Em meio às incertezas causadas pela invasão da Ucrânia pela Rússia, há um consenso geopolítico de uma nova ordem mundial, da oposição do Ocidente ao Kremlin, que poderá contar com o apoio firme ou dúbio da China. Entretanto, a Organização Mundial do Comércio (OMC) alerta para as consequências dessa mudança para as transações econômicas entre os países, conforme reportagem do jornal Valor. Segundo a diretora-geral da OMC, Ngozi Okonjo-lweala, é esperada a formação de pelo menos dois blocos e o desenvolvimento por eles de regulamentações diferentes para o comércio mundial. O resultado poderá ser o de um lado não reconhecer as regras do outro e se fechar, o que seria até estímulo ao protecionismo.
De acordo com a OMC, esses blocos econômicos opostos teriam impacto negativo no crescimento das principais economias, resultando em uma queda do Produto Interno Bruto (PIB) global de 5%. Os maiores reflexos seriam sentidos pela Rússia (-10%), Índia (-9%) e China (-7%). Do outro lado, os Estados Unidos sofreriam em menor intensidade, com -1%, mas seus aliados recuariam mais, com -4% na União Europeia e o mesmo percentual no Japão. O texto não menciona os países da África e da América Latina, mas fica difícil acreditar que a produção de commodities do Brasil não seria atingida, até porque a China é o principal cliente. O Brasil por sua posição geopolítica, deveria negociar com os dois lados, porém, enfrentaria consequências por uma redução das transações mundiais. Um dos principais efeitos negativos apontados pela OMC é o bloqueio à troca de tecnologias e especialização da produção, o que poderia incluir a transferência de conhecimento para capacitação de mão de obra. Os países pobres sofreriam muito, pois teriam acesso dificultado aos novos conhecimentos.
Apesar dos tropeços diplomáticos da atual gestão, a atuação do Itamaraty nas negociações comerciais internacionais é reconhecida e o País tem um papel importante perante as nações mais pobres contra o protecionismo. Nos últimos anos, a polarização política no País gerou ruídos com parceiros comerciais como a França, que freou um desfecho para o acordo do Brasil com a União Europeia. O gigantismo da produção de carne e alimentos brasileira é vista com desconfiança lá fora e, por isso, o Brasil cedeu com cotas (limites de quantidades que poderão ser exportadas) para destravar uma negociação de duas décadas. Agora, uma eventual formação de dois blocos comerciais tende a complicar acordos multilaterais (várias nações envolvidas), estimulando tratados bilaterais e enfraquecendo o papel da OMC, que bem ou mal é para onde os países recorrerem para discutir suas diferenças. A dúvida com a guerra da Ucrânia, além do tempo que ela vai durar, é qual será seu impacto no grau de distanciamento entre as potências, sem as ilusões de que o Brasil irá escapar das consequências.