Round 6 e a afirmação sul-coreana

Alcançando o 1º lugar no ranking da Netflix em 90 países em apenas 10 dias de sua estreia, a série quebrou recordes

Por: Bia Viana  -  02/10/21  -  13:51
 Round 6 está disponível na Netflix.
Round 6 está disponível na Netflix.   Foto: Reprodução

Alcançando o 1º lugar no ranking da Netflix em 90 países (incluindo o Brasil) em apenas 10 dias de sua estreia, a série sul-coreana Round 6 quebrou recordes na plataforma e é cotada como sucessora em popularidade de produções como La Casa De Papel.


Esse fenômeno é importante, mas para entender o sucesso de Round 6, também é necessário questionar dois pontos centrais da produção: sua crítica ácida sobre o sistema capitalista e o fascínio estético e narrativo induzido pela violência extrema. Vale ressaltar: esta série não é indicada a pessoas sensíveis.


A trama gira em torno de personagens endividadas que aceitam um convite estranho e aleatório para um jogo de sobrevivência. Enquanto o prêmio bilionário os aguarda, eles apostam as próprias vidas em uma roleta russa de jogos infantis onde os eliminados são, literalmente, eliminados. De 456 jogadores, apenas um sairá vivo e vencedor.


O questionamento entre valor e preço de uma vida permeia a série entre minúcias e complexidades, que são retratadas de forma extremamente agressiva, explícita e surrealista. Navegando entre referências de distopias igualmente bizarras como Black Mirror, O Poço (2019), Jogos Vorazes e também os Mortais, a série é feita para gerar desconfortos, seja na leitura literal de seus acontecimentos cruéis ou nas entrelinhas de uma metáfora complexa sobre as injustiças do sistema.



A impessoalidade com descarte de jogadores como números e mais detalhes visuais evidenciam essa “desumanização” do ser, tornando as pessoas em moeda de troca. Nesse jogo enigmático, controlado pelos poderosos, todos sempre sairão perdendo. Enquanto eles se sacrificam pelas cifras que aumentam a cada rodada, o peso das escolhas individuais e da corrupção vai se intensificando, até tornar-se impossível suportar.


Qualquer analogia com o mercado financeiro, desigualdades sociais e a eterna luta de classes é aplicável, retratando a selvageria da vida em sociedade como uma eterna aposta fadada ao confronto e consequente fracasso. A primeira temporada de Round 6 já está disponível, com nove episódios de cerca de uma hora.


Estética e mercado
Para investigarmos o sucesso estrondoso de Round 6, é preciso viajar um pouco no tempo pelos avanços do mercado audiovisual sul-coreano. Mesmo investindo na produção cinematográfica desde os anos de domínio japonês, a Coreia do Sul começou a formar seu verdadeiro legado no audiovisual a partir de 1994, recebendo maiores incentivos de empresas tradicionais do país e alcançando a fama global num mercado até então monopolizado pelo Ocidente — ou, mais especificamente, dominado pelos Estados Unidos.


Seus primeiros filmes foram produzidos no começo do século 20, considerada uma “era de ouro” do cinema no país. O movimento criado a partir dos anos 1950 foi bem sucedido nacionalmente, mas foi interrompido abruptamente pelo golpe militar de 1961, que instaurou um longo período com quase três décadas de ditadura. Inevitavelmente, a indústria local foi impactada, pois com a censura, a criação de estúdios e produção de filmes foi cessada.


A falta de estímulo afastou o própriopúblico sul-coreano, que dava preferência às produções estrangeiras. Aospoucos, com a redemocratização daCoreia do Sul, o interesse pelo cultivodas artes foi retornando. Filmes comoOldboy (2003), O Hospedeiro (2006), ACriada (2016) e Em Chamas (2018) sedestacaram dentro e fora do país, incentivando profissionais da área e fomentando a presença desses filmes emfestivais internacionais.


O reconhecimento de Hollywood,proferido em seu mais alto nívelpelo Oscar, foi a forma de reconhecer a qualidade de um cinema quevem se reinventando há anos. Aprodução sul-coreana não havia recebido sequer uma indicação emanos de investimento.


Ainda que a vitória de Parasita(2020) nas principais premiações docinema internacional, o país encontrou no streaming um eixo mais prático para seu processo de internacionalização. É nesse contexto de aberturade mercado que as conquistas deRound 6 pela Netflix representam umgrande marco em cerca de três décadas de investimentos sul-coreanosno audiovisual.


Este artigo é de responsabilidade do autor e não reflete necessariamente a linha editorial e ideológica do Grupo Tribuna. As empresas que formam o Grupo Tribuna não se responsabilizam e nem podem ser responsabilizadas pelos artigos publicados neste espaço.
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