Instituições de papel

O País retrocede ao tornar tragicômico o ato de votar, tão duramente conquistado por gerações passadas

Por: Redação  -  03/08/21  -  09:00
 O Brasil retrocede ao tornar tragicômico o ato de votar e reduz as instituições a papel
O Brasil retrocede ao tornar tragicômico o ato de votar e reduz as instituições a papel   Foto: Divulgação

Mais um 2 de agosto se passou. Como tantas datas históricas perdidas no tempo, transcorreu sob o mais absoluto esquecimento que, num dia como esse, em 1983, a população de Santos recuperava o direito de escolher seus prefeitos. Declarada Área de Interesse da Segurança Nacional após a cassação de Esmeraldo Tarquínio — em 1969, antes de ter tomado posse —, a Cidade foi submetida a governantes nomeados por 14 anos. Perdeu liberdade e decaiu em relevância política e econômica, mas foi inspiradora ao voltar às eleições diretas. Era um pleito que ganhava corpo nacionalmente, sobretudo para escolha direta de presidentes da República, interrompida com 1964.


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Agora, o que se discutiu no 2 de agosto mais recente — ontem — foi o rescaldo de manifestações comedidas, porém pulverizadas, num simulacro de defesa popular de uma bandeira desfraldada pelo presidente Jair Bolsonaro. Não a do Brasil, mas a da impressão do comprovante do voto, baseada em supostos indícios, jamais provas, de que poderia haver fraudes na contagem dos sufrágios. Algo que, antes do então presidenciável Aécio Neves em 2014 e que se constatou improcedente, candidato nenhum levantara em mais de duas décadas de urnas eletrônicas. Do contrário, na época do papel, cédulas em branco eram o paraíso de desonestos munidos de canetas esferográficas.


É injustificável um gasto bilionário em impressoras a fim de fornecer comprovantes de papel para que eleitores tenham um recibo do voto depositado. Ou para se despejar cada voto num recipiente à parte e, caso alguém peça, verificar folha por folha e não chegar a conclusão alguma. Primeiro, porque contagens manuais estão sujeitas a falhas. E como alguém poderá provar que um eventual problema terá acontecido nos boletins emitidos pelas urnas, e não no registro impresso? Especialistas em tecnologia dizem que, quando se abre uma porta (uma saída de dados da urna, por cabo, para uma impressora), libera-se também caminho para fraudadores em potencial.


Voltando a uma das ideias para a impressão do voto: se houver entrega de comprovante para o eleitor, este, se estiver em situação social ou econômica vulnerável, poderá ser forçado a escolher candidatos que agradem a uma facção, um parente violento, um chefe. Não é para menos que se proíbem fotos e filmagens do ato de votar. O contrário disso seria o voto de cabresto em versão atualizada. Sem falar em possíveis tumultuadores do processo eleitoral, que poderão alegar, falsamente, voto em um nome e impressão de outro no recibo, em uma criminosa tentativa de deslegitimar o processo eleitoral.


E assim se vive neste País esgarçado, onde um presidente passa o mandato desviando o foco de sua gestão; o Congresso vê, inerte, ataques à democracia; e em que o Supremo Tribunal Federal e a Justiça Eleitoral emitem inócuas notas de repúdio. O Brasil retrocede ao tornar tragicômico o ato de votar e reduz as instituições a papel.


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