100 anos da Previdência Social: os desafios históricos

Em seminário, iremos apresentar propostas para recompor a credibilidade do sistema previdenciário

Por: Sergio Pardal Freudenthal  -  25/09/23  -  06:05
Seminário sobre a Previdência Social será realizado nos dias 27 e 28 de setembro, pelo Núcleo de Políticas Sociais da UNIFESP
Seminário sobre a Previdência Social será realizado nos dias 27 e 28 de setembro, pelo Núcleo de Políticas Sociais da UNIFESP   Foto: Vanessa Rodrigues/AT

Temos sim, muito a comemorar com os 100 anos da Previdência Social na legislação brasileira. São conquistas dos trabalhadores que culminaram, na Constituição Cidadã de 1988, formando a Seguridade Social, englobando Previdência, Saúde e Assistência Social.


Conforme comentamos bastante, as políticas neoliberais golpearam o Direito Social em todo o mundo. A pandemia, com o horror que vimos acontecer, desmascarou as vitrines neoliberais. O novo fascismo, aliado ao ultraneoliberalismo, pipocou em muitos países, inclusive no nosso, nos custando, entre outros absurdos, a EC 103, em 2019. Nossos gigantes na luta contra a Covid19 foram o SUS e o INSS, apesar do desgoverno de então. Agora, nos países civilizados, discute-se as contrarreformas no Direito Social, a recomposição das garantias trabalhistas e previdenciárias. São os desafios históricos.


Nem temos o sonho da simples revogação das reformas decorrentes do golpe, a trabalhista (2017) e a previdenciária (2019); não conseguiremos ressuscitar a aposentadoria por tempo de serviço ou a média dos três últimos anos de contribuição. Porém, existem recomposições, especialmente nos cálculos dos benefícios, que devem ser imediatas.


Muita coisa está sendo feita, como a recomposição da instituição previdenciária, e muita coisa ainda terá que se fazer. A luta contra a miséria e a desigualdade também passa pelo contrato formal de trabalho, com as garantias previdenciárias. Será preciso, por exemplo, revisar as exigências para a aposentadoria especial dos que trabalham em condições insalubres, periculosas ou penosas, mas algumas revisões exigem urgência.


A maior perversidade da EC 103/2019 está nos cálculos dos benefícios. Podemos examiná-los em duas partes: a base de cálculo, média das contribuições, e o percentual aplicado.


A partir da EC 20/1998, foi alterada a média utilizada como base. Ao invés dos 36 últimos salários, como dizia o texto original da Constituição Cidadã, passou a ser dos maiores salários que representassem 80% de todos, ou, pela regra de transição, desde julho de 1994. Quanto maior for o número de contribuições utilizadas para a média, pior fica para o trabalhador e melhor para o sistema. É a defesa do “equilíbrio financeiro e atuarial”. Pois a EC 103/2019 apostou na maldade maior, determinando a média sobre todas as contribuições desde julho/1994, sem nem retirar os 20% nas contribuições menores.


Não vai retornar a média dos três últimos anos, e pode nem ser interessante. Porém, é possível um cálculo mais favorável aos trabalhadores, contabilizando as maiores contribuições de um período razoável. Observando o maior período de carência (15 anos para aposentadoria por idade), bem que a média poderia ser feita pelas maiores 180 contribuições após julho de 1994; nem tanto ao mar, nem tanto à terra.


E nos percentuais aplicados nas aposentadorias e pensões, a maldade fica mais evidente. Todas as aposentadorias, até mesmo as por invalidez, passaram a ser calculadas em 60% da média para quem tiver até 20 anos de contribuição, somando-se 2% por ano a partir do 21º.


E o cálculo da pensão por morte retrocede para os tempos da ditadura, em 50% da aposentadoria do(a) falecido(a), mais 10% para cada dependente.


Imaginem o trabalhador que tinha quase 20 anos de contribuições (trabalho sem registro não vale), alcançando uma média de 5 mil reais. Faleceu, deixando apenas a esposa como dependente porque os filhos já estão criados. A base de cálculo será a aposentadoria por invalidez do segurado se, ao invés de morrer, ficasse inválido, ou seja, 60% da média, sendo a pensão, apenas para a viúva, em 60%. Com tal cômputo, resta para a viúva 36% da média de contribuições do falecido, a bagatela de 1.800 reais.


Vale lembrar que a Lei 8.213/1991, em sua redação original, determinava a aposentadoria por invalidez em 80% da média e a por idade em 70%, com o acréscimo, em ambas, de 1% para cada ano de contribuição, até o máximo de 100%. Bastante válido seria o retorno de tal cálculo.


E, para a pensão por morte, valeria a ideia inicial em 1991, com 70% da aposentadoria do(a) falecido(a), acrescido de 10% para cada dependente, ou seja, no mínimo 80% e no máximo 100%.


Na Constituição Cidadã, em 1988, recuperar a credibilidade do sistema previdenciário foi o foco, com a criação de nossa Seguridade Social. Após três décadas de políticas neoliberais, com a violência máxima no último desgoverno, será preciso novamente recuperar a credibilidade dos nossos sistemas de Previdência Social.


Desafio imediato será conseguir cálculos mais justos para as aposentadorias e pensões nas legislações previdenciárias, mas então será preciso recompor os benefícios dos que tiveram o azar de ter o início durante a vigência da maldade. Impossível recuperar o que deixaram de receber antes da nova lei, mas será importante garantir os valores futuros, devidamente recalculados, a partir da sua promulgação.


Este artigo é de responsabilidade do autor e não reflete necessariamente a linha editorial e ideológica do Grupo Tribuna. As empresas que formam o Grupo Tribuna não se responsabilizam e nem podem ser responsabilizadas pelos artigos publicados neste espaço.
Ver mais deste colunista
Logo A Tribuna
Newsletter