Cidadão sueco

Carlos Roberto Ferreira Cabral, ou simplesmente Cabralzinho, fez história como treinador e jogador

Por: Marcio Calves  -  08/06/22  -  13:00
Cabralzinho viveu grandes momentos do futebol brasileiro, principalmente no comando do Santos
Cabralzinho viveu grandes momentos do futebol brasileiro, principalmente no comando do Santos   Foto: Divulgação

A foto no WhatsApp é dos tempos de menino, quando jogava no infantil do Santos. O uniforme era o tradicional, todo branco, de mangas cumpridas, sem dúvida o mais bonito e conhecido do mundo. A pose tradicional, de cócoras, com a mão direita tocando levemente o gramado, garantia o equilíbrio no momento do clique do fotógrafo.


Nasceu na Vila Mathias, percorreu o mundo (exatos 97 países) e hoje vive em Estocolmo, na Suécia, ao lado da filha, Mariana, e dos dois netos, Lorenzo e Matteo. Hoje é também um empresário, proprietário de duas cafeterias. Numa sociedade com o genro, porém, já teve quatro restaurantes, que exigiam dedicação integral e restringiam os momentos familiares.


Recentemente, por intermédio do genro, hoje proprietário de uma rede de hamburguerias, viveu um momento incrível: uma boa conversa e uma foto com o lendário Bjorn Borg, um dos maiores tenistas da história. O encontro envolveu uma sessão publicitária de fotos para o lançamento do Slamborg, numa associação ao Grande


Slam, série que compreende os quatro maiores torneios do circuito mundial de tênis. Nas simples, ganhou 11 vezes.


Fez história no Brasil como jogador e treinador e viveu grandes momentos do futebol brasileiro, principalmente no comando do Santos.


Seu nome: Carlos Roberto Ferreira Cabral. Ou simplesmente Cabralzinho.


Como atleta, além do Santos, integrou um dos maiores times formados no Rio de Janeiro, comandado com rigor e amor pelo folclórico e poderoso Castor de Andrade, mais conhecido como Dr. Castor. Na vida real, era um dos homens fortes do chamado Jogo do Bicho na capital carioca. E formou um time que encantou o Brasil, cujo ataque, que só tinha jogador de alto nível, humilhou o Flamengo em pleno Maracanã. Vale lembrar: Paulo Borges, Cabralzinho, Ladeira e Aladim


Como treinador, com orgulho, viveu um dos momentos mais importantes da história do futebol brasileiro, mais precisamente em 1995, quando o Santos foi rigorosamente prejudicado pelo árbitro Marcio Rezende de Freitas, que anulou um gol de Camanducaia em pleno Pacaembu. Era o gol da vitória e do título, 2 a 1 contra o Botafogo, na


final do campeonato nacional, devolvendo o placar do primeiro jogo, no Maracanã. Como o time jogava a final por dois resultados iguais, era o suficiente. Marcio Rezende de Freiras, porém, anulou e o Botafogo terminou campeão. Dez anos depois, consta que o árbitro reconheceu o erro, mas foi tarde, muito tarde.


Na longa conversa mantida ontem, por telefone, Cabralzinho lembrou muito dos momentos da final, dos jogos que antecederam a decisão e da campanha do time. Quando assumiu, a convite de Pelé, então vice-presidente do Santos, o Peixe era o penúltimo colocado. Sem nenhuma contratação, contou apenas com um reforço, o meio-campista Vagner, emprestado gratuitamente, assim o treinador levou o time até a final.


Ao ser indagado sobre a derrota para o Botafogo, a reação é imediata e incisiva: “Nós não perdemos o jogo, nós ganhamos...Mas, perdoem, fomos roubados...” O inconformismo e a indignação ficam claros no tom de voz e na fisionomia, a tecnologia do Face Time permitiu o flagrante.


A campanha de 1995 marcou a vida de Cabralzinho, um treinador que trabalhou no Santos e em poucos clubes no Brasil. A maior parte da carreira de sucesso se desenvolveu durante 15 anos em vários países do mundo árabe.


No Brasil, na verdade, sofreu preconceito, por seu perfil profissional rigoroso, sinceridade e métodos de trabalho. Tinha fama, por exemplo, de não gostar de dirigentes, principalmente nos vestiários, antes e depois dos jogos. Um dia, um jornalista e amigo lhe disse que “era um estranho no ninho”; ele nunca esqueceu a frase.


“Os momentos que antecedem uma partida, ou após o término, são exclusivos dos jogadores. Antes são instantes de concentração, depois são para relaxamento e privacidade”. Por isso, apenas com gestos, não hesitou um dia em literalmente expulsar um grande dirigente do vestiário. A vingança veio no final da temporada, quando, apesar da campanha, não teve seu contrato renovado.


Antes do Botafogo, o Santos enfrentou duas vezes o Fluminense. No primeiro jogo, no Maracanã, perdeu por 4 a 1. No segundo, no Pacaembu, venceu por 5 a 2, com destaque para a atuação de Giovanni, jogador que até a chegada de Cabralzinho era apenas mais um no elenco. No intervalo da partida, um momento inesquecível: em vez de descerem para o vestiário, os jogadores permaneceram no gramado, em sintonia com o ambiente e o apoio da torcida. Segundo Cabralzinho, a ideia partiu dos próprios jogadores, ainda no hotel onde estavam concentrados.


Na véspera da primeira partida, no hotel, no Rio de Janeiro, por intermédio de dois amigos, um deles jornalista conceituado, Cabralzinho foi informado de que estaria tudo acertado para uma final carioca, entre Botafogo e Fluminense.


O treinador, por telefone, alertou o então presidente do Santos, que até ironizou a informação. E mais: acrescentou que ficasse tranquilo, pois o então presidente da Federação Paulista de Futebol, Eduardo José Farah, estava atento e iria ao Maracanã. Mas não foi.E não justificou.


Vieram o jogo de volta, a incrível goleada sobre o Fluminense e os dois jogos contra o Botafogo. O último se constituindo também numa das páginas mais tristes do futebol brasileiro. Assim mesmo, principalmente para Carlos Roberto Ferreira Cabral, ficaram o orgulho e a plena consciência de um trabalho fantástico.


Para alguns críticos, como treinador, Cabralzinho era um misto de prepotência, arrogância e presunção. Quem o conheceu e que teve a oportunidade de longa convivência,


com certeza, constatou que se tratava de uma pessoa que apenas tinha compromisso coma seriedade e independência. Que não se submetia aos caprichos de dirigentes. Tal postura rendeu até desafetos na imprensa, a exemplo de Emerson Leão, que considera um grande amigo.


Era diferenciado, com nível superior, incluindo pós-graduação e curso de formação de técnico. E hoje é também umfeliz cidadão sueco.


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