O gerente ficou maluco! Operação portuária gratuita

Formadores de políticas públicas devem evitar custos logísticos; seus resultados impactam o desenvolvimento nacional

Por: Luis Claudio Santana Montenegro  -  26/03/24  -  06:24
Atualizado em 26/03/24 - 09:56
  Foto: Sílvio Luiz/AT

Escolhas logísticas sempre estarão diante de algum tipo de balanço entre custos e benefícios. Acontece que certas escolhas implicam em custos de difícil visibilidade, que parecem ser gratuidades, mas que só aparecerão para a sociedade quando seus impactos negativos forem de difícil reversão.


Considere um motorista rodoviário que opta por dirigir ininterruptamente por longas horas, minimizando as manutenções e transportando cargas além do limite de peso suportado pela estrutura das rodovias. A princípio, para quem contrata seus serviços, estas práticas podem parecer vantajosas devido à redução no custo dos fretes.


No entanto, essa abordagem aumenta significativamente o risco de acidentes, resultando em custos mais altos com seguros, impactos sociais e previdenciários consideráveis, despesas adicionais com a manutenção das estradas, danos ambientais e aumento na emissão de poluentes, entre outras consequências muito negativas.


No caso dos portos, desde o final dos anos 70, o Brasil tem visto uma transformação significativa, especialmente no processo de conteinerização. Inicialmente, as limitações de investimento público dificultavam a adaptação a essas necessidades operacionais crescentes, levando a incentivos, pela própria Autoridade Portuária, para investimentos privados nas retroáreas vizinhas.


Porém, nas últimas décadas, com a entrada de terminais portuários privados, a eficiência operacional dos portos brasileiros evoluiu de cerca de seis para mais de 90 movimentos de contêiner por navio, possibilitando a operação de embarcações com capacidade superior a 10.000 TEU (unidade equivalente a um contêiner de 20 pés), com enormes reduções de frete.


A opção por retroáreas externas vizinhas, agora sem a limitação da capacidade de investimento em terminais portuários privados, traz complicações desnecessárias, como o aumento do transporte local e a complexidade dos processos aduaneiros, gerando congestionamentos e duplicação de controles.


Na busca por sustentar esse modelo ineficiente, tenta-se induzir a um erro fundamental de entendimento: de que a escolha por armazenar em áreas vizinhas ao porto deve ser acompanhada da gratuidade de todos os serviços prestados no terminal portuário. Tenta-se fazer imaginar que, ao escolher armazenar fora do porto, o terminal portuário deixa automaticamente de fazer sentido operacional e que todos os seus investimentos e sua eficiência, comparáveis aos principais portos do mundo, pudessem ser ignorados.


Não se quer pagar pelos controles aduaneiros necessários, pela armazenagem transitória, pelos arranjos operacionais de segregação. É como se fosse possível imaginar que o contêiner fosse de alguma forma teletransportado desde o navio até os terminais retroportuários vizinhos.


É claro que a expectativa de serviços gratuitos não é realista e prejudica investimentos no setor, além de estimular de forma inconsequente o crescimento de retroáreas sem compromissos públicos de competitividade, investimento e desempenho.


Custos logísticos podem até ser invisíveis para a sociedade leiga. Porém, os formadores de políticas públicas devem obrigatoriamente evitá-los, pois os seus resultados impactam fortemente o desenvolvimento nacional.


Optar por armazenagens aduaneiras externas sem considerar os custos adicionais inerentes a essa escolha gera incertezas para investimentos portuários, desestimula novos aportes e retarda avanços operacionais e tecnológicos. Essa escolha necessita de uma análise cuidadosa, considerando não apenas os aparentes benefícios imediatos, mas principalmente o impacto a longo prazo na infraestrutura portuária e na eficiência logística do Brasil.


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