'Cultura do cancelamento' é problemática e traz sequelas e consequências, dizem especialistas

O termo voltou com força total por conta do Big Brother Brasil 21, após polêmica entre os participantes Lucas Penteado e Karol Conká

Por: Nathália de Alcantara  -  05/02/21  -  10:35
Lucas Penteado e Karol Conká: Artistas protagonizaram situações criticadas pelo público do BBB
Lucas Penteado e Karol Conká: Artistas protagonizaram situações criticadas pelo público do BBB   Foto: Reprodução/TV Globo

O termo ‘cultura do cancelamento’ não é novo, mas voltou com força total por conta do Big Brother Brasil 21. O assunto está nos trending topics das redes sociais e causando polêmica.


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Segundo a jornalista e especialista em Marketing Digital da Original Mkt, Rosa Santos, ‘cancelar alguém’ significa boicotar essa pessoa por um tempo depois que ela fez ou disse algo que os outros consideraram errado ou ofensivo. “Ela vira um alvo”, resume.


Ela esclarece que não gostar de determinado comportamento é diferente de ‘cancelar’, ou seja, fazer uma campanha contra.“'Cancelar' é um comportamento de manada e o problema é quando vem com agressão. Temos muitos exemplos desse tipo, como Anitta e Neymar, que são criticados por tudo o que fazem, dizem ou postam”.


Para Rosa, existem três saídas nesse tipo de caso: seguir a vida normalmente, se posicionar publicamente sobre o que aconteceu ou tratar com a questão com deboche.“O mais famoso tem assessoria e possibilidade de trabalhar a cabeça, mas e quem não tem? Muitas vezes, nem adianta reagir. Essa é a forma do cancelador também reforçar sua identidade por fazer algo que todos fazem”.


Para a psicóloga clínica e psicopedagoga Nathalya Ferraz de França,é preciso muito cuidado, já que temos de saber diferenciar um ato ofensivo, agressivo e preconceituoso de um erro, opinião ou comportamento contrário a tendência do momento. "Repreender um erro é algo importante, mas condenar, julgar e até mesmo linchar também são atos de violência”.


Ela explica que, atualmente, as redes sociais têm grande influência no comportamento de grande parte das pessoas, principalmente os jovens, pessoas que estão ainda construindo sua individualidade.


“Este mundo virtual pode ser muito nocivo dependendo da forma que for utilizado, porque as redes sociais determinam um padrão de vida, corpo e comportamentos que devemos ou não seguir”, explica Nathalya.


A especialista pede atenção ao assunto, pois, segundo ela, num momento de construção da subjetividade, os jovens acabam apenas repetindo padrões, e isso impede que procurem se autoconhecer, organizar seus pensamentos e sentimentos e, a partir daí, fazer suas próprias escolhas, de acordo com sua própria perspectiva.


“É aí que acabam sendo ‘Maria vai com as outras’, porque existe a necessidade de se sentir pertencente. A questão do cancelamento está presente em todos os ambientes e grupos de família e amigos, inclusive na vida profissional. Temos medo da rejeição, por isso, muitas vezes acabamos seguindo a maioria e tendo atitudes injustas com pessoas que também precisam ser ouvidas”, esclarece Nathalya.


Uma forma de lidar com essa questão, explica ela, é buscar o autoconhecimento. “Conhecer-se é extremamente importante nesses momentos, lembrar que existe um mundo real e aprender a desenvolver seu próprio pensamento, de acordo com aquilo que tem sentido para você”.


O cancelamento pode provocar diversos danos psicológicos como ansiedade, síndrome do pânico e depressão. “Por isso a cautela ao julgar uma pessoa é tão importante. Podemos causar prejuízos que podem tornar-se irreparáveis. É possivel se posicionar de maneira que não haja ofensas, xingamentos ou violência”, diz Nathalya.


Cuidados


Para a psicóloga clínica e psicopedagoga Janaína Gonçalves Ortiz Hazarian, a pessoa que assume o papel de 'cancelador' já adota uma postura de intolerância, que é compartilhada por outros e acaba sendo validada. "É realmente um tribunal de julgamento do outro sem perguntar a si próprio se temos capacidade e se cabe fazermos juízo de outra pessoa. Estou apta a fazer isso? Muitas vezes, a própria pessoa toma um comportamento parecido com aquele que ela está cancelando".


Ela alerta que normalmente é destruído tudo aquilo que não se pode ter ou compreender. Por isso, o cancelado sofre mais, explica Janaína. Já quem cancela alguém tem um prejuízo que vem a longo prazo, pois na hora ele tem prazer e acha que fez algo bom. "O excluído se torna recluso, não quer ver ninguém, não quer ser reconhecido e pode desenvolver transtornos. Isso gera ansiedade, que gera angústia e que pode gerar incapacidade".


