Porto de Santos: desestatização x gestão tripartite

Gestão certamente é um desafio. Articulação também o é

Por: Frederico Bussinger  -  10/01/23  -  06:21
Futuro da gestão do Porto de Santos tem provocado inúmeros debates nos últimos anos
Futuro da gestão do Porto de Santos tem provocado inúmeros debates nos últimos anos   Foto: Arquivo/AT

O Porto de Santos bateu mais um recorde em 2022, como, aliás, em quase todos anos das três últimas décadas. As estatísticas ainda não estão consolidadas, mas a movimentação do complexo portuário deve superar a casa de 160 milhões de toneladas. Ou seja, mais de cinco vezes o patamar do início dos anos 1990, às vésperas da demarragem das reformas portuárias pós-Constituinte. Novos e importantes arrendamentos, anuncia-se, estão quase prontos para serem leiloados. Há projetos de ampliação e de novos terminais, dentro e fora do Porto Organizado: alguns em curso, outros em carteira ou aguardando aprovações finais.


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Os acessos, todavia, seguem sendo o principal gargalo para suas expansões. Particularmente os rodoviários, cuja pavimentação, sinalização e iluminação estão em estado incompatível com a dimensão e importância de quem é responsável por um terço do comércio exterior brasileiro: seria oportuna a aceleração das manutenções retomadas recentemente; mesmo porque é sabido que a Santos Port Authority (SPA) tem cerca de R$ 1,5 bilhão em caixa. Dotação orçamentária também.


Recordes, cenários promissores para 2023, novos arrendamentos, ampliações e caixa; ainda que a par de deficiências graves a serem enfrentadas: seria uma pena se indefinições sobre governança produzisse paralisia na gestão do Porto de Santos. Relembrando: tão logo indicado, ainda que ressalvando que “o que já foi concedido será mantido” (referência direta à Codesa), o ministro de Portos e Aeroportos, Márcio França, descartou a desestatização do Porto de Santos, asseverando que “a Autoridade Portuária vai continuar estatal” e indicando sua preferência pelo modelo tripartite. Entretanto, logo a seguir o governador Tarcísio de Freitas informou que “vai a Lula para tentar convencer o Governo Federal a manter o leilão” para a desestatização.


Por rigor factual, e a bem da verdade, antes mesmo que o nome do ministro de Portos fosse anunciado, o Tribunal de Contas da União (TCU) já havia interrompido o processo de desestatização santista com três pedidos de vista, dos ministros Walton Alencar, Benjamin Zymler e Vital do Rêgo, em plenária de 13 de dezembro. No rol de dúvidas e objeções pontuais, “levantadas em menos de 15 minutos” (ministro Vital), destaque-se idas e vindas na modelagem: exclusão e posterior inclusão do túnel Santos-Guarujá no objeto da concessão; o inverso em relação ao arrendamento do STS10; a duplicação e redução da Poligonal; riscos de verticalização e conta vinculada.


Mas houve também questionamentos conceituais, estratégicos e/ou de política pública: “Por que privatizar se está dando lucro?”, indagou o ministro Benjamin. E foi além: “Por que privatizar, se em outros países administrações portuárias são públicas?”... implicitamente endossado pelo relator ao distinguir terminais (desde há muito 100% privados) de administrações portuárias (“guardas de trânsito”, na sua analogia).


Incidentalmente, o tal modelo tripartite é um caso particular do multicentenário landlord, modelo caracterizado principalmente pela autonomia (descentralização?) de gestão e, também, pela separação de operações (privadas) e autoridade-administradora (pública); na linha do comentado pelos ministros do TCU. É também uma variante da “regionalização” que bateu na trave após ter sido estudada no início do século por uma comissão de 15 membros (três instâncias de governo, empresários e trabalhadores): foi criada por protocolo de 23 de agosto de 2001 e objeto de discussão em um seminário promovido por A Tribuna naquele outubro.


Como acessos são hoje os principais gargalos do complexo santista; estradas são da órbita estadual e ferrovias de outro ministério; uma abordagem integrada é desafiadora. Também o são as relações porto-cidades e a pauta ambiental que, nessas duas décadas, se tornaram mais complexas e plurais; agora em companhia da transição energética, economia 4.0 e ESG. Gestão certamente é um desafio. Mas articulação também o é; tanto maior quanto maior o número de atores envolvidos. Gestão e articulação são, pois, variáveis essenciais na discussão "desestatização x tripartite"!


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