Porto de Santos: poligonal, desestatização e governança

A poligonal é uma fronteira bem definida entre dois universos muito diferentes entre si

Por: Frederico Bussinger  -  27/09/22  -  06:08
  Foto: Alexsander Ferraz/AT

Dessa vez, a Secretaria Nacional de Portos e Transportes Aquaviários e o Ministério da Infraestrutura foram formalmente mais cuidadosos que nas duas empreitadas anteriores, em junho de 2020 e em janeiro de 2022: ainda que por exíguos oito dias, submeteram a alteração da poligonal do Porto de Santos a uma consulta pública.


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A alteração de 2020 fora anunciada como uma vitória “após 18 anos”. E justificada como para correção de oito disfuncionalidades. Também exemplo de planejamento de longo prazo, segurança jurídica e base para vultosos investimentos e geração de milhares de postos de trabalho. Como decorrência, um novo Plano de Desenvolvimento e Zoneamento (PDZ) teve que ser elaborado. Publicado um mês depois, visava “proporcionar visões estratégicas e táticas (...) focando no desenvolvimento (...) ao longo dos próximos anos, até 2060, e indicando as ações necessárias”.


O longo prazo, porém, durou um ano e meio; vez que nova poligonal foi definida pela Portaria 66/22, do Ministério da Infraestrutura. Com um detalhe: diferentemente de tendência das diversas revisões, desde 1993, e “visando agregar valor à desestatização”, esta incorporou extensas áreas à área do porto organizado (APO): os 8 km² passaram a ser 15,5 km²; praticamente o dobro. Essa poligonal, porém, durou menos ainda: sete meses. E, em sentido inverso, a alteração proposta em 23 de agosto deste ano reduziu quantitativamente a APO anterior a praticamente metade. Mas, qualitativamente, nem exatamente à poligonal de 2020 nem à apresentada na audiência pública de 2018.


Em síntese; volta-se a uma configuração similar à existente em 2002, depois de idas e vindas, de trabalhos, tensões e incertezas. Algo que poderia ter sido minimizado se consultas/audiências públicas tivessem sido realizadas. A se entender, pois, a razão da nota técnica, que instrui o processo, informar que “os critérios (da análise) seguem a linha das demais revisões das áreas dos portos organizados efetuadas a partir de 2015...” (item 4.8).


Dúvida: legal e formalmente, a modelagem da desestatização deve estar em sintonia com o PDZ. Este com a APO; esta com a poligonal. Estariam na documentação entregue ao Tribunal de Contas da União (TCU) na última semana?


Recentemente, foi disponibilizado o resultado da análise das 21 “contribuições” apresentadas: oito aceitas e 13 recusadas. As aceitas, ou foram aquelas que apoiaram a alteração proposta, no máximo buscando esclarecimentos - Associação de Terminais Portuários Privados (ATP), Associação Brasileira de Terminais e Recintos Alfandegados (Abtra), Prefeitura de Santos e Evolve) - ou para correções aquiescidas como se “erros materiais” fossem (como Marinha, Hipercon, TEG e VLI). Muitas das recusadas demandavam aprofundamento de análises ou meramente levantaram alguma dúvida sobre o proposto. E, no mérito, várias por divergirem da “exclusão das ilhas de Bagres e de Caneu” da Poligonal (item 4.97 da nota técnica); em geral com argumentos indicando comprometimento à desestatização.


O curioso é que a análise feita “se restringiu aos aspectos imobiliários” (item 4.8 da nota técnica), quando o indicado seria um critério básico funcional. Ou seja, ao se definir uma poligonal, em Santos ou em qualquer outro porto organizado brasileiro, o que está sendo decidido é: i) quem é outorgado via arrendamento (subconcessão) e quem o é por autorização; ii) quem precisa se submeter a uma licitação/leilão e quem não; iii) quem deve e quem não deve pagar outorga; iv) quem tem e quem não tem prazo (para exploração); v) quem tem os investimentos/bens implantados como reversíveis e quem não; vi) os que dependem e os que não dependem do Órgão Gestor de Mão de Obra (Ogmo); vii) os que devem pagar as “tarifas universais” das tabelas tarifárias e os que nem sempre.


Enfim, a poligonal é uma fronteira, bem definida, entre dois universos que, apesar de poderem ser contíguos geograficamente (como em Santos), são muito diferentes entre si em termos institucionais, comerciais, de governança e de regulação; como, aliás, já o constatou também o TCU. A questão imobiliária é, apenas, uma das dimensões. A ver!


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