Perto de outro clássico, Clodoaldo e Rivellino relembram a rivalidade que virou amizade

Atletas se tornaram amigos nos clubes e seleção brasileira; Santos e Corinthians se enfrentam na próxima quarta-feira

Por: Eduardo Silva  -  18/06/23  -  07:45
Riva e Corró eram atrações dos clássicos entre Santos e Corinthians do final dos anos 1960 até os meados dos anos 1970
Riva e Corró eram atrações dos clássicos entre Santos e Corinthians do final dos anos 1960 até os meados dos anos 1970   Foto: José Herrera/AT/Arquivo

Um dos maiores duelos do futebol brasileiro reuniu dois craques inesquecíveis. De um lado, a categoria, a elegância e a exuberância daquele que sabia lançar como poucos, criar dribles ousados e bater faltas indefensáveis. O homem que substituiu o Rei Pelé, na Seleção Brasileira, o ídolo de Diego Maradona: Roberto Rivellino.


Do outro, um marcador implacável, um volante que se antecipava aos atacantes e chegava junto, sem precisar usar de violência, para tirar a bola dos adversários. O camisa 5 que tinha paixão pelo Santos: Clodoaldo Tavares Santana.


Riva e Corró eram atrações dos clássicos entre Santos e Corinthians do final dos anos 1960 até os meados dos anos 1970.


O que é muito curioso é que, apesar da grande rivalidade entre os dois alvinegros, Clodoaldo e Rivellino nunca se consideraram inimigos, apenas adversários. Se respeitavam nos confrontos paulistas, desde os jogos de aspirantes, até se aproximarem de vez. Isso aconteceu desde as convocações para a seleção brasileira de João Saldanha. Ali, entre treinos e concentrações, os rivais viraram amigos inseparáveis. Uma amizade fraternal. Jogaram juntos nos melhores momentos com a camisa da seleção. Eles não aliviavam nos confrontos durante o ano e se reencontravam para os jogos festivos de fim de ano nas praias de Santos.


Pena que os mais jovens não tiveram a chance de vê-los jogar, porque aquele confronto representava o auge do futebol brasileiro. Era muita dedicação com muito amor na defesa de suas camisas. Clodoaldo era o coração santista. Rivellino era a alma corintiana.


No domingo que antecede o tradicional clássico entre Santos e Corinthians, marcado para a próxima quarta-feira, às 20 horas, pelo Campeonato Brasileiro, na Vila Belmiro, A Tribuna relembra, em trabalho de digitalização e pesquisa fotográfica de Silvio Luiz, momentos marcantes desses dois craques.


Clodoaldo, Rivellino, Pelé, Tostão, Zé Maria e Wilson Piazza aparecem juntos em jogo da seleção brasileira no início de 1970, no Morumbi: meses mais tarde, o grupo conquistaria o tricampeonato mundial no México
Clodoaldo, Rivellino, Pelé, Tostão, Zé Maria e Wilson Piazza aparecem juntos em jogo da seleção brasileira no início de 1970, no Morumbi: meses mais tarde, o grupo conquistaria o tricampeonato mundial no México   Foto: Estadão Conteúdo/Arquivo

Clodoaldo
Clodoaldo Tavares Santana, que marcou época no Santos Futebol Clube ao herdar a camisa 5 do eterno capitão Zito, só tem boas lembranças dos duelos contra o Rivellino. “Nos primeiros jogos ainda éramos muitos jovens e não tínhamos amizade, mas é curioso, porque desde o início surgiu aquela admiração que foi nos aproximando, mesmo jogando de lados opostos”. E olha que a missão de Clodoaldo, dada pelo técnico Antonio Fernandes, era não desgrudar do Riva. “Seo Antonio falava assim: ‘Do meio de campo para a frente ele não pode pegar na bola. Tem que diminuir todos os espaços dele’. E eu obedecia. Era aquela disputa acirrada, mas sempre respeitosa. Quando terminava o jogo ficava tudo lá dentro de campo. Não tinha como não admirar um jogador como ele. Um meia espetacular”.