Janaína explica ainda que o 'cancelamento' acontece também pessoalmente e em diversos grupos que fazem parte da nossa vida. "Quando ele acontece de forma próxima e real, tem o afeto. No virtual, você normalmente nem conhece a pessoa, não tem vínculo afeitvo para fazer o equilíbrio. Por isso, os pais devem sempre conversar com seus filhos e analisar a própria postura, evitando julgamentos. É preciso que a família tenha clareza dos seus valores e, ainda que as opiniões sejam diferentes, exista o respeito. É mais difícil ter atitudes assim em ambientes onde nos sentimos confortáveis e acolhidos".


Coisa antiga


Para a psicóloga Maria Paula Carvalhaes, especialista em atendimento de crianças e adolescentes, é do comportamento humano essa forma de se unir para ter poder e isolar alguém. "Com as redes sociais, as pessoas estão competindo de forma acirrada e alimentando essa hostilidade. Quem se expõe muito de alguma forma paga o preço de poder ser 'cancelado' de uma hora para a outra por depender da atenção do outro".


Ela explica que se colocar na mão de outra pessoa dá poder a ela. "Esse sofrimento é muito intenso, ainda mais com crianças e adolescentes que usam as redes e desejam essa fama instantânea e ficam muito mal quando acontece esse tipo de coisa. O BBB espelha a nossa sociedade de alguma forma. Observamos a moda, a dinâmica dos grupo, as estratégias para desidratar o poder do outro".


Paula acredita que as redes sociais são para os fortes e que situações como as de 'cancelamento' acontecerão cedo ou tarde por conta da exposição. "Quanto mais a privacidade está na minha mão, menos o outro me afeta. Quanto mais frágil estou emocionalmente, mais fico abalada, mais isso me deprime e mais o outro reina. Quanto mais eu levo minha vida e não me importo tanto com a opinião do outro, menos poder ele tem sobre mim e mais autonomia emocional tenho na minha vida".


Na Justiça


O assunto pode parar até na Justiça. "No tribunal da internet não existe espaço para retratação, mas no mundo real , sim.No mundo virtual, a pessoa pode expor a sua opinião, mas devemos nos atentar, tomar certos cuidados ao promover a nossa opinião, para não ofender a dignidade, a honra, não desqualificar o outro, e incidindo nos discursos de ódio ou manifestações preconceituosas de cunho étnico, de gênero, social, religioso ou cultural, que gera conflitos com outros valores assegurados pela Constituição Federal, como a dignidade da pessoa humana", explica o advogado especialsta em Internet Leonardo Damasceno.


Quem pratica crime contra a honra, explica ele, seja no mundo físico ou em um ambiente virtual, estará sujeito à responsabilização penal, que poderá ser de detenção e/ou multa, dependendo do crime praticado, sem prejuízo da responsabilização civil por meio de indenização pelos danos morais e materiais causados.


"Assim, aquele que publica ou compartilha informações desonrosas sobre alguém (difamação), atinge a dignidade, a respeitabilidade ou o decoro de alguém por meio de mensagens em redes sociais (injúria) ou acusa falsamente alguém pela prática de crime (calúnia), comete crime contra a honra e, mesmo que seja em ambiente virtual, estará sujeito às sanções previstas no Código Penal".


O advogado ressalta que todas as pessoas que usam as redes sociais devem tomar cuidados ao promover 'cancelamentos', ainda que na busca por uma justiça social. “Geralmente, as pessoas acabam por ofender a honra e a imagem da pessoa ‘cancelada’. O mundo virtual não é um mundo sem lei. Ninguém está isento de responder por publicações ofensivas ou criminosas nas redes sociais. Ao tempo em que se avança nas tecnologias da informação, avançamos também nas técnicas de identificação dos usuários das redes sociais. Assim como no mundo real, no mundo virtual somos responsáveis pelo que publicamos. Não há liberdade sem responsabilidade. O nosso limite é respeitar o direito do outro.", finaliza.


BBB 21


O participante e ator Lucas Penteado brigou com algumas pessoas na segunda festa e a maioria dos participantes se afastou dele por medo da associação. Além disso, tem recebido conselhos de outros brothers.


Mas caso mais sério é o de Karol Conká. Dona de um repertório empoderado e feminista, a cantora tem feito comentários considerados ofensivos contra a atriz Carla Díaz, xenofóbicos contra a maquiadora e advogada Juliette, e maldosos contra Lucas Penteado, inclusive sugerindo que ele deveria "lavar a bunda dos outros participantes da casa" para se desculpar pela confusão causada.


Muitos artistas já se posicionaram contra Karol, alguns dizendo que já tiveram problemas com ela e outros que ficaram decepcionados com suas atitudes na casa. O comportamento já começa a impactar a carreira da cantora: a organização do Rec Beat Festival, que exibiria conteúdo gravado por ela, a excluiu da edição do evento.


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