A liberdade profissional pede passagem

Debate sobre qual sistema deve ser aplicado à contratação de trabalhadores portuários via CLT é complexo

Por: Lucas Rênio  -  12/11/21  -  15:52
Atualizado em 12/11/21 - 16:29
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  Foto: Carlos Nogueira/AT

Esta, além de algumas outras, pode ser uma interessante saída para amenizar a insegurança jurídica e regulatória que paira sobre o tema da vinculação empregatícia no trabalho portuário. A liberdade de vinculação empregatícia nos terminais de uso privado (TUPs), assegurada expressamente desde a lei de 1993, deve ser preservada e estendida para dentro do porto organizado.


O debate sobre qual sistema deve ser aplicado à contratação de trabalhadores portuários via CLT, representado pela contraposição entre os critérios de “prioridade” e de “exclusividade”, é certamente o mais complexo quando se trata de relação capital-trabalho nos portos.


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A “prioridade” implica obrigação de que o operador portuário dê preferência aos trabalhadores inscritos no Ogmo, ficando autorizada a contratação de pessoas estranhas a tal sistema em caso de não preenchimento das vagas. A “exclusividade”, por sua vez, impede que o operador portuário dê emprego para trabalhadores sem inscrição na entidade.


Se o pessoal do sistema não se interessar, não estiver preparado ou se por qualquer outra razão as vagas não forem preenchidas, restam ao operador portuário duas alternativas numa primeira análise: paralisar suas atividades (!) ou abrir mão do direito de contratar vinculados e recorrer, forçosamente, ao trabalho avulso (o art. 40 da Lei n. 12.815/2013 assegura ao operador portuário a prerrogativa de contar com uma equipe 100% vinculada).


E qual desses critérios está correto? Seja para dentro ou fora do porto organizado, nenhum dos dois! A reserva de mercado, pano de fundo de todo esse debate, já cumpriu seu papel no trabalho portuário brasileiro e deixou de ser sustentável. Não faz mais sentido.


Esse instituto tem sua origem e aplicação pautadas em razões históricas, sem sustentação técnica.


Surgiu na época das guildas, no contexto das corporações de ofício, e foi mantida por séculos nas mãos de grupos com ligações étnicas e/ou familiares que detinham, em regime de monopólio, o capital de conhecimento (o “saber fazer”) que era indispensável à realização do trabalho portuário artesanal na era pré-contêiner.


Tratava-se de um sistema de autopreservação para controle do mercado de trabalho, realidade que rendeu aos portuários as alcunhas de favoured dockers, blue eyes e royals em portos europeus.


No Brasil, o legislador de 1993 só inseriu a expressão “exclusivamente” para assegurar, de forma provisória, a acomodação do grande contingente de trabalhadores que passariam por uma brusca mudança com o advento da Lei n. 8.630.


Já se passaram quase trinta anos desde então, e essa motivação social já não existe mais: aquela geração de trabalhadores foi protegida e teve tempo mais do que suficiente para se adaptar ao novo modelo de regulação portuária trabalhista.


Tanto a “prioridade” quanto a “exclusividade” são inconstitucionais. Assim como acontece em qualquer outro setor produtivo, os operadores portuários precisam ter sua livre iniciativa respeitada para que possam contratar livremente seus empregados.


A liberdade profissional também pede passagem, pois deve ser assegurado um tratamento isonômico a milhões de trabalhadores que não pertencem ao sistema Ogmo e almejam conquistar um emprego no porto.


Essa liberdade existe em Portugal, por opção política, e foi aplicada recentemente pelo Tribunal de Justiça da União Europeia aos sistemas de trabalho portuário de Espanha e Bélgica. O caso específico da Bélgica é interessante porque reforça a tese de concretização, aqui no Brasil, do “cadastro técnico aberto para vinculados no Ogmo” instituído pela lei dos portos de 1993 e mantido na lei de 2013.


O referido cadastro, totalmente desvinculado do regime de trabalho avulso, incluiria no sistema Ogmo trabalhadores certificados por tal instituição que integrariam um grande (quiçá ilimitado) banco de currículos para vinculação empregatícia.


Este artigo é de responsabilidade do autor e não reflete necessariamente a linha editorial e ideológica do Grupo Tribuna. As empresas que formam o Grupo Tribuna não se responsabilizam e nem podem ser responsabilizadas pelos artigos publicados neste espaço.
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