Indústria: essencial para as hidrovias

Modal depende de mais demandas de carga

Por: Lyne Santos, colaboradora  -  10/12/23  -  09:59
Atualizado em 13/12/23 - 22:15
  Foto: Vanessa Rodrigues/AT

A criação de um complexo industrial é considerada uma etapa essencial para o desenvolvimento do transporte hidroviário na Baixada Santista. A atração de indústrias para a região geraria a demanda de carga necessária para garantir a viabilidade do modal, capaz de contribuir, por exemplo, para a redução dos congestionamentos em direção ao Porto de Santos. Isso sem contar a possibilidade de diminuição das emissões dos gases do efeito estufa. No entanto, apesar dos benefícios, parece haver um longo caminho a ser percorrido, que envolve diferentes esferas do poder público.


O novo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), anunciado pelo Governo Federal em agosto, chegou a prever R$4,1 bilhões em investimentos no setor hidroviário, mas, a princípio, parece não haver projetos para a Baixada. Ao mesmo tempo, a chamada BR dos Rios, sancionada em 2022 para facilitar a navegação comercial na costa brasileira, deve ser levada ainda este mês para análise do Congresso Nacional. A iniciativa busca estabelecer ações que compreendem obras públicas, desburocratização e parceria com a iniciativa privada, contribuindo para o incremento do modal em todo o País.


“A existência de vantagens competitivas do modal hidroviário, como maior capacidade de carga e melhor custo-benefício, sugere uma viabilidade potencial, mas a dependência crucial está na atração de indústrias para a região. O modal aquaviário para passageiros já tem demanda pronta, diferente da carga. Nós temos dois compromissos com o Porto-Cidade, a carga e o social, é necessário se trabalhar a atração de indústrias. E essa atração de carga é extremamente complexa e longa, mas é estratégica”, observou o conselheiro da Associação de Engenheiros e Arquitetos de Santos (AEAS), Eduardo Lustoza.


A entidade tem realizado de forma recorrente o evento Hidrovia Já, com o objetivo de potencializar o desenvolvimento integrado dos setores portuário por meio de debates entre especialistas e autoridades. Na edição mais recente do encontro, Lustoza deixou claro que o modal hidroviário é o mais econômico em relação à energia e à logística, além das grandes vantagens financeiras e turísticas. Segundo ele, Santos, São Vicente, Guarujá, Bertioga, Praia Grande e Cubatão possuem estuários que, se utilizados na sua potencialidade, acabariam com o congestionamento do Porto e da entrada de Santos.


“O transporte por água é considerado mais eficiente energeticamente e pode resultar em menores emissões de gases de efeito estufa por tonelada-quilômetro transportada. Além disso, o impacto ambiental nas vias terrestres é reduzido. Este equilíbrio dos modais, tanto na Baixada Santista como no plano nacional, é um projeto meio silencioso que vem aumentando ano a ano. Você vê a ferrovia e o aeroporto, quanto já desenvolveram. A hidrovia é um plano sócio-ambiental e logístico. Então, se não iniciar e não trabalhar, não vai chegar lá na frente. Nós estamos há dez anos falando isso”, disse.


Quando se trata de tirar as ideias do papel, Lustoza destaca que com a atuação de uma secretaria nacional dedicada a essa questão, há uma evolução significativa, mas o prazo para alcançar um equilíbrio não é especificado. “A expectativa para um melhor equilíbrio dos modais, com um desenvolvimento mais significativo do transporte hidroviário, é condicionada ao alinhamento governamental”, reiterou.


Em contrapartida às expectativas do conselheiro da AEAS, o consultor portuário e diretor da V2PA Engenharia e Consultoria, Marcos Vendramini, é enfático ao dizer que o incremento do transporte hidroviário pouco acrescentaria na cadeia logística compreendida pelo Porto de Santos. Ele, inclusive, desmistifica o pensamento de que o melhor aproveitamento dos estuários de Santos, Guarujá, Cubatão e São Vicente possua o condão de acabar com os congestionamentos do complexo santista e da entrada da Cidade. Para Vendramini, o modal rodoviário sempre será preponderante, pois é o único que possibilita o transporte porta a porta.


“O transporte hidroviário poderia ser incrementado na Baixada Santista? Claro, com certeza. Na situação em que nos encontramos hoje e considerando o canal do Porto até a Usiminas em Cubatão, uma condição essencial seria apenas a disponibilidade de áreas lindeiras ao canal e rios da região (Perequê, Casqueiro, Piaçaguera). Aliás, existem projetos. Posso exemplificar com movimentação de sal do Porto para a unidade da Unipar/Carbocloro em Cubatão, eliminando o tráfego rodoviário de caminhões”, explicou.


