O abandono na imensidão da mata

A lição que fica com este caso é que o Governo precisa zelar mais pelos povos da imensidão da floresta

Por: Redação  -  11/06/22  -  06:21
  Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

O desaparecimento do indigenista Bruno Pereira e do jornalista inglês Dom Phillips no Vale do Javari, no extremo oeste do Amazonas, revelou uma região do tamanho de Santa Catarina abandonada pelos governos e tomada pela ilegalidade. Ribeirinhos e indígenas convivem em área estratégica, na fronteira com o Peru e sul da Colômbia, com pescadores, garimpeiros, madeireiros e organizações criminosas.


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Segundo estudiosos da violência em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, essa parte da mata se tornou importante para escoar drogas dos países vizinhos pelo Comando Vermelho e a Família do Norte, a mesma que cortou cabeças de adversários do PCC nas prisões de Manaus (AM) em 2017. Rios e igarapés, os mesmos que são usados pelos povos da mata ou aqueles que vivem de atividades ilegais, também servem como rota dos traficantes. A publicação Cartografia das Violências apontou o surgimento de um bando local, Os Crias, na tríplice fronteira (ao redor de Tabatinga, no Brasil; Letícia, na Colômbia; e Santa Rosa, no Peru). Há também a presença dos Casqueteños, a principal organização de narcotraficantes no lado colombiano da Amazônia.


O Vale do Javari abriga uma terra indígena que tem nas suas bordas algumas poucas cidades, o que explica a importância da Funai e das Forças Armadas (agora, dezenas de militares participam das buscas pelos desaparecidos). Obrigadas pela Justiça, as autoridades de segurança montaram um grupo para comandar o caso. Um homem foi detido por estar com munição ilegal e supostamente ter ameaçado indigenistas na região, mas ainda não se sabe se ele está envolvido no desaparecimento.


Também chama a atenção que o indigenista é servidor licenciado da Funai por incompatibilidade com o presidente do órgão, Marcelo Xavier, que praticamente culpou Pereira e Phillips por seus destinos. Segundo Xavier, eles erraram ao não avisar sobre a ida ao Javari. Mas a entidade dos servidores da Funai, a Indigenistas Associados (INA), afirma que a dupla não ingressou na reserva indígena, mas nas imediações. Ao deixar a coordenação da unidade de Indígenas Isolados da Funai, Pereira foi sucedido por um missionário evangélico, exonerado há alguns meses. Nesta gestão, há uma troca incessante de cargos de chefia na Funai.


Pereira é um especialista na mata e no contato com indígenas, o que traz muita preocupação sobre seu desaparecimento desde o fim de semana. Ele já passou uma temporada com outro indigenista, Rieli Franciscato, morto por uma flechada em Rondônia há dois anos. Os colegas afirmam que Pereira, agora atuando em uma ONG criada pelos indígenas, decidiu continuar o trabalho que o Estado deixou de fazer, que é o de apoiar os povos isolados. As buscas pela dupla continuam, mas são elevadas as possibilidades de algum crime consumado. A lição que fica é que o Governo precisa zelar mais pelos povos da imensidão da floresta.


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