Uma decisão judicial que, no mês passado, autorizou os pais de uma paciente a plantarem maconha em casa para tratar a filha com epilepsia representa, para especialistas e defensores do tratamento à base de Cannabis sativa(nome científico da maconha), um importante passo na busca pela liberação da planta para fins medicinais.
“As pesquisas em torno do canabidiol (também conhecido por CBD, um dos princípios ativos da maconha) são muito antigas. No caso da epilepsia, há medicamentos providos do canabidiol desde a década de 1990, mas conseguir autorização para plantar em casa é uma vitória”, diz o psiquiatra Rondinelli Salvador.
Em 1º de dezembro de 2020, a 15ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) concedeu permissão para que os pais de uma paciente possam cultivar maconha em casa sem o risco de serem enquadrados na Lei de Drogas.
A finalidade do plantio é a produção artesanal de medicamento destinado ao tratamento da filha. Até então, o tratamento era feito com o medicamento Real Scientific Hemp Oil (RSHO), que chegava a custar R$ 5,5 mil por mês.
Sem recursos para a aquisição do medicamento, os responsáveis pela portadora de epilepsia ajuizaram ação contra a Fazenda Pública para que ela arcasse com os custos do tratamento. O Poder Público foi condenado a fornecer gratuitamente o remédio, mas cumpriu a decisão judicial apenas em duas ocasiões.
Vendo a sequência do tratamento prejudicada, os pais pesquisaram como produzir em casa o óleo daCannabis sativa. Os resultados foram positivos, segundo relatórios médicos. Para regularizar a situação, foi impetrado um habeas corpus preventivo.
Outra visão
Salvador avalia que a decisão pode inspirar outras cortes pelo País. “Uma das primeiras coisas que impedem o tratamento com a Cannabis sativaé a resistência de certos operadores do Judiciário para distinguir o que é medicinal do que é narcotráfico. Infelizmente, é algo muito rudimentar”.
O médico também fala de outros entraves, como o traslado do paciente levando maconha e a questão da própria plantação. “Ainda assim, é uma prerrogativa que pode abrir portas, porque o número de médicos que prescrevem cannabis tem aumentado”.
Para ele, a decisão mais importante é liberar a maconha. “Falta a liberação da maconha para pesquisas sérias. No Brasil, os pesquisadores têm dificuldade em encontrar substratos. Só assim seria possível fazer testagens, saber dosagens e receitar tratamentos adequados a cada doença”.
Fora do comum
Para a psiquiatra e psicanalista Eliane Nunes, também diretora geral da Sociedade Brasileira de Estudos de Cannabis (SBEC), a decisão do TJ-SP não é regra. “Em algumas cidades, é mais fácil (uma decisão dessa). Em outras, não. Mas os governos deveriam ter um arcabouço jurídico que permitisse a um paciente com receita plantar de seis a 12 plantas, ou até 20, como é no Colorado (EUA)”.
Eliane reforça a necessidade de aprovação do Projeto de Lei (PL) 399/2015, que tramita na Câmara dos Deputados, é de autoria de Fábio Mitidieri (PSD-SE) e viabiliza a comercialização de medicamentos com extratos, substratos ou partes da Cannabis sativa. O PL está parado na Câmara desde março de 2020.
Avanço
A Comissão de Drogas Narcóticas da Organizaçãodas Nações Unidas (ONU) retirou, em dezembro de 2020, a maconha da lista de drogas perigosas, segundo recomendaçãoda Organização Mundial daSaúde (OMS). Com isto, a cannabis deixa de ocupar uma lista de substâncias consideradas “particularmente suscetíveis a abusos e à produção de efeitos danosos” e “sem capacidade de produzir vantagens terapêuticas”.