Projeto mapeia e amplia debates sobre crimes contra mulheres na Baixada Santista

Professoras Nara Assunção, Marcia Okida e Raquel Alves idealizaram o 'Observatório Chega' após depoimento de uma aluna

Por: Ted Sartori  -  17/10/22  -  10:17
Projeto multidisciplinar conta com o trabalho de voluntários
Projeto multidisciplinar conta com o trabalho de voluntários   Foto: Matheus Tagé/AT

Um comovente depoimento de uma aluna que sofreu violência muito tempo em segredo estimulou Nara Assunção, Marcia Okida e Raquel Alves, professoras dos cursos de Jornalismo e Produção Multimídia da Unisanta, a idealizarem o Observatório da Violência Contra Mulher, o Observatório Chega.


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O trio trocou ideias e, depois, convidou alunas e ex-alunas para uma conversa. A iniciativa ganhou corpo, foi feito um evento de lançamento e criou-se um site para produzir conteúdo jornalístico e artístico, além de manter reuniões semanais, abertas a alunos e professores de todos os cursos da instituição e também a interessados que não tenham vínculo com a Unisanta.


“A aluna tinha vergonha da família, dos amigos e, por puro medo, se submeteu a um relacionamento tóxico, perverso e violento. Quando contou, ela já estava fora da relação, mas foi um momento de muita empatia e comoção”, lembra Nara.


“Na hora, veio a ideia de que era nosso dever de educadoras conversar abertamente sobre esse assunto, mais no sentido de estimular a formação de uma rede de apoio para outras alunas que talvez estivessem passando pela situação. E, juntas, contribuir também com uma nova narrativa jornalística sobre essa temática, tão retratada de forma distorcida muitas vezes, culpando ou até mesmo expondo ainda mais a vítima”, conta.


O Observatório Chega é um projeto multidisciplinar dentro da instituição, que visa informar, mapear e ampliar o debate sobre a violência contra a mulher na Baixada Santista, a partir do trabalho de voluntários.


“O Brasil é o quinto país que mais mata mulheres no mundo e isso precisa ser conversado. Não é possível naturalizar tantas mortes, sem falar nos estupros que são cotidianos, principalmente aqueles contra crianças e adolescentes. Nem estatística tem porque é muito difícil a vítima denunciar. Muitos dos ataques ocorrem dentro de casa. E, agora, quando se prega uma sociedade mais armada é que a coisa complica”, analisa Raquel.


Marcia Okida, Raquel Alves e Nara Assunção: educadoras estimularam a criação de uma rede de apoio
Marcia Okida, Raquel Alves e Nara Assunção: educadoras estimularam a criação de uma rede de apoio   Foto: Matheus Tagé/AT

Eventos e números

A iniciativa também promove eventos, como debates, rodas de conversa e concurso reunindo crônicas, contos, haicais e artes postais sobre a temática. Os encontros são abertos a alunos e professores “Entendemos que a universidade tem a responsabilidade de criar esses espaços de diálogo e assim temos feito, afinal, o maior inimigo da mulher que sofre violência é o silêncio”, afirma Marcia Okida.


Caixas escutatórias são espalhadas por diversos lugares. A intenção é que as mulheres que já viveram ou estão passando por processos de violência escrevam suas histórias e depositem nas caixas, que estão na Unisanta, no Juicy Hub e na Estação Cidadania. Elas não precisam se identificar.


“A partir desses relatos, vamos criar uma instalação sonora, que será ativada em 25 de novembro, o Dia Mundial pela Eliminação da Violência Contra a Mulher”, revela Nara. “Ainda neste ano, queremos colocar de pé uma linha de pesquisa universitária voltada para os temas ligados à mulher”, emenda.


Descobertas e futuro

A principal descoberta advinda de um trabalho como esse é a de que é preciso falar sobre o tema, para conscientizar as mulheres como se dão esses processos de violência.


Os planos futuros do Observatório Chega estão calcados em várias vertentes, como desenvolver o pilar acadêmico, criando uma linha de pesquisa e produzindo trabalhos acadêmicos com essa temática, e ampliar o conteúdo jornalístico. E há um sonho ainda mais ambicioso.


“Queremos fazer uma grande pesquisa de campo para entender como se dá a violência contra a mulher na nossa região”, afirma Raquel. “Temos visto casos estarrecedores, mas seria importante compor os números de feminicídios, de queixas contra agressores, denúncias. O que temos hoje é uma visão geral do que ocorre no Brasil ou no Estado, mas não conhecemos em profundidade os números da Baixada Santista e o que pensa a nossa gente sobre este tema”, emenda.


Izabella ouve histórias sobre abuso e violência e cria artes digitais
Izabella ouve histórias sobre abuso e violência e cria artes digitais   Foto: Matheus Tagé/AT

Engajamento nas veias

Uma coisa é certa no Observatório Chega: nada de inércia. Todas os voluntários participam e se mexem como podem para aprender e colaborar com o projeto. São os casos de Izabella Rodrigues Ferauche, de 25 anos, e Maria Eduarda Mendes, de 18, que participam desde o início deste ano, quando as reuniões presenciais voltaram a ser realizadas.


Gestora de mídias sociais e estudante de Produção Multimídia da Unisanta, Izabella ouve as histórias das mulheres sobre abuso e violência, além de também ser engajada nas atividades de divulgação, criando artes digitais sobre o tema e participando dos eventos promovidos.


“O Observatório Chega mudou minha visão sobre o tema de violência contra mulher, pois agora percebo que vai muito além da agressão física", afirma. "Entendi que não é preciso estar sozinha para encarar momentos difíceis como esses. Estaremos sempre com a mão estendida caso uma mulher precise de ajuda e queira compartilhar com a gente tudo o que vive e já viveu”, emenda.


Aluna do curso de Produção Multimídia da Unisanta e atualmente trabalhando como tecnóloga na área, Maria Eduarda usa a arte a serviço do ativismo em uma causa tão importante.


“Ajudo com artes para publicações nas redes e com ideias para os projetos. Além disso, faço parte do Chega como uma mulher que luta todos os dias contra os preconceitos e abusos sofridos pela sociedade feminina. O Chega, com certeza, me ajudou e ajuda a libertar meu lado feminista e ativista. É muito importante para mim ver que ainda existem mulheres que não desistiram de lutar”, conta.


Perfil: Observatório Chega!


O que é: Observatório da Violência Contra Mulher é um projeto multidisciplinar dentro da Universidade Santa Cecília, em Santos, que visa informar, mapear e ampliar o debate sobre a violência contra a mulher na Baixada Santista. Os participantes são voluntários que se reúnem semanalmente na sede da instituição para debater e produzir conteúdo. Um dos objetivos é contribuir ativamente na construção de uma nova narrativa que aborde a temática.


Onde fica: Rua Oswaldo Cruz, 277, Boqueirão, Santos (Universidade Santa Cecília)


Contatos: www.observatoriochega.com.br, Facebook (/observatoriochega), Instagram (@observatoriochega) e e-mail (observatoriochega@ gmail.com)


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