Excesso de restrições: risco à concorrência em licitações

Merecem reflexão as propostas de restringir o acesso de players importantes no leilão sem uma fundamentação adequada

Por: Gesner Oliveira  -  03/02/23  -  06:51
  Foto: Sérgio Furtado/Imagens Aéreas/Divulgação SPA

A previsão de leilão do terminal portuário STS10 no Porto de Santos suscitou uma discussão concorrencial sobre a necessidade de o edital prever restrições à participação no leilão e também à operação no pós-leilão. Ocorre que, em vez de estimular a concorrência, esse excesso de zelo termina por eliminá-la.


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Merecem reflexão as propostas de restringir o acesso de players importantes no leilão sem uma fundamentação adequada e em detrimento da concorrência. Tanto a Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq), por meio do Parecer Técnico 1/2022, quanto o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), em diferentes manifestações no âmbito do processo do STS10, reconhecem, em linha com as melhores práticas internacionais, a importância de se estimular a participação do maior número possível de empresas nas licitações.


A exclusão ex-ante de players do certame só deve ser utilizada quando existir certeza de que o competidor necessariamente prejudicará o mercado e que não existem outras soluções para a contenção do problema. Objetivando evitar riscos à concorrência, vale destacar que a minuta de edital do STS10 já restringia a participação de empresas verticalizadas, ou seja, daquelas que integram transporte marítimo e terminal portuário.


Mas, sob pretexto de defender a concorrência, foram adicionadas novas restrições. De fato, o referido parecer da Antaq colocou cláusula adicional, prevendo que a agência poderá adotar medidas mitigatórias para combater práticas anticompetitivas. Ocorre que o dispositivo prevê a instauração de investigações e eventuais punições tão-somente em virtude do aumento na participação de mercado.


Conforme destaca o § 1o do Artigo 36 da Lei de Defesa da Concorrência (Lei 12.529/2011), a conquista de mercado resultante de maior eficiência não caracteriza ilícito antitruste per se. De fato, a análise de eventuais condutas unilaterais não deve se basear apenas em participações de mercado, mas em como tais participações foram alcançadas e nas provas de eventuais danos à concorrência e ao consumidor.


Outra restrição excessiva adicionada no edital foi a limitação artificial à operação dentro do complexo portuário de Santos. A possibilidade de crescimento da movimentação portuária por parte da arrendatária estará limitada à sua participação em termos de capacidade. Ainda que tal limite possa ser ajustado, não faz sentido do ponto de vista da legislação concorrencial vedar ex-ante e de forma artificial o crescimento orgânico de algum player no mercado.


Tais medidas não só desincentivam a busca por ganhos de eficiência por parte dos agentes que já operam no porto como também tendem a inibir eventuais interessados em apresentar propostas na licitação do STS10. Cria-se artificialmente um limitador para o potencial de expansão do Porto de Santos como um hub de transbordo de cargas, bem como para sua necessária inserção nas principais rotas marítimas do mundo, hoje concentradas na Ásia, Europa e América do Norte.


Eventuais condutas anticompetitivas podem ser reprimidas por meio de mecanismos de controle ex-post, seja por parte do poder concedente ou da Antaq, seja do Cade, não de forma arbitrária, mas em estrita obediência ao devido processo legal. Ironicamente, ao introduzir um sem-número de obstáculos à participação no leilão buscando eliminar eventuais riscos à concorrência, obtém-se menos concorrência.


Este artigo é de responsabilidade do autor e não reflete necessariamente a linha editorial e ideológica do Grupo Tribuna. As empresas que formam o Grupo Tribuna não se responsabilizam e nem podem ser responsabilizadas pelos artigos publicados neste espaço.
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