora estão disponíveis com juros competitivos?  


Existe uma montanha de recursos fora do país com juros negativos até, e o Brasil não tem acesso a esses recursos. Nós conseguimos trazer esses recursos. Pegamos em dólar, transformamos já em real antes de repassar para as micro, pequenas e médias empresas, e municípios. E por quê? Pra não passar o risco da variação cambial para esses tomadores. Essa foi a inteligência financeira que criamos. Além disso, conseguimos colocar o custo efetivo total para esses tomadores finais menor do que a maioria dos repassadores nacionais.


Quanto já veio de fora do país para esse público? 


Nas dificuldades surgem as oportunidades. Cerca de R$ 3,5 bilhões estão sendo internacionalizados nos próximos nove meses. A Desenvolve SP é um banco que trabalha de maneira transversal em todas as secretarias. Ele não precisa ter a porte do Governo do Estado. Eu pego de quem tem e empresto a quem precisa.


Este ano, quanto de dinheiro foi movimentado? 


Em 16 de março, criamos o Comitê de Contingência do Coronavírus. Naquele momento, criamos duas grandes medidas. Uma na saúde, quando se definiu o incremento à rede hospitalar para se preparar para o que viria. A segunda coisa: ter cuidado com a vidadas empresas, em especial micro, pequenas e médias empresas. As pessoas precisavam de respiradores, e as empresas também. Para as empresas, o respirador é o capital de giro. A curva da pandemia cresceu, e a curva da economia caiu fortemente. Foi nesse momento que entrou a Desenvolve SP.


Para as empresas, o problema maior era a falta de capital de giro, certo? 


Exatamente. A Desenvolve SP não tem a função de banco privado, e os bancos privados não assumiriam esse risco sistêmico que se criou com a pandemia. A atividade econômica caiu com os protocolos de distanciamento e o esvaziamento de pessoas em trânsito. Percebemos que a crise seria de liquidez. As empresas não tinham mais seu faturamento. Se iriam ficar fechadas, como é que sobreviveriam?


E qual foi a solução encontrada?  


Lançamos imediatamente dois produtos, duas linhas de crédito para capital de giro, porque não há o que se falarem investimentos neste momento. E essas linhas de crédito vieram com duas características para enfrentar a crise: alongar o prazo de amortização do capital de giro para 60 meses, com um prazo de carência de nove meses. Enquanto todos os bancos aumentaram a taxa de juros, nós diminuímos de 1,43% ao mês para1,2%. Fizemos outra coisa ainda: fundos garantidores. Criamos um fundo garantidor de crédito, e o Estado aportou R$ 50milhõesde imediato. Para que essas empresas que ficaram sem faturamento não precisassem buscar bancos privados. Depois, o Governo Federal também foi na mesma linha, e isso foi muito importante.


Com todas essas condições, a procura foi grande? 


Como tudo é feito pela internet com a Desenvolve SP, tivemos uma avalanche de procura por parte das micro, pequenas e médias empresas. Foram mais de 8 mil empresas buscando esses benefícios. Em três meses (março, abril e maio), fizemos duas vezes mais operações do que foi feito em 11 anos da Desenvolve. Só em abril e maio, crescemos 2.161% em comparação com fevereiro e março, pré-pandemia. Aí ficou claro qual seria o diagnóstico. A crise das empresas era e continua sendo de liquidez. Aportamos na pandemia R$1,1 bilhão.


E quem já tinha dívida contratada?  


Suspendemos por seis meses as prestações vincendas. Foram medidas pensadas e planejadas. Percebemos que era difícil ter todas as respostas sobre os impactos da pandemia na economia. Quando e como ela vai acabar? Que preço vai custar? Além disso, em um país continental como o Brasil, pode ser que a saída dessa crise seja diferente entre as regiões. Dentro do próprio Estado de São Paulo, a recuperação pós-pandemia será diferente, os movimentos são diferentes.


E a recuperação? 


Essa é uma crise diferente das demais. Nós criamos um protocolo para o período de seis a 12 meses de pandemia, São Paulo quase todo na fase verde, e eu prefiro acreditar na recuperação da economia por setores, com aumento gradual da atividade econômica. Nós entramos com captação de mais recursos nacionais. Além de recursos do Estado de São Paulo, quem mais está ao lado do Desenvolve SP é o Ministério do Turismo, querepassouR$158milhões de imediato, mais R$ 400 milhões depois, principalmente para o setor de eventos, cultura e economia criativa. Atividades como bares, restaurantes, teatros usaram bastante.


Esses recursos da Desenvolve normalmente estão alinhados à política de desenvolvimento do Estado de São Paulo? Há uma prioridade na destinação dos recursos? 


Totalmente alinhado ao planejamento estratégico do Estado. Por exemplo, infraestrutura, projetos que dialogam com o desenvolvimento sustentável da agenda 2030. Estamos presentes também no projeto de despoluição do Rio Pinheiros. A Desenvolve, além de trabalhar com o empreendedor, trabalha com os projetos do Estado, como o Rio Pinheiros, Vale do Futuro, entre outros. A pandemia nos fez criar uma espécie de ‘adendo’ às funções da Desenvolve, porém, sem perder de vista o foco nos investimentos para as micro, pequenas e médias empresas.


O senhor sente que já há algum sinal de retomada? 


Sim, e a prova maior de que a pandemia começa a arrefecer e a economia a voltar é que já estamos recebendo vários projetos de investimento, de energia renovável, infraestrutura, indústria. A última fase é de 12 meses a 3 anos. Vai voltar mais rápido quem se planejou para esse período. Só não podemos ter recidiva da pandemia, porque vai prejudicar muito a economia.


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