Por outro lado, aponta o consultor, considerando uma possibilidade de ampliação da região atendida pelo transporte fluvial, também poderia ser utilizado o potencial de São Vicente. Nesse caso, Vendramini explica a necessidade de uma solução mais delicada contemplando a elevação do gabarito das pontes rodoviárias e ferroviária, que cortam o Rio Casqueiro na Via Anchieta para permitir a passagem de barcaças.


“Entendo que esta solução, apesar de mais complexa – e, portanto, cara – possibilitaria a valorização de áreas de favelas em São Vicente, São Manoel, Dique Sambaiatuba e demais no entorno do Largo do Pompeba que poderiam ser utilizadas para pátios de contêineres vazios, por exemplo”, complementou o consultor que, apesar das ideias e do entendimento sobre a eficiência e aspectos ambientais positivos do setor aquaviário, não imagina uma alteração significativa do panorama de transportes em razão da migração de cargas do rodoviário para o aquaviário.


A análise é justificada pelo fato de que a maior parte das cargas do Porto é proveniente e destinada a cidades fora da Baixada Santista. Diante disso, o deslocamento das mesmas para um terminal/área externa ao complexo, utilizaria o mesmo transporte capaz de já levá-la para o seu destino.


“No sistema hidroviário possível em nossa região, não teríamos os grandes comboios fluviais que transportam milhares de toneladas de carga, substituindo centenas de caminhões nas estradas. As constrições físicas do nosso sistema hidroviário permitiram, quando muito, o transporte de quatro contêineres (ou algo equivalente) por “comboio” fluvial, substituindo assim, no máximo duas carretas”.


Viabilidade

A viabilidade do modal na região seria capaz, segundo a Associação dos Engenheiros, de reduzir os congestionamentos no Porto e na entrada de Santos. O novo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), anunciado pelo Governo Federal em agosto, chegou a prever R$4,1 bilhões em investimentos no setor hidroviário, mas, a princípio, parece não haver projetos para a Baixada Santista. Enquanto isso, a BR dos Rios, sancionada em 2022, será levada ainda este mês para análise do Congresso Nacional.


Prefeituras da Baixada Santista trabalham na lição de casa

A Prefeitura de Santos entende que, em relação ao transporte de cargas, as restrições relativas às interferências (pontes e dutos) e aos licenciamentos ambientais das obras necessárias são condicionantes para a implantação de uma hidrovia envolvendo municípios ao sul da Região Metropolitana da Baixada Santista, mais próximos ao Porto.


Além disso, corrobora com a opinião do representante da Associação dos Engenheiros de que o ideal para viabilizar o transporte hidroviário de cargas seria ter produção local e isso pode ocorrer por meio de um processo de industrialização sustentada da região.


Para contribuir com esse cenário, a Administração Municipal tem feito gestões para viabilizar a implantação de uma Zona de Processamento de Exportação (ZPE) na Área Continental da Cidade. Além disso, outros estudos foram realizados no passado, indicando a necessidade de alteamento de pontes e dutos para viabilizar acesso aquaviário aos municípios do sul da região metropolitana, incluindo obras de retificação e dragagem.


Em nota, a Prefeitura de Guarujá ressaltou que há um compromisso do Ministério de Portos e Aeroportos, em conjunto com a Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq), na modelagem de concessão de hidrovias na Baixada Santista, economicamente sustentáveis, onde os componentes transporte de cargas, passageiros e de turistas estejam contemplados. Na etapa seguinte, será possível fazer as concessões junto à iniciativa privada, com previsão de licitação para o segundo semestre de 2024. Estudos das bacias hidrográficas da região já foram feitos, sob orientação da Antaq.


Para estar por dentro do tema, as autoridades municipais têm participado de reuniões setoriais e eventos, como o seminário Hidrovia Já, realizado pela AEAS. O secretário de Segurança Pública e Cidadania de Cubatão, Pedro de Sá, acha importante aumentar o transporte hidroviário e afirma que diversas indústrias já possuem projetos para a chegada da matéria-prima por meio de barcaças e navios. Para isso, o município tem procurado incentivar a ampliação e a maior utilização dos portos da Usiminas e da VLI. “Importante destacar que Cubatão possui a integração plena dos modais dos transportes ferroviário, rodoviário, estradas que cortam a cidade, e hidroviária.


Quanto à implantação dos distritos/condomínios industriais, o secretário entende que na prática isso já vem acontecendo. Porém, ainda carece de uma legislação específica para institucionalizar e estabelecer regras que incentivem novos investimentos. “Em outubro, a Prefeitura de Cubatão e representantes do Governo do Estado enviaram proposta para um grupo de investimento Alemão que mostrou interesse em construir um polo químico e siderúrgico de energia renovável na cidade. A intenção é construir na Cidade fábricas de hidrogênio, amônia e aços verdes, segmentos que estão ganhando espaço em todo o planeta”.


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