Esta, além de algumas outras, pode ser uma interessante saída para amenizar a insegurança jurídica e regulatória que paira sobre o tema da vinculação empregatícia no trabalho portuário. A liberdade de vinculação empregatícia nos terminais de uso privado (TUPs), assegurada expressamente desde a lei de 1993, deve ser preservada e estendida para dentro do porto organizado.
O debate sobre qual sistema deve ser aplicado à contratação de trabalhadores portuários via CLT, representado pela contraposição entre os critérios de “prioridade” e de “exclusividade”, é certamente o mais complexo quando se trata de relação capital-trabalho nos portos.
A “prioridade” implica obrigação de que o operador portuário dê preferência aos trabalhadores inscritos no Ogmo, ficando autorizada a contratação de pessoas estranhas a tal sistema em caso de não preenchimento das vagas. A “exclusividade”, por sua vez, impede que o operador portuário dê emprego para trabalhadores sem inscrição na entidade.
Se o pessoal do sistema não se interessar, não estiver preparado ou se por qualquer outra razão as vagas não forem preenchidas, restam ao operador portuário duas alternativas numa primeira análise: paralisar suas atividades (!) ou abrir mão do direito de contratar vinculados e recorrer, forçosamente, ao trabalho avulso (o art. 40 da Lei n. 12.815/2013 assegura ao operador portuário a prerrogativa de contar com uma equipe 100% vinculada).
E qual desses critérios está correto? Seja para dentro ou fora do porto organizado, nenhum dos dois! A reserva de mercado, pano de fundo de todo esse debate, já cumpriu seu papel no trabalho portuário brasileiro e deixou de ser sustentável. Não faz mais sentido.
Esse instituto tem sua origem e aplicação pautadas em razões históricas, sem sustentação técnica.
Surgiu na época das guildas, no contexto das corporações de ofício, e foi mantida por séculos nas mãos de grupos com ligações étnicas e/ou familiares que detinham, em regime de monopólio, o capital de conhecimento (o “saber fazer”) que era indispensável à realização do trabalho portuário artesanal na era pré-contêiner.
Tratava-se de um sistema de autopreservação para controle do mercado de trabalho, realidade que rendeu aos portuários as alcunhas de favoured dockers, blue eyes e royals em portos europeus.
No Brasil, o legislador de 1993 só inseriu a expressão “exclusivamente” para assegurar, de forma provisória, a acomodação do grande contingente de trabalhadores que passariam por uma brusca mudança com o advento da Lei n. 8.630.
Já se passaram quase trinta anos desde então, e essa motivação social já não existe mais: aquela geração de trabalhadores foi protegida e teve tempo mais do que suficiente para se adaptar ao novo modelo de regulação portuária trabalhista.
Tanto a “prioridade” quanto a “exclusividade” são inconstitucionais. Assim como acontece em qualquer outro setor produtivo, os operadores portuários precisam ter sua livre iniciativa respeitada para que possam contratar livremente seus empregados.
A liberdade profissional também pede passagem, pois deve ser assegurado um tratamento isonômico a milhões de trabalhadores que não pertencem ao sistema Ogmo e almejam conquistar um emprego no porto.
Essa liberdade existe em Portugal, por opção política, e foi aplicada recentemente pelo Tribunal de Justiça da União Europeia aos sistemas de trabalho portuário de Espanha e Bélgica. O caso específico da Bélgica é interessante porque reforça a tese de concretização, aqui no Brasil, do “cadastro técnico aberto para vinculados no Ogmo” instituído pela lei dos portos de 1993 e mantido na lei de 2013.
O referido cadastro, totalmente desvinculado do regime de trabalho avulso, incluiria no sistema Ogmo trabalhadores certificados por tal instituição que integrariam um grande (quiçá ilimitado) banco de currículos para vinculação empregatícia.