Vivemos um momento bastante turbulento em se tratando das relações humanas. Esse aspecto não se restringe apenas à sociedade brasileira, em absoluto. Refiro-me à comunidade global e todas as suas implicações, especialmente em razão do uso maciço da internet que possibilitou a criação de um mundo amplamente conectado e acessível às boas práticas. Essa interação se mostra como um aspecto positivo dos tempos atuais. Não podemos dizer que temos dificuldade em obter conteúdo para o nosso aprimoramento intelectual, espiritual, como também moral.
Mesmo lançando um olhar bastante esperançoso a respeito deste cenário, somos confrontados com atitudes que não coadunam com aquelas que consideramos apropriadas atualmente. Nesta semana o noticiário foi tomado por manchetes que o ex-piloto de Fórmula 1 Nelson Piquet chamou o piloto Lewis Hamilton de “neguinho” durante uma entrevista concedida em novembro do ano passado. Naquela oportunidade, comentando um acidente envolvendo os pilotos Verstappen e Hamilton durante o Grande Prêmio de Silverstone de Fórmula 1, afirmou: “O neguinho meteu o carro e não deixou (Verstappen desviar). O neguinho deixou o carro porque não tinha como passar dois carros naquela curva. Ele fez de sacanagem (...)”.
Diante da repercussão do episódio, o tricampeão mundial se apressou em emitir nota, citando equívoco na tradução do termo e pedindo desculpas. Afirmou que a sua fala foi mal pensada e que a palavra empregada é usada coloquialmente no Brasil e que não teve a intenção de ofender. Numa atitude evidente de tentar minimizar o caso e a declaração de cunho racista demonstrou inequívoca falta de percepção do problema e da agressão perpetrada contra Lewis Hamilton.
Precisamos entender, de uma vez por todas, que não existe discussão semântica quando tratamos de questões que versem a respeito dos direitos humanos e da prática de posturas racistas. Não podemos mais fingir que não ouvimos ou tergiversar a respeito dessas condutas sub-reptícias e absurdas. Não é possível alegar que desconhecemos o significado desses termos e, igualmente, das implicações legais e sociais de posturas tão nefastas. No caso em comento, um tricampeão mundial de F-1, conhecedor do peso e repercussão de suas declarações, tem que saber disso.
O pedido de desculpas e a assertiva de que a expressão é usada de forma cotidiana no Brasil apenas reforçam o aspecto racista e a visão distorcida que se tem dessa grave chaga social. Essa fala não guarda relação com o idioma empregado, muito menos com o esfarrapado pedido de desculpas formulado, mas com uma cultura de preconceito que assola a comunidade global e precisa ser combatida diariamente. Essa agressão se deu em face de uma destacada figura pública; e como protegeremos milhões de pessoas que sofrem esse preconceito diariamente? Não progredimos tanto quanto alguns nos querem convencer.
Não será através de leis e punições rigorosas que alteraremos essa situação, apenas. É essencial que mudemos a mentalidade e isso se dá nas pequenas atitudes do dia a dia. No ambiente profissional, familiar e em todas as células sociais é fundamental difundir que a defesa dos direitos humanos, condutas contra o racismo e quaisquer outros preconceitos são indispensáveis e a não observância dessas iniciativas acarretará severas consequências. Não se trata apenas da triste linguagem utilizada, mas da mentalidade, muitas vezes, silenciosa que carece ser mudada. O tempo da discussão terminou, é preciso ação!