No Brasil de Bolsonaro uns são mais livres do que outros

O indulto individual concedido ao deputado federal Daniel Silveira pelo presidente da República foge a qualquer regra

Por: Júnior Bozella  -  25/04/22  -  06:07
  Foto: Divulgação

Crise institucional? Risco de golpe? Difícil dizer. Mas o que está claro é que há algo de podre no reino da Dinamarca. O indulto individual concedido ao deputado federal Daniel Silveira pelo presidente da República Jair Bolsonaro foge a qualquer regra, atropela a decisão do STF e infringi a lei suprema da moralidade, porque se usarmos o mesmo critério de Jair Bolsonaro para conceder o indulto a Silveira teremos que abrir as portas das prisões em todo Brasil e colocar milhares de criminosos nas ruas.


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É incoerente dizer que segue a lei, e ao mesmo tempo adotar dois pesos e duas medidas. A Justiça não admite privilégios, e foi exatamente isso que aconteceu no caso envolvendo Daniel Silveira e Jair Bolsonaro. Aos amigos do rei tudo, e ao povo a lei! Não foi para isso que os brasileiros elegeram Jair Bolsonaro, para vê-lo rasgar as promessas de campanha e repetir exatamente os mesmos erros de seus antecessores, que agora vestem a farda da hipocrisia.


Não estou sequer entrando no mérito da legalidade do ato do presidente. A cobrança da sociedade é que se cumpra a lei, e nesse sentido vemos um esforço do Supremo Tribunal Federal (STF) em atender a esse clamor e, ao mesmo tempo, não cair na armadilha de Bolsonaro de iniciar uma crise institucional. Embora a corte tenha sinalizado que não tomará nenhuma decisão até esta segunda-feira (25), ao que tudo indica os ministros não devem questionar a legalidade do decreto, mas apenas focar no momento de sua publicação, antes do trânsito em julgado da condenação de Silveira. O que grande parte dos ministros do STF e a sociedade defendem é que seja ao menos mantida a inelegibilidade de Silveira, como aconteceria com qualquer outro preso.


O gesto de Bolsonaro é grave, não é apenas uma “forcinha” a um amigo. O indulto de Bolsonaro é uma tentativa de coação do STF e, mais do que isso, é um recado para a corte de que ele está disposto a usar a caneta caso os seus filhos sejam presos pelos crimes que vem sendo investigados. Ameaça? Medo? Auto-declaração de culpa? Muito provavelmente todas as alternativas anteriores. A verdade é que não há qualquer tipo de ingenuidade no indulto concedido a Daniel Silveira. Pessoas próximas ao presidente afirmam que Bolsonaro e os seus aliados mais fiéis já haviam há tempos identificado a possibilidade de um decreto nesses moldes para ser usado como opção caso alguma das investigações do STF atingissem seus filhos, em especial o deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) e o vereador do Rio de Janeiro, Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ). O presidente mandou um “recado” claro para o Judiciário.


Bolsonaro azeitou a relação com o Congresso Nacional a base de uma “boa conversa” com o Centrão, que classificou o gesto bolsonarista como um ato jurídico incontestável e jogou no colo do Supremo qualquer disputa sobre esse tema.


Não há argumentos que justifiquem um presidente da República interferir em uma decisão do poder judiciário desta forma, concedendo perdão a um preso, indiscriminadamente, como fez com Daniel Silveira. O STF condenou, por 10 votos a 1, o deputado federal por ataques feitos a integrantes da corte. Os ministros também aprovaram cassar o mandato de deputado, suspender os direitos políticos de Silveira, que articula candidatura ao Senado, e aplicar multa de cerca de R$ 192 mil.


Está claro que no governo Bolsonaro criminosos são agraciados e a impunidade é premiada. A democracia bolsonarista não passa de uma utopia, e a liberdade existe, mas uns são mais livres do que os outros.


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