Faz muito tempo que o neoliberalismo vocifera contra a acumulação de benefícios; como aposentadoria e pensão por morte ou duas aposentadorias de regimes previdenciários diferentes. Como a briga tinha como base os números, sendo de origens contributivas diferentes, não se poderia proibir a cumulação de benefícios. A pensão por morte tinha como base as contribuições do segurado falecido, enquanto as aposentadorias provinham de contribuições próprias do beneficiário, também em regimes diferentes ou em cargos acumuláveis, como médico ou professor.
A EC 103, em seu artigo 24, veda a acumulação de pensões por morte de cônjuge no mesmo sistema previdenciário (como sempre foi), aponta no 1º a admissão de cumulação, sem divergir da tese contributiva, mas com uma pegadinha no 2º.
Antigamente, a viúva pensionista que casava de novo perdia a pensão. Com as novidades sobre casamento, a vedação ficou restrita ao recebimento de mais de uma pensão, com exceção de pensões de regimes diferentes do mesmo cônjuge falecido. O(a) viúvo(a) não pode acumular pensões por morte de cônjuges diferentes. Porém, a cumulação de aposentadoria e pensão por morte ou de aposentadorias de regimes previdenciários diversos, cada benefício com suas contribuições, continuou valendo.
Mantida a possibilidade de cumulação dos benefícios, o tal 2º dispõe o “fatiamento”. Garante o valor integral do benefício maior, sendo o menor fatiado: até um salário mínimo, vale tudo; de um a dois salários, 60%; de dois a três mínimos, 40%, de três a quatro salário, fica 20%; e a partir de quatro salários mínimos, resta apenas 10%. A maldade vale para cumulação de aposentadoria e pensão por morte e de mais de uma aposentadoria.
Para a pensão por morte, as perdas são grandes. Além do retrocesso no cálculo, 50% da aposentadoria do falecido mais 10% por dependente, ainda tem o “fatiamento” se exceder o valor do salário mínimo.
João e Maria, casados há mais de meio século, estavam aposentados, recebendo, cada um, cinco mil reais. Com a morte de qualquer um dos dois, a pensão ficaria em 60%, ou seja, três mil reais. Como ocorreria a cumulação de dois benefícios, o cônjuge sobrevivente continuaria recebendo sua aposentadoria na íntegra, cinco mil reais; porém, a pensão por morte seria bem reduzida. Considerando o salário mínimo em R$ 1.100, somaríamos ainda R$ 660 e R$ 320, resultando em R$ 2.080. A redução é brava, de cinco mil para pouco mais de dois mil.