Romaria, o hino à padroeira do povo

Quando a canção de Renato Teixeira explodiu na voz de Elis Regina, em 1977, eu era ainda um adolescente

Por: Julinho Bittencourt  -  11/10/23  -  06:11
  Foto: Divulgação

Quando a canção Romaria, de Renato Teixeira, explodiu na voz de Elis Regina, em 1977, eu era ainda um adolescente e jamais iria imaginar que, anos depois, viria a gravar com o compositor e ter uma relação bem próxima com ele. Renato é um contador de ‘causos’. Sempre tem inúmeras histórias pra contar. Uma das mais inesquecíveis que ouvi dele foi sobre a composição que viria a se tornar, para a surpresa dele, o hino informal de Nossa Senhora Aparecida, a Padroeira do Brasil.


O combinado até então, segundo ele, é que Elis gravaria naquele disco de capa preta sua canção Sentimental Eu Fico. Um dia, ele chegou no estúdio e foi surpreendido pela versão dela de Romaria, a mesma que encantaria o país meses depois e por todas as décadas seguintes.


Foi um sucesso retumbante. Além de todos os méritos e da beleza irretocável da canção, a gravação ainda teve o mérito de quebrar inúmeros preconceitos que a classe média ainda tinha com a música caipira.


O próprio Renato contou em entrevista ao jornalista José Hamilton Ribeiro, no programa Globo Rural, que ficou surpreso com o sucesso da canção. “Eu quis fazer uma coisa sofisticada. Nunca imaginei que fosse se transformar numa canção tão popular. Eu acho que a força dela está exatamente em mexer com um símbolo brasileiro muito forte, que é Nossa Senhora. Era uma canção do romeiro, aquele que vai para Aparecida. Aí você começa a ver como ela penetra no inconsciente coletivo do povo brasileiro”, disse.


E, de fato, Romaria é uma canção extremamente sofisticada, ao contrário da maioria das que costumam explodir em paradas de sucesso. A trajetória do romeiro, acompanhada por versos refinados, desemboca sempre em um refrão maravilhoso, que faz o famoso trocadilho com o pequeno município de Minas Gerais:


‘Sou caipira, Pirapora

Nossa Senhora de Aparecida

Ilumina a mina escura

E funda o trem da minha vida’

Ao longo dos anos, a canção se transformou na maior e mais popular referência à Padroeira do Brasil, que terá seu dia comemorado amanhã, que também é o Dia das Crianças. Diz a lenda que, no ano de 1717, pescadores jogaram suas redes no Rio Paraíba do Sul, com o objetivo de pescar peixes grandes para preparar um jantar especial ao Conde de Assumar.


Não conseguiram pescar nada. Quando já estavam quase desistindo, um pescador chamado João Alves apanhou uma imagem de Nossa Senhora da Conceição, primeiro o corpo e depois a cabeça, e enrolou-a em um manto. Em seguida, as suas redes, que até então estavam vazias, começaram a ficar lotadas de peixes.


Um país em que a fome e o desamparo sempre fizeram parte de grande parcela da sua população, foi natural que Nossa Senhora, com sua lenda intimamente ligada à fartura, tenha se transformado na protetora de seu povo, em sua santa mais popular.


Renato Teixeira, sem cair na panfletagem barata, conseguiu traduzir como ninguém com sua canção o significado de Nossa Senhora para o povo brasileiro, por seu personagem solitário em busca de si próprio.


Um sujeito que nunca viu a sorte, não sabe rezar, mas que ao pedir paz nos desaventos – um lindo neologismo que junta as palavras desavença e desalento – entrega a única coisa que tem: “meu olhar, meu olhar, meu olhar”, que repetido assim três vezes, reafirma o desafio da vida de quem não tem nada, mas faz questão de entregar tudo o que tem.


Uma obra-prima da nossa música que, assim como a Padroeira, cresce em significado a cada ano.


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