Na seleção brasileira, a relação dos craques só se fortaleceu. “Desde as primeiras convocações nós viramos irmãos de verdade. Como nós brincamos até hoje. Um jogava pelo outro. Um chorava pelo outro. É um sentimento de irmão quando nos vemos”. Mesmo com essa ligação fraternal, Clodoaldo também não alivia com o parceiro na hora das provocações: “Uma das qualidades do Riva era o drible. E o elástico, que enlouquecia os adversários, era o mais temido. Mas até hoje falo para ele que eu não levei nenhum elástico (risos). Uma vez eu coloquei um elástico numa caixinha e dei de presente para ele, só para brincar com meu amigo”. Clodoaldo ficou encantado com as fotos do acervo de A Tribuna. “Essas fotos são demais, mostram a nossa convivência em várias fases. E o detalhe é que ainda éramos bonitões. Verdadeiros galãs”.


Promissores desde as primeiras aparições pelos times aspirantes de Santos e Corinthians, no início da década de 1960, Clodoaldo e Rivellino foram dois dos mais talentosos meio-campistas de suas gerações
Promissores desde as primeiras aparições pelos times aspirantes de Santos e Corinthians, no início da década de 1960, Clodoaldo e Rivellino foram dois dos mais talentosos meio-campistas de suas gerações   Foto: José Herrera/AT/Arquivo

Rivellino
Roberto Rivellino guarda, com muito carinho, as recordações do clássico contra o Santos de Clodoaldo. “O Corró me marcava em campo. Sempre chegava junto, mas era leal. Com o tempo foi surgindo uma afinidade, ficamos mais próximos, até que na seleção brasileira viramos muito amigos”. A amizade com a camisa do Brasil ficou cada vez mais forte, mas quando voltavam para os clubes... “Aí o pau comia. Ele corria pelo Santos e eu pelo Corinthians.


Era um marcador chato demais, mas como meio-campo era um monstro.


O que ele jogou em 1970 na seleção brasileira e durante todo o tempo de Santos foi impressionante. Foi um irmão que a vida me deu. Um ser humano maravilhoso. A gente só pode agradecer a Deus por colocar certas pessoas nas nossas vidas. É uma felicidade enorme. Clodoaldo é meu irmão. Minha paixão”. Rivellino nunca escondeu a admiração pelos jogadores santistas. “Esse pessoal de Santos tem açúcar. Tinha o Rei Pelé. Tinha o Coutinho. Até hoje falo com o Edu. Com o Serginho Chulapa e com o Pepe, que é outra paixão.


Os craques de Santos e Corinthians atuaram pelo tradicional Igaratá na praia de Santos em 1974. Na foto acima aparecem João Garrincha, Tico, Fubá, Queiroga, Silva, Clodoaldo, Oswaldinho, Careca, Didi, Arizinho, Rivellino e Picolé
Os craques de Santos e Corinthians atuaram pelo tradicional Igaratá na praia de Santos em 1974. Na foto acima aparecem João Garrincha, Tico, Fubá, Queiroga, Silva, Clodoaldo, Oswaldinho, Careca, Didi, Arizinho, Rivellino e Picolé   Foto: Arquivo/AT

Com o meu amigo, o ex-ponta-direita Marcos, que veio do Jabaquara para jogar com a gente no Corinthians”.


As brincadeiras sempre fizeram parte da relação entre os jogadores de futebol. Entre dois amigos tão próximos, não poderia ser diferente. Rivellino fala, com frequência com Clodoaldo e os dois costumam se provocar, de maneira saída, sem perder a esportiva: “Faz um tempo que liguei para o Corró ele me disse que ia operar o joelho. Na mesma hora já completou: ‘Meu joelho ficou prejudicado de tanto que eu carreguei você (Riva) e o Gerson, o Canhotinha de Ouro nos jogos da Seleção (risos)”. Rivellino recebeu as fotos de A Tribuna antes de entrar no estúdio da TV Cultura para participar do programa Cartão Verde. “Que fotos legais! Eu não tinha e vou guardar com muito prazer”.


Clodoaldo era o coração santista. Rivellino era a alma corintiana
Clodoaldo era o coração santista. Rivellino era a alma corintiana   Foto: Arquivo/AT

Depoimentos

Cleber Machado narrador da amazon Prime Vídeo“Depois dos anos espetaculares do tricampeonato mundial do Brasil nas Copas de 1958, 1962 e 1970, foram eles que seguiram jogando em grande estilo e representando a época de ouro do nosso futebol”. A opinião é do narrador esportivo Cleber Machado, da Amazon Prime Vídeo, um dos nomes mais importantes do jornalismo esportivo no Brasil e um apaixonado pelo futebol desde criança.


