A máquina de jogar vôlei

Nas décadas de 1960 e 1970, a cidade de Santos teve o domínio completo no esporte e o vôlei santista possui méritos

Por: Eduardo Silva  -  14/04/24  -  18:24
  Foto: Reprodução

A história do Santos Futebol Clube é tão rica e fascinante que nem alguns dos torcedores mais fanáticos do time santista sabem que, no mesmo período que Dorval, Mengálvio, Coutinho, Pelé e Pepe encantavam com o melhor futebol do mundo, o clube também tinha a melhor equipe de vôlei do Brasil e da América do Sul. Se no gramado as vitórias santistas eram muito comemoradas, não era diferente no ginásio da Vila Belmiro, que existe até hoje, abaixo das arquibancadas dos associados. Enquanto os torcedores vibravam com o futebol-arte, as feras do vôlei também arrasavam com a camisa alvinegra.


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Nas décadas de 1960 e 1970, a cidade de Santos teve o domínio completo no esporte e o vôlei santista possui muitos méritos nas vitórias dos Jogos Abertos do Interior e no título de cidade mais esportiva do Brasil. Só para se ter uma ideia, o técnico Roberto Douglas Machado, considerado até hoje um dos maiores treinadores de todos os tempos, montou 3 esquadrões na Vila Belmiro. O primeiro com Luiz Fernando Nettuzzi, Pona, Pedrão, Guerato, Jair Espinosa e Bento. Depois veio outro timaço, já com reforços de outros estados: Décio Viotti, Vitor Barcelos, Feitosa, Pedrão, Paulo Russo e o irmão Nicolau. E para completar, Douglas Machado ainda uniu a experiência de Paulo Russo e Sérgio Telles com Joreca, que veio do Internacional de Rebatas e os jovens que ele formou na escolinha do clube: Negrelli, Geraldinho e Arlindinho. Para entender melhor a força dessa equipe, é só conferir a explicação do ex-diretor geral de esportes do Santos, Florival Amado Barletta, que cuidava do futebol de base, do basquete e também do vôlei. “Esse time foi campeão santista, paulista, brasileiro e sul-americano. Só não foi campeão do mundo porque não tinha campeonato mundial”.


No vôlei e no futebol

Quando o preparador físico Julio Mazzei veio do Palmeiras para o Santos, convidou Paulo Russo para auxiliá-lo no futebol. Ao saber da chegada de Russo, o técnico Roberto Douglas Machado fez um convite para que ele também jogasse vôlei no Santos. “Como não tínhamos salário, eu recebi um Fusquinha verde para me deslocar. Foi a primeira vantagem profissional que eu tive no esporte”. As comissões técnicas contavam com poucos integrantes e Russo ajudava Mazzei nos treinamentos físicos. Ele ainda trouxe da União Soviética os primeiros ensinamentos para os treinos dos goleiros. Russo acompanhava o time profissional do Santos, dava treinos para os juvenis do vôlei e formava como capitão do time principal do Santos. Ele tem fotos com Pelé e outros jogadores profissionais. No mês passado, Russo voltou à Vila Belmiro e reencontrou os craques Edu e Manoel Maria, que o reconheceram na hora. Foi aqui no Santos que Paulo Russo se transformou num dos grandes nomes do esporte brasileiro. Depois de sair do Peixe, foi para o Paulistano, jogou e dirigiu a seleção brasileira de vôlei. Foi o treinador nos Jogos Pan-Americanos de 1979, em Porto Rico, e na Olimpíada de Moscou, em 1980. Seguiu como professor universitário e fez parceria com o grande narrador Luciano do Valle nas transmissões de vôlei do Show de Esporte, da TV Bandeirantes.


Paulo Russo ergue a taça conquistada pelo time de vôlei do Santos em 1968, em Espinho, Portugal
Paulo Russo ergue a taça conquistada pelo time de vôlei do Santos em 1968, em Espinho, Portugal   Foto: Reprodução

Paulo Russo, o capitão

Um dos grandes craques do vôlei santista é Paulo Sevciuc, o Paulo Russo, que tem uma história de vida das mais incríveis e sensacionais. Nascido em Osasco (SP), ele se mudou, ainda criança, com a família para a antiga União Soviética, porque o pai era ativista político e tinha um sonho. “Meus pais eram oriundos da Ucrânia e vieram para o Brasil, mas o meu pai sempre sonhou em ir para o paraíso. Ele achava que a União Soviética era o paraíso e não teve dúvida. Ele largou tudo, me pegou com 10 anos e meu irmão Nicolau com 7 e fomos. Ficamos lá por dez anos. Meu pai se arrependeu e me falava sempre: ‘não me suicidei porque você é muito pequeno’. Tanta decepção que ele teve...” O esporte já era bem adiantado nos países da antiga Cortina de Ferro e Paulo Russo começou a se destacar no vôlei. Tanto que recebeu um convite que iria mudar o destino dele e da família.


“Eu fui considerado o melhor jogador de vôlei juvenil da Ucrânia e ganhei uma viagem para Moscou para assistir ao Campeonato Mundial, em 1962. Lá eu comecei a conhecer os jogadores da seleção brasileira”. O encontro com os jogadores do Brasil foi a senha o caminho de volta. “A KGB, a polícia secreta russa, não deixava a gente entrar em consulado ou embaixada nenhuma, mas os jogadores me colocaram dentro do ônibus e eu entrei com eles na Embaixada. Nós conhecemos o primeiro embaixador, Vasco Leitão da Cunha, que me perguntou se queríamos voltar. Eu disse que meu pai queria retornar, mas não deixavam. Só depois de dois anos veio a permissão para voltarmos”. Mas não pense que a vida da família ficou fácil depois da chegada ao nosso País. “Cheguei no dia do golpe militar, em 31 de março de 1964. Adivinha se eu não fui preso?”


Como vinha da União Soviética. Paulo Russo e o pai ficaram por alguns dias no Quartel de Quitaúna. “Aí eu tive que explicar que meu pai não era mais político, mas só liberaram a gente desde que fossemos em todos os Centro de Preparação de Oficiais da Reserva (Cpor) do Estado de São Paulo falar sobre como era a vida por lá”. Passada a turbulência, ele foi jogar no Palmeiras. Depois veio para o Santos e começou a trajetória de uma dos maiores nomes do vôlei brasileiro.


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Um treinador visionário

Só um treinador com muito conhecimento, com ousadia e visão do esporte para transformar o Santos no maior time de vôlei do Brasil. Roberto Douglas Machado era assim mesmo. Até hoje, é reconhecido pelos ex-jogadores como o grande responsável pela formação daquela equipe supercampeã. Douglas era muito dinâmico, inquieto e não parava um minuto de pensar em vôlei. Quando ninguém tinha visto algo parecido, colocou o nome dos jogadores na camisa do Santos. Ainda não era permitido e o Santos só aquecia com o uniforme diferente. Também arrumou patrocínio, quando quase ninguém pensava nisso, mas era sua capacidade de liderança que impressionava. Pensava rápido, decidia, montava times fortes e se antecipava quando já sabia que alguém ia parar ou deixar o clube. Em abril de 1964, Douglas criou a primeira escolinha de vôlei do Santos e, com seu poder de convencimento, fez três jovens promessas do basquete mudarem para o vôlei. Assim o visionário Douglas convenceu o saudoso Negrelli e os parceiros Arlindinho e Geraldinho, o levantador mais preciso da história, a trocarem de esporte. Ele tinha razão.


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