Barbárie

Levará tempo, ainda, para que as políticas afirmativas levem mudanças estruturantes à sociedade

Por: Da Redação  -  22/11/20  -  10:01

Espalharam-se rapidamente, Brasil e mundo afora, as cenas de barbárie explícita protagonizadas por dois seguranças de um hipermercado contra um cliente negro, que acabara de fazer suas compras junto com a esposa. João Alberto Silveira Freitas, o cliente negro, foi espancado até a morte na última quinta-feira, véspera do Dia da Consciência Negra. Às notícias sobre o episódio somaram-se outras, como o histórico de João, que tinha antecedentes criminais por violência doméstica e porte ilegal de armas. 


Os números e a história derrubam qualquer tentativa de justificar que o crime cometido no Rio Grande do Sul, no interior de uma rede de hipermercados que já coleciona episódios semelhantes, não decorre ou tenha relação com o preconceito racial. A taxa de homicídios de negros no Brasil saltou de 34 para 37,8 por 100 mil habitantes entre 2008 e 2018, o que representa aumento de 11,5% no período, de acordo com o Atlas da Violência 2020 divulgado em agosto. Já os assassinatos entre os não negros no mesmo comparativo registraram uma diminuição de 12,9% (de uma taxa de 15,9 para 13,9 mortes para cada grupo de 100 mil habitantes).


Diante das estatísticas, a pergunta que sobra é: a brutalidade aplicada a João Alberto teria sido igual se ele fosse branco? Que infração tão grave ele cometeu quando chegou ao caixa do hipermercado que justificasse tamanha violência? Ainda que tenha agredido um dos seguranças, como alegaram na delegacia, a resposta que se dá por parte de uma equipe de vigilantes supostamente treinada é essa ou assim foi feito porque, por princípio, todo negro é culpado até que se prove o contrário?


As cenas foram amplamente divulgadas pela mídia, replicadas nas redes sociais e ganharam a imprensa mundial. Sim, agora temos aqui, na terra onde a miscigenação de povos é uma das maiores do mundo, uma reprise do caso George Floyd, negro assassinado por policiais americanos em maio deste ano, e que desencadeou uma onda de protestos em todos os continentes. João Alberto foi morto na véspera do Dia da Consciência Negra, e o presidente Jair Bolsonaro perdeu uma expressiva oportunidade para mostrar ao mundo seu repúdio a esse ou qualquer ato de violência contra os negros.
Bolsonaro proferiu um discurso confuso e dúbio na reunião virtual da cúpula do G-20, quando deveria empunhar a bandeira da igualdade entre raças no país que dirige. É certo que não virão de seu governo medidas mais rigorosas ou, ao menos, campanhas mais efetivas contra o racismo estruturante que ainda existe no Brasil. Uma pena.


Resta à sociedade, à escola, à família, à imprensa, aos formadores de opinião e aos movimentos organizados lutar por políticas afirmativas que deem a negros e às minorias condições de igualdade, para que um dia o regime de cotas não seja mais necessário. Por ora, é o caminho que se tem.


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