“A minha referência de futebol é a Copa de 70, no México, então, Clodoaldo Tavares Santana e Roberto Rivellino sempre foram muito importantes”.


Quando o famoso locutor começa a falar desses dois craques, aparecem as melhores recordações.


“A minha primeira lembrança é afetiva, porque meu pai também se chamava Clodoaldo”. O pai de Cleber era Clodoaldo José, radialista famoso entre os anos de 1950 e 1960, que foi diretor artístico da Rádio Bandeirantes, entre 1960 até 1970. Morreu em 1971.


Cleber vai relembrando histórias, jogadas e características que marcaram as carreiras vitoriosas do Corró e do Reizinho do Parque.


“Falar do Clodoaldo é falar do jeito, da postura, do cara que desarmava, passava e sabia jogar. Tomava a bola dos adversários sem dar porrada. E quando atacava fazia um gol decisivo como aquele contra o Uruguai na semifinal da Copa de 1970, no México”. Cleber só lamenta que Clodoaldo tenha sido cortado da Copa de 1974.


“Seria muito legal vê-los na Copa da Alemanha.


Quando a pergunta é sobre Rivellino as respostas têm o mesmo tom de admiração e respeito. “Vibração, habilidade, comportamento. Era espetacular em campo. Os dribles, as cobranças de faltas certeiras. O Rivellino já era famoso quando jogava pelo time de aspirantes do Corinthians, que disputava as preliminares da equipe principal. Muito corintiano chegava mais cedo só para ver o Riva jogar. Quanta categoria”.


Cleber ainda arremata: “O Rivellino faz parte das minhas seleções de todos os tempos. Reverenciado por todos.E o Clodoaldo que já era moderno no tempo dele, iria se adaptar ao futebol atual. Mantendo a proteção e com mais liberdade para atacar. Imagine os dois atuando juntos nos dias de hoje?”.


Cleber teve acesso as fotos do arquivo do jornal A Tribuna que ilustram essa reportagem especial: “Que fotos lindas! Elas representam muito bem a essência do futebol brasileiro”.


Cláudio Zaidan, comentarista da Rádio Bandeirantes“Clodoaldo e Rivellino disputaram a bola várias vezes. Afinal de contas, naqueles tempos, de 4-2-4, de vez em quando, um 4-3-3, um dos jogadores do meio-campo era primordialmente marcador e o outro, era primordialmente armador.


Então, nos jogos entre Santos e Corinthians lá estava o Clodoaldo marcando o Rivellino. Claro que o Clodoaldo nunca foi só um volante. Com a bola no pé, sabia jogar, aliás, basta ver Clodoaldo contra a Romênia na Copa de 1970, que ele joga na função do Gerson. O Gerson não podia jogar, o Rivellino também não. Entrou o Paulo César na esquerda, o Clodoaldo entrou como meia. O Piazza passou da zaga para a posição de volante. Então, o Clodoaldo fazia tudo o que um meio-campista deve fazer. Marcava, armava e, de vez em quando aparecia lá na frente. E Rivellino era um jogador de uma capacidade extraordinária, um craque fenomenal.


Um dos maiores da história. Não é a toa que o Maradona dizia que era o melhor que ele viu. Rivellino era super-craque e marcá-lo era uma dificuldade para o Clodoaldo, para o Dudu, nos clássicos Corinthians e Palmeiras. Isso, claro, fazia com que muitas e muitas vezes, a bola estivesse entre os dois. A bola fosse disputada entre os dois. Só que isso nunca abalou, em um milímetro, a amizade, a admiração mútua na relação de Clodoaldo e Rivellino, que se firmou na seleção brasileira. Lá eles rapidamente se tornaram amigos, admiradores. Até hoje um fala do outro com muita amizade e com muita admiração, o que claro, ficava de lado na hora de dividir aquela bola, mas Clodoaldo era um jogador que não apelava, não dava pancada, então a disputa era sempre na bola. E foi marcante, porque eram dois craques, e sempre quando Santos e Corinthians se enfrentavam lá estava um diante do outro. Histórico”